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quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

‘Sofrimento físico E psicológico e espiritual’ – razões para a eutanásia?

Se os excelentíssimos deputados/as proponentes da mais recente versão da lei de despenalização da morte medicamente assistida – vulgo eutanásia – a tivessem redigido com estes dois ‘e’, talvez os juizes do tribunal constitucional (TC) não a declarassem inconstitucional.

Só que os legisladores cairam na tentação de poupar nos ‘e’ e a coisa correu para o torto... e já vai em quatro tentativas de ‘modernizarem’ o país com leis progressistas, ousadas e contra-a-vida...

1. Foi com alguma surpresa e um tanto de admiração que ouvimos o TC rejeitar mais uma vez a proposta de lei de despenalização da eutanásia, aduzindo razões de redação do texto e que, mesmo sem disso se terem apercebido os mentores, poderia não ser claro quanto ao sujeito da ‘doença’/’sofrimento’ explicativo da mesma motivação. De facto não é uma questão de português escrito, mas de entendimento copulativo do tal sofrimento catalizador das razões coordenadas, sincrónicas e progressivas: físico e psicológico e espiritual... todos em conjugação e não só como a mera soma das parcelas. Não haverá nesta interpretação do TC algo mais do que uma decisão política, mas antes também filosófico-humanista?

2. Fique claro: mais esta decisão pela inconstitucionalidade da famigerada proposta de despenalização da eutanásia não pode ser substituída por essa outra sugestão anacrónica de referendo ao tema. Não, a vida não se referenda, nunca!

Mais uma vez sobre este assunto há quem confunda oportunidade com oportunismo, criando a sensação de que a coisa se resolve por reclamar o tal referendo. Com efeito, este correrá o risco de se voltar contra quem o propõe, na medida em que se nota um certo clima tendencioso para a aceitar a eutanásia como solução para questões de saúde fisíca, psicológica e mesmo espiritual... sobretudo se colocarmos o ‘e’ entre as diversas variantes de não-saúde. Não haverá algum erro de paralaxe em todo este processo ideológico em favor da despenalização da eutanásia? O referendo mudaria as consciências atédos mais acomodados ou continuaria a ser desculpa para adiar melhores condições de saúde para todos?

3. Confesso que o que mais me custa aceitar na discusão sobre a despenalização da morte medicamente assistida é uma certa afirmção contra a evolução da medicina e quase estagnando em aspetos que são por demais claros de que a investigação no campo da saúde – nas mais diversas vertentes – é uma das maiores conquistas da humanidade. Propor a eutanásia tornar-se-ia uma espécie de atestado de incompetência quanto às vitórias contra tantas doenças graves, entretanto vencidas, e que continuarão a ser subjugadas pela inteligência humana... A quem interessa tanta pressa em ter licença para matar, legalmente?

4. Uma outra preocupação me perpassa a mente e o coração quanto à razoavel aceitação da eutanásia para com certos aspetos em matéria de sofrimento. Com facilidade ouvimos na voz popular expressões como esta; estava a sofrer tanto, ainda bem que Deus se lembrou dele! Não será isto uma espécie de autanásia encapotada? Não revelará um desabafo deste tipo algo que denuncia uma não-educação cristã para o valor redentor do sofrimento? Perante esta frase não estaremos a reconhecer que temos refletido e rezado pouco (ou nada) quanto ao significado mais profundo do sofrimento como participação – atual e atualizada – na paixão de Cristo? De que adianta andar a fazer rituais na quaresma – via-sacra ou procissões de Passos – se depois quase toleramos a eutanásia de forma subtil?

5. É um facto: as questões da vida tornaram-se fulcrais para entendermos a nossa cultura, muitas vezes mais hedonista do que equilibrada ou mesmo enquadrada pelos valores do Evangelho. Aberta a ‘caixa de pandora’ com o aborto tudo poderá acontecer... desde que impeça de prosseguir os intentos egoístas, totalitários ou materialistas...Não somos senhores da vida, mas meros administradores da mesma como dom de Deus e para ser colocada ao serviço dos outros!



António Silvio Couto

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