Escutei,
há dias, este cântico:
‘Ó céus do alto rociai. / O justo, ó nuvens
chovei.
Germine a terra o
seu Deus. / O Adonai, nascei, nascei’.
Embora
seja apresentado, nos meios da internet, como de autor desconhecido e com sabor
popular, recordo-me de escutar este cântico em contexto litúrgico e sendo
atribuído a um autor bracarense.
Como
expressão orante do tempo do Advento pode servirnos para reparar nalguns
aspetos nesta preparação em ordem ao Natal.
Desde
logo o que significa: ‘rociai’? É uma palavra de origem latina (roscidare,
roscidus) e significa: cair orvalho, orvalhar...numa súplica voltada para o
Alto e em atitude de abertura à condução divina...na terra.
1. Por vezes
ouve-se de algumas pessoas uma observação que tem tanto de interessante quanto
de esquisita: vou ao menos à ‘missa da galo’... no resto do ano não tenho tempo
e nem sempre me apetece. Quem tal refere poderá ter as suas convicções
religiosas, mas talvez não assentem em alicerces cristãos. Quem tal se
considere ‘praticante’ poder-se-á iludir com rituais, mas sem fundamentação
cristã. Quem tal faz será crente ou meramente religioso, à sua maneira?
2. Por outra
perspetiva vou constatando que alguns dos nossos fregueses – no sentido
etimológico do termo, da procedência do latim: ‘filius ecclesiae’ (filho da
igreja) – frequentam as celebrações do Natal, mas não fizeram com os outros a
preparação do mesmo, pela caminhada do tempo do Advento, esse mesmo colocado na
dinâmica liturgico-eclesial para ser preparação da ‘vinda do Senhor’. Efetivamente
muitos dos nossos ritos, ainda sociais de cristandade, parecem ter pouco a ver
com aquilo que se poderá designar de compromisso, isto é, cada um vai ou não,
conforme lhe dá jeito; cada um vai aqui ou ali à missa (de domingo ou outra)
mais em conformidade com os seus interesses do que com o vínculo que sente e
que vive com aqueles com quem celebra a fé; cada um – e são tantos – usa das
coisas da Igreja mais em função da sua conveniência do que em razão de uma
caminhada comprometida...
3. Os ecos e
repercussões deste tempo de pandemia como que vieram agravar o razoável
descompromisso de uma boa parte dos nossos fregueses. Estamos a pagar a fatura
de termos andado a dar sacramentos a pessoas não-evangelizadas. Muitas das celebrações
do batismo são realizadas mais em razão da festa do que em consonância com a fé
mínima e suficiente. A maior parte dos casamentos são feitos na igreja, mas
muito pouco em sintonia com a Igreja. Uma percentagem dos crismados são aceites
mais no termo de um tempo de ‘catequese’ do que pela catequização
desenvolvida... o sinal vê-se nos dias seguintes à cerimónia – quando devia ter
sido celebração – na ausência à assembleia celebrante...
4. De que adianta
haver uns tantos que se dão ao cuidado de denunciar, de esgrimirem razões ou de
se empenharem em soluções, senão houver um plano diocesano no qual todos se
comprometam? Está em desenvolvimento o processo sinodal em toda a Igreja e nas igrejas particulares (dioceses
e paróquias), mas quem leu os textos de preparação emanados da Santa Sé? Quem
quis refletir sobre as dez questões preparatórias do Sínodo? Quem já designou
os dinamizadores dos grupos sinodais?
5. Por estes
dias soube do estado de saúde de duas pessoas que muito estimo: o Padre
Francisco de Jesus Graça e a Professora doutora Manuela Carvalho. Por
interposto amigo escutei o desprendimento de ambos desta face da vida: um e
outra sentem-se a ir para o Natal eterno da ressurreição. Não será isto o
orvalho de Deus a espargir-se sobre a Terra?
António Silvio
Couto
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