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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Última recomendação

 


«É necessário que, sobre o tema dos abusos de crianças, a Igreja assuma um movimento claramente oposto ao até agora verificado, designadamente construindo formas de reflexão de «dentro para fora», hierarquicamente estruturadas de «baixo para cima», isto é, indo do seu próprio interior e organização para as pessoas, dos padres, dos membros do clero até aos seus superiores, para o que urge definir um plano comum de organização transversal e longitudinal homogéneo, ultrapassando o modelo atual em que cada diocese ou paróquia tem, afinal, o seu modelo próprio. Na verdade, se é certo que cada membro pode e deve ter a sua sensibilidade natural sobre os assuntos a abordar, a mensagem e a prática global final têm de revelar uma perspetiva comum ao todo que a Igreja Católica constitui».

Lemos isto na página 460 do relatório da ‘comissão independente para o estudo dos abusos sexuais na Igreja católica’ em Portugal. Com efeito, das páginas 447 a 460 são feitas algumas recomendações, primeiramente gerais (5), depois à Igreja católica – para uma outra cultura (6), o lugar da vítima (4), reparação da vítima (cinco alíneas), da ocultação à desocultação (2), arquivos históricos da Igreja, medidas de prevenção (7) e de formação (dois pontos, com diversas alíneas) – e, por fim, são apresentadas sugestões (12) à sociedade em geral.
Atendendo à envolvência daquela que poderemos considerar uma espécie de ‘conclusão final’, sentiremos mais e melhor o que tantas pessoas dizem sobre a Igreja católica em Portugal, num misto de vergonha e de confusão, se atendermos às centenas de testemunhos apresentados neste relatório.
Embora possa parecer algo ousado, senão mesmo uma intromissão na esfera da vida sacramental católica, essa sugestão de ‘rever a imposição de sigilo de confissão em matéria de crimes sexuais contra crianças por membros da Igreja Católica’, naquilo que se refere ao lugar da vítima. podemos e devemos olhar para as ideias contidas nesta ‘última recomendação’ como algo a levar muito a sério nesta matéria contundente para com decénios de uma vida ‘sistémica’ da Igreja católica em Portugal.

* ‘A Igreja assuma um movimento claramente oposto ao até agora verificado’ naquilo que se refere ao trato para com as crianças, na vertente de ‘abusos sexuais’. Tem de mudar muita coisa, desde a educação até à vivência, dos gestos até aos comportamentos, dos sinais menos percetíveis até aos mais complexos, num tempo excessivamente erotizado em que precisamos de gerar e de gerir nas pessoas sentimentos de maior pureza, vivencial e não meramente formal. Apesar de tudo, as crianças já não são mais inocentes, como tantas vezes se quis dar a entender…

* ‘Construindo formas de reflexão de «dentro para fora», hierarquicamente estruturadas de «baixo para cima». Efetivamente algo tem de mudar, pois estas formas de reflexão – de dentro para fora e de baixo para cima – implicam tudo e todos. Ninguém está acima da lei, mas também não pode estar abaixo da mesma, como, por vezes, temos visto em certas notícias, onde parece que querem antes matar do que fazer reconhecer o mal feito…

* ‘Urge definir um plano comum de organização transversal e longitudinal homogéneo, ultrapassando o modelo atual’. Apesar do peso do passado alicerçado numa visão clericalista e da dificuldade em aceitar e em viver a mudança, torna-se essencial, que encetemos um processo de revisão de tantas coisas que foram mal feitas e de querer aprender com os erros. Com efeito, aquilo que foi feito, por alguns, mancha, ofende e ultraja todos, fazendo-nos solidários na desgraça e mesmo na má-conduta.

Estamos a viver tempos – dias e meses – de profunda provação. Não se sentir amachucado por tudo isto seria não sermos dignos de sermos Igreja. Esta santa na sua essência e pecadora na sua existência precisa de entrar, desde já, num tempo prolongado de quaresma, como oportunidade de conversão a Deus e aos outros. Dentro de dias ouviremos: ‘lembra-te que és pó e ao pó hás de voltar’ e ainda: ‘convertei-vos e acreditar no Evangelho’… Agora é o tempo favorável, agora é o tempo da salvação… Ninguém está excluído!



António Sílvio Couto

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