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domingo, 26 de dezembro de 2021

Não Andamos Todos Algo Lerdos?

 


Da composição desta frase podemos colher a palavra – ‘natal’. Ora, estando a vivenciar esta realidade socio-religiosa, poder-nos-á ser útil refletir sobre implicações desta tonalidade cultural mais ou menos abrangente de conceitos, valores e critérios com sabor cristão.
Por vezes falar ou escutar questões sobre o Natal, atendendo à idade dos envolvidos, como que desencadeia uma torrente de nostalgia, deixando a impressão de que, no passado, tudo era mais genuíno, um tanto mais sincero e, porque não dizê-lo: quase-verdadeiro… Efetivamente assim seremos condicionados no presente, sobretudo, se houver boas memórias disso a que nos referimos com afeição.

1. Dos termos usados na frase deste título talvez valha a pena explicar o que é ‘lerdo’. Significa: ser lento, pesado, vagaroso…estúpido, parvo, tonto. Diante destas asserções poderemos considerar que, nestas coisas do Natal, todos nos andamos a enganar (ativa ou passivamente), pois aquilo que dizemos crer nem sempre é aquilo que nos motiva a colocar as exigências cristãs do Natal na vida. Somos tantas vezes mais cultivadores da fachada do Natal do que da essência humano-espiritual do mesmo. Somos, por razões muito díspares, mais usufrutuários daquilo que o Natal nos trouxe do que participantes na sua real vivência.

2. De facto, os conceitos de Natal têm-se vindo a aferir mais às coisas materiais e materialistas do que às razões verdadeiramente de índole espiritual e de teor cristão. Com que facilidade fomos trocando os conceitos de fraternidade por prendas e presentes. Como se difundiu a figura do ‘pai-natal’, mesmo que distorcendo a ação benfazeja do bispo São Nicolau. Com que habilidade se transferiu o Natal de Jesus para uma pseudo festa da família, reunida mais em comezainas do que em partilha. Como cresceu a sensibilidade à ‘árvore de Natal’ sem a fazer ser essencialmente a ‘árvore da vida’ ou um tanto genealógica. Como se tem trocado O festejado pelos festejos em proveito individualista. De verdade, ‘não andamos todos algo lerdos’ de ignorância e de oportunismo?

3. A pandemia em curso veio colocar mais à luz do dia que tantos dos convívios natalícios não passavam de artefactos de fachada e como que possibilidades pouco abonatórias para as festanças de ocasião: durante o ano mordem-se e criticam-se, mas nos ‘jantares’ disfarçam as contendas com trocas de prendas, que mais não são do que a revelação inconsciente daquilo que desejam para si mesmos… De muitas e variadas formas precisamos de estar de atalaia para sermos mais coerentes e consequentes em cada tempo e em cada lugar. ‘Não andamos todos algo lerdos’ em assumirmos o que tão habilmente ainda escondemos?

4. Embora os conceitos, pelos quais nos regemos possam ainda ser de alguma matriz cristã, na maior parte das vezes estamos a quilómetros de distância do verdadeiro significado das coisas. Quem alia a compreensão dos presentes às dádivas que os magos trouxeram/levaram ao Menino? Quem lhe dá o conteúdo sem se fixar na forma? Quem pensa, de verdade, mais no significado do que na interpretação? Mesmo que ofereçamos presentes e não meramente prendas – aqueles dão-se em função de quem recebe, estes em razão de quem dá, pois vai preso – ‘não andaremos todos algo lerdos’ com o fascínio do consumismo, que entulha, cada vez mais, a nossa vidinha?

5. Enquanto é tempo, precisamos de acordar desta letargia que confunde o crer com o querer e que conjuga os tempos com os momentos, tornando-os suposições de vontades rebeldes, inconstantes e subjetivas. É tempo de parar diante da rudeza do presépio, não na mera ruralidade das coisas, mas na subtileza da entrega de um Deus feito homem por nós em amor e que continua agora a necessitar de nós – enquanto cristãos – para encarnar na vida de tantos outros, que Ele coloca no nosso caminho. ‘Não andemos todos algo lerdos’, adiando a assunção desta missão, onde quer que nos encontremos, sejam quais forem os ambientes e situações que Deus nos proporciona que vivamos.

António Sílvio Couto

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