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terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Confessemos os nossos pecados!

 


No início da celebração, particularmente, de cada eucaristia temos esta proposta a todos os participantes, seja qual for a instância pessoal ou comunitária.

«Irmãos, para celebrarmos dignamente os santos mistérios, reconheçamos que somos pecadores» – exortação geral… Guardam-se alguns momentos de silêncio… e o sacerdote-presidente diz: «confessemos os nossos pecados» – convite a todos. Rezando todos e cada um: «confesso a Deus todo-poderoso e a vós, irmãos, que pequei muitas vezes»...

Esta breve observação serve para colocarmos algum ponto-de-ordem na discussão – já anteriormente vista, mas por estes dias mais exacerbada – sobre a condição de pecadores em Igreja, nisso que nos guia e faz continuar na ‘santa Igreja dos pecadores’ – santa por essência e pecadora por existência… no tempo e no espaço.

1. A apresentação do relatório da ‘comissão independente para o estudo dos abusos sexuais de crianças na igreja católica’ (CI), no passado dia 13 de fevereiro (aniversário do falecimento da Irmã Lúcia) trouxe um tanto à luz, de forma mais organizada (se bem que digam ainda incompleta) a descrição deste fenómeno em Portugal entre 1950 e 2022. Mais de um ano decorrido – a comissão foi criada em finais de 2021 – os dados podem ser considerados pouco abonatórios, senão condenatórios do comportamento de bastantes membros da Igreja católica… e não são só padres, como por vezes, se tem querido dar a entender!

Os dados que, de seguida, apresentamos foram os fornecidos na apresentação pública do relatório. A CI validou 512 dos 564 testemunhos recolhidos. A CI enviou 25 casos ao ministério público, reconhecendo que a maioria destes já prescreveu, A média de idades das vítimas tem, hoje, 52,4 anos, residindo a maioria em território nacional. Em criança, os abusados que deram testemunho, cerca de sessenta por cento residia com os pais. Dos abusados mais de metade (52%) continua a afirmar-se católicos e 25% dizem-se praticantes. A maioria dos abusadores eram homens e dois terços destes eram padres. Os abusos – alguns de forma repetida e continuada – ocorreram quando as vítimas tinham entre dez e catorze anos de idade. A maior parte dos abusos ocorreu em espaços físicos da igreja ou em escolas e seminários.

2. Na apreciação – juízos (de valor, éticos e jurídicos), críticas (fundadas ou extrapoladas), conjeturas (de tempo, de espaço ou mesmo de ideologia) e sugestões (sem grande ousadia num futuro próximo) – surgidas nas horas subsequentes àquela apresentação podemos registar algumas opiniões que têm tanto de sincero, quanto de depreciativo, senão mesmo de anticristão primário. Não está em causa não aceitar o que foi dito, mas antes tentar discernir se isso pretende continuar a onda justicialista, mesmo no interior da Igreja católica, onde se a misericórdia tem espaço e oportunidade… para todos. À justiça o que é da justiça e ao perdão, dado e recebido, o que é dom de Deus!

Citamos sem referir quem o disse.

- A Igreja como instituição tem de repensar a sua atuação no futuro, porque em muitos casos não teve a noção, noutros casos teve a noção mas subavaliou.

- Já não vale a pena dizer que não aconteceu… Aconteceu de forma intensa e dramática.

- Não basta pedir perdão, há que expulsar os predadores da igreja, pô-los na prisão e tratá-los.

- A grande humildade da Igreja.

- É uma ferida aberta que nos envergonha e nos dói… A dor não prescreve… Os abusos de menores são crimes hediondos… O caminho da justiça encontrará sempre lugar no coração misericordioso de Deus.

3. Embora este seja mais um momento significativo de provação e de purificação da e na Igreja, ele manifesta de novo o paradoxo dos cristãos no mundo, na medida em que nas vicissitudes da vida os fiéis (ministros, leigos e religiosos) são chamados a revelar a grandeza pela fragilidade e esta, experimentada, aponta para mais longe do que aquilo que se capta… Com efeito, alguns aspetos têm de ser revistos e outros aferidos às condições do nosso tempo: temos de saber ver o essencial sem ficar na espuma e nas nuvens!



António Sílvio Couto

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