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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Paloncismo generalizado

 

Quem observar com o mínimo de atenção a situação do nosso país poderá caraterizá-la com uma palavra de incidência popular simples, direta e quase-provocatória: somos uns palonços. Este termo significa: pessoa que se deixa facilmene enganar e prejudicar; pessoa que revela ingenuidade e falta de bom senso; pessoa que é pouco inteligente; pacóvio, papalvo, parvo, imbecil...

Diante destas definições poder-se-á questionar: seremos todos, assim, tão palonços ou querem fazer de nós isso que dará sossego aos instrutores? A forma como nos dizem (ou não) certas coisas não nos fazem parecer palonços na condução de tantas das questões públicas? Viveremos, sem disso nos darmos conta, num regime de palonços, onde uns habilidosos tentam ludibriar outros à custa da sua ignorância? Até onde irá este sistema de paloncismo tácito, onde uns tantos contam com a sua esperteza, embora negligenciando a inteligência dos outros?

1. Efetivamente o ambiente socio-político em que estamos configura, para além do desinteresse geral, uma certa tonalidade cinzenta, onde a melhor forma de estar é viver nessa simulação de que ‘tudo está bem’, embora se perceba que nada está de acordo com tal visão...desfocada da realidade. Em geral posições desta natureza costumam ser caraterísticas de épocas de crise, com falta de liderança e numa espécie de acomodação sem ética... que quase se torna imoral. Nota-se que os governantes promovem – mesmo sem disso se darem totalmente conta – esta ambiência, pois sem haver contestação no essencial pode-se condescender com protestos parcelares. Em tempos da sociedade romana era tipificado com a expressão: ’pão e jogos’. Hoje vemos mais estes do que aquele... A maioria – se ainda existir, de facto – conquistada para governar, há um ano atrás, tem sido o melhor exemplo de paloncismo nos tempos mais recentes!

2. Quando vemos as horas intermináveis de discussão sobre os futebóis percebemos melhor que o paloncismo em geral é servido em abundância e em doses quase monumentais. Gastar tempo com coisas inúteis é outra caraterística do paloncismo reinante. Enquanto se fala disso, não se atende, efetivamente, ao que é importante. Quem não conhece essa outra expressão: discussões de lana-caprina (lã de cabra), isto é, se o pêlo que cobre a cabra é ou não lã, como acontece com a ovelha. O uso desta expressão quer significar que estamos a falar (ou discutir) sobre um assunto sem interesse, uma bagatela insignificante. Olhar alguns dos ‘problemas’ com que certas pessoas se ocupam vemos que se corre o risco de fazer de um ‘fait-divers’ (distração) algo que é empolado e pode ganhar importância sem, de verdade, a ter...

3. Sem pretendermos desqualificar o ‘nosso’ parlamento podemos vê-lo como a ‘casa do paloncismo’ por excelência, pois ali se tratam – muitas vezes até de forma menos educada – temas e problemas, assuntos e questões, coisas e loisas, que nos fazem crer que eles/elas ainda não se viram na condição de ridículos, nem se atêm à amostragem de quase-inutilidade na forma e no conteúdo como discutem ou decidem, afinal, a vida de todos. Aqueles espaços merecem melhores ocupantes, pois já testemunharam ínclitas figuras, insignes tribunos e excecionais líderes. Agora não conseguimos dar crédito a quem não se dignifica, antes mais parece servir a ideologia. Esta é uma das vertentes mais nefastas do paloncismo, pois nos desmotiva por falta de liderança e nos afunda por negligência nas escolhas...

4. Mais um pouco – muito pouco mesmo – e bateremos no fundo, num descalabro atroz e de onde será difícil sair, tal o amorfismo para onde nos conduziram, bloqueando quem conteste ou queira sair da monotonia de não destoar... E nem a constestação mais ressabiada esconde a tentativa de colocar tudo e todos sob o seu manto de que sem eles tudo cairá, quando, afinal, com eles e por eles nos atolharemos ainda mais, pois a visão é curta e as perspetivas muito mesquinhas.

Com dizia o escritor romano Cícero: ‘o tempora, o mores’ – oh tempo, oh costumes... que tempo este em que vivemos e que moral/ética com que nos conduzimos! Antes como agora, podemos e devemos interrogar-nos.



António Sílvio Couto

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