Os soldados um tanto insensíveis a Jesus como que se divertem com as provocações que lhe fazem... Quantas vezes Jesus é menosprezado por ignorantes sobre a sua identidade e a sua divindade.
«36 Os soldados também troçavam dele. Aproximando-se para lhe oferecerem
vinagre, 37 diziam: «Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!» 38 E por
cima dele havia uma inscrição: «Este é o rei dos judeus» (Lc 23, 36-38).
Depois da sensibilidade humana, espiritual e cultural das mulheres como que
somos confrontados com outras atitudes bem mais agrestes e quase-insensíveis,
por parte dos soldados e não só.
Aqui entra um aspeto nem sempre incluído de forma clara no processo da paixão
de Jesus: os momentos de troça, em que Jesus é escarnecido ou mesmo agredido
(física, psicológica e espiritualmente)…em diversas circunstâncias, por vários
intervenientes e com diferentes significados. Jesus é troçado ou escarnecido
pelos trocistas que passavam, quando foi crucificado e O provocavam a descer da
cruz – cf. Mc 15, 29-30; pelos membros do sinédrio, ‘salvou os outros e não
pode salvar-se a si mesmo’ – cf. Mt 27, 42-43; por um dos salteadores,
crucificado com Ele – cf. Lc 23, 39 (1).
Fixemos a nossa atenção nos soldados romanos e, para além da troça com que
maltrataram Jesus, os textos dos evangelhos incluem um elemento que pode
acrescentar ainda mais à rudeza para com Jesus. Como recordo neste ponto uma
observação de um professor de cristologia, há mais de quatro décadas, quando
falávamos da sensibilidade ultra-fina de Jesus, dada a sua divindade, que nos
referia que qualquer pequena ofensa ou indelicadeza teria em Jesus um agravo
ainda maior, tal era a sua delicadeza humana, tanto psicológica como
espiritual!
Dizem os textos que, para atenuar as agruras do sofrimento, lhe ofereceram:
‘vinagre’ (Lc 23, 36b); ‘vinho misturado com fel’ (Mt 27, 34); ‘vinho misturado
com mirra’ (Mc 15, 23); ‘ensopando o vinagre na esponja fixada num ramo de
hissopo, levaram-lha à boca’ (Jo 19, 29) (2). Ora, a complementar este gesto de
alguma ‘compaixão’ para com aquele condenado, aparece esse outro de razoável
rudeza que é o despojamento e as sortes deitadas sobre as suas vestes. A
divisão das roupas por parte dos soldados parecia ser algo corrente quase como
um direito dos carrascos (cf. Jo 19, 23-24), mas a túnica foi sorteada e não
dividida…
Neste contexto onde estão inseridos os soldados romanos encontramos várias das
palavras de Jesus na Cruz: ‘Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem’ (Lc
23,34);
‘Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?’ (Mt 27, 46; Mc 15, 34);
‘Tenho sede’ (Jo 19, 28);
‘Tudo está consumado’ (Jo 19, 30)…
«Quando chegou a Hora em que cumpriu o desígnio de amor do Pai, Jesus deixa
entrever a profundidade insondável da sua oração filial, não só antes de
livremente Se entregar («Abbá... não se faça a minha vontade, mas a
tua»: Lc 23, 42), mas até nas suas últimas palavras já na
cruz, onde orar e dar-Se coincidem: «Perdoa-lhes, ó Pai, pois não sabem o que
fazem» (Lc 23, 34); «em verdade te digo: hoje estarás comigo no
paraíso» (Lc 23, 43); «Mulher, eis aí o teu filho» [...] «eis aí a tua
mãe» (Jo 19, 26-27); «tenho sede!» (Jo 19, 28); «meu Deus, por
que Me abandonaste?» (Mc 15, 34) (56); «tudo está consumado»
(Jo 19, 30); «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46),
até ao «grande brado» com que expira, entregando o espírito» (3).
1. Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de
Nazaré – da entrada em Jerusalém até à Ressurreição, pp. 172-174.
2. Ao ser apresentada aos condenados uma bebida inebriante, a junção de fel tornava-a
intragável. Mt põe em evidência a consciência e liberdade de Jesus (Sl 69,22) -
Nota a Mt 27,34 na Bíblia Sagrada (dos capuchinhos). Vide Joseph
Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré – da entrada em Jerusalém até à
Ressurreição, pp. 178-179.
3. Cf. Catecismo da Igreja Católica, 2605.
António Sílvio Couto
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