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segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

O que resolvem as manifestações?

 

Depois de um tempo de acalmia – mais artificial do que real – vemos que voltaram as manifestações à rua. As motivações são várias e para diferentes gostos. Os intervenientes parecem ser de outras épocas...embora mais envelhecidos. Nalguns casos os materiais de contestação, senão são os mesmos, assemelham-se no grafismo e nos slogans. Os organizadores são os de antanho e surgiram outros, ao menos na forma tentada. Os números arregimentados (totais ou parciais) variam conforme as fontes e os possíveis interesses em jogo...

1. No meio de toda esta resssuscitação de contestações há perguntas que emergem, mesmo sem ser preciso grande esforço, de memória ou de interpretação. Quem ganha com a deslocação de tanta gente para as manifestações? Serão só as empresas de camionagem? Quanto custa participar nalguma das manifestações – viagens, desfiles ou organização? Não haverá uma certa manipulação dos participantes por parte de forças especializadas em tais eventos? Não se nota um certo saudosismo da reivindicação de rua, quando se perdeu nos votos? Efetivamente, o que resolvem as manifestações, estas ou tantas outras, feitas ou fazer? Para além da verborreia, fica algo que possa dignificar quem participa em tais manifestações?

2. As causas das manifestações mais recentes não andam longe das de otros tempos: do setor da educação, contra o custo de vida, por melhores salários, contra teses da classe operária – se é que esta ainda existe – ou até por motivações ético-sociais. Dá a impressão que os ingredientes dos manifestantes começam a ser repetitivos, sem grande inovação e, por isso, com resultados previstos ou mesmo insignificantes. Não está em causa o direito constitucional – artigo 45.º – de usar tais meios para fazer ouvir a sua voz, mas, diga-se em abono da verdade, que cansa ver pessoas a monte, aos gritos e com algum esgar de ódio para com tudo e para com todos.

3. Se quiséssenos usar uma linguagem imagética mais popular diríamos: o cântaro tantas vezes vai à fonte, que um dia se parte. Parece ser isto que pode tipificar as recorrentes manifestações: já ninguém liga a este meio de reivindicar político-sindicalista, está esgotado e bastante espremido. À exceção das imagens televisivas pouco mais se aproveita para a resenha histórica do tema. Se trocassem as imagens de outros momentos, seriam pouco diferentes das de hoje...pelos professores ou contra o custo de vida, dos sindicatos ou convocadas pelas redes sociais... Nalguns casos até parece que são os mesmos intervenientes, com todos os tiques e gestos sem diferença!

4. Em tempos não muito recuados houve um jornal que fez uma avaliação dos rostos das pessoas ao longo de duas décadas, nas capas dos jornais, tendo chegado à conclusão de que as pessoas se foram fechando progressivamente e manifestando alguma angústia...e mesmo sem se darem conta ansiedade quanto ao futuro, no presente.

De facto, sinto algo de preocupante quando vejo os rostos dos manifestantes nos eventos mais recentes: por ali perpassa muito ódio, se destila bastante perturbação e se manifesta uma sociedade prestes a explodir de vingança, senão até de violência em alto grau.

5. Perante esta deambulação sobre a utilidade das manifestações, poderemos considerar que tais formas de manifestar a discordância com o poder e/ou a pretensão de impor as suas ideias aos outros estão ultrapassadas como processo reivindicativo. Precisamos de encontrar novas formas e com outros ingredientes e parceiros. Apesar do razoável acolhimento das iniciativas propostas, parece chegada a hora de mudar a comunicação para atingir os fins pretendidos. Aquela liturgia de certa esquerda já não cativa quem pensa pela própria cabeça. Diga-se em avaliação final: aquele ambiente de quase-manada desaguará no sem-sentido e na falta de concretização das pretensões.

Aquelas arruadas não resolvem nada, embora possam afagar o ego de muitos dirigentes...



António Sílvio Couto

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