«Onde queres que façamos os preparativos para comer a Páscoa?» (Mt 26,17).
Eis como os discípulos inquiriram junto de Jesus,
nas vésperas daquela celebração, o modo e o lugar de a viverem. Ora, teremos de
compreender o alcance daquela expressão – ‘comer a páscoa’ – para que não pareça
que se lhe dá uma significação meramente material, hedonista e consumista…tão
ao gosto do nosso tempo. Efetivamente muitos ‘comem’ a páscoa – isto é,
cordeiro, cabrito, borrego, anho…conforme as regiões – no sentido literal do
termo ‘comer’ e na figuração da iguaria…
A palavra hebraica ‘pesach’ significa
'passar adiante', 'sair', decorrendo da narrativa da décima praga do Egito,
segundo a qual Deus ordenou aos hebreus que assinalassem, com o sangue do
cordeiro, as portas das suas casas, permitindo, ao anjo exterminador, que
passasse adiante, atingindo somente as casas dos egípcios e, de modo
particular, os primogénitos dos egípcios, inclusive o filho do faraó (cf. Ex
12, 21-34). A ‘pesach’ indica, portanto, a libertação do povo de Israel do
domínio egípcio e o início do seu percurso em direção à terra prometida... Ora
essa saída memorável, celebrada em cada páscoa, recordava para além do sinal
libertador de Deus, o momento em que os judeus comeram a toda pressa o cordeiro
pascal, com cujo sangue tinham tingido as portas das casas onde eles viviam e o
anjo exterminador não entrou.
Cada ano esta celebração da Páscoa era, para o povo judeu, um momento de
memória familiar e comunitário.
As raízes mais profundas dos sinais, das palavras e dos gestos de Jesus, na
Última Ceia, ao celebrar a páscoa judaica e ao introduzir a novidade que a
celebração da sua ressurreição significa: Jesus é verdadeiramente o cordeiro
pascal, imolado por nós e para nossa salvação.
A Páscoa é muito mais do que jantaradas e festanças
onde O festejado foi varrido para debaixo do tapete da conveniência, desde que
não incomode os nossos desvarios mais ou menos tolerados. À semelhança do Natal,
estamos a usufruir das regalias, mas não assumimos as vertentes mais simples,
fraternas e de vida centrada em Deus. Será que alguém se lembra de interpretar
os doces – amêndoas, folar, chocolates ou outros – como uma prefiguração da
‘terra prometida, onde mana o leite e mel’, como dizem as Escrituras? A troca
de presentes – sobretudo entre afilhados e padrinhos e vice-versa – será algo
mais do que um negócio a roçar o interesse materialista? E os ovos de Páscoa
terão mesmo a significação da vida que se renova em cada Páscoa? Deixemos de
fazer-de-conta com coisas simples e tão sérias…
António
Sílvio Couto
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