Por
estes dias recordei-me de uma pequena estória-anedótica.
No
recreio da escola, um grupo de crianças desfilava o que tinha cada um comido,
no ‘jantar’ – coisa que nem sempre significa para todos o que queremos que
possa significar – da noite anterior. Situemos ainda o ‘episódio’, em
exemplificação, neste contexto de tempo da páscoa. Ora, uns filhos de gente
mais abonada de meios iam referindo que tinham comido marisco, lagosta e tantas
outras coisas de mesa rica e com ingredientes nem sempre visto em todas as
casas. Por seu turno, um pequenito, mais reguila, simplório e desavergonhado,
não se querendo ficar para trás na apresentação das comidas pascais, ripostou:
eu comi duas tigelas…não sabendo que aquilo que os outros disseram ter comido não
se media daquela forma, mas deixando a saber que tinha só usufruído de duas
tigelas de sopa, coisa nobre e boa e, por aqueles dias, mais abundante…lá na
mesa da família!
1. Que terá de anormal (ou não)
este episódio anedótico? Notar-se-á alguma clivagem social e cultural
subjacente? Até onde irá a compreensão do tema, se não lhe virmos o
pano-de-fundo mais essencial? Viveremos ainda numa catalogação social daquilo
que comemos e quanto ao que os outros não comem? O dito ‘comer’ não será mais
do que o mero deglutir de comida, mas pode ainda ser entendido naquilo que nos
é dado como proposta para questões mais ou menos necessitadas de resolver? Não
haverá, na nossa praça político-social, algo que nos querem impingir como
solução de fachada, quando depois esbarramos com questões burocráticas que
inviabilizam as propostas enunciadas? Perguntas à guisa de enunciado.
2. Num tempo onde parece que as
relações humanas se regem, suficientemente, pelos repastos que auferem, este
tema aqui trazido pode ter tanto de inofensivo, quanto de provocatório, tudo
dependendo da perspetiva em que nos colocarmos para ver, analisar ou projetar a
questão.
Numa
época onde a aparência quase consegue mais protagonismo do que a verdade,
deveremos questionar a forma como são educados os mais novos – desde a mais
tenra idade, diria logo no berço, e sobretudo nessa idade complexa da
adolescência. Com efeito, dá a impressão que muitos pais – se fossem
verdadeiramente educadores – evitam que os filhos/as sintam as agruras da
contingência dos problemas da vida. Já vi – embora sem compreender totalmente –
tantos pais/mães a fazerem sacrifícios mirabolantes para que os seus
‘meninos/as’ não sejam menos benquistos no espaço dos seus amigos e nos grupos…
3. No desenvolvimento de algumas
questões sociopolíticas – dos deslocados da invasão da Ucrânia, nas questões de
pandemia ou mesmo na resolução de temas laborais daí decorrentes – temos visto
que nem sempre aquilo que se diz – com parangonas de comunicação ou sob
influência de alguma reunião – tem repercussão prática, pois, a pretensa boa
vontade inexoravelmente colide com teias burocráticas enfadonhas e de
não-solução, levando a desacreditar naquilo que se diz e, sobretudo,
desconfiando das pretensas boas-intenções… Quem está no terreno não precisa que
lhe efabulem os problemas com os quais se tem de confrontar, mas que todos façam
parte da solução das questões mais básicas e sensíveis que são as pessoas que
procuram que lhes consigamos dar resposta concreta e, por vezes, atribulada…
4. Sem querermos reduzir o que
estivemos a querer dizer a minudências moralizantes como que deixo essa estória
da criança que começou a preparar a tigela para os pais, quando viu estes a
colocar fora da mesa da refeição o ‘velho’ que sujava a toalha, dado que não
era capaz de levar à boca a comida de forma ‘educada e limpa’. Com efeito, há
por aí muitas tigelas vazias de conteúdo e de substância, mas prenhes de
adjetivos escusados e sem nexo. Mais do que proponentes de soluções para outros
fazerem, precisamos de quem se comprometa na resolução objetiva sem ser
anónima, clara sem ser pegajosa, simples sem se tornar simplista e,
particularmente, tendo em conta as pessoas como o melhor património do mundo…
Aproximamo-nos
da efeméride de 13 de maio. Recordemos essa frase-chavão dita pelo Papa Paulo
VI, em Fátima, em 1967: ‘homens, sede
homens’! Já o seremos no verdadeiro e autêntico sentido das palavras?
António Sílvio Couto
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