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segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Habitação: casa, morada ou lugar?


 Segundo dados dos ‘Censos 2021’, em Portugal, há um certo desfasamento entre os edifícios destinados à habitação (cerca de 3,5 milhões) e o alojamento (quase 6 milhões de situações). Comparativamente com os censos de há uma década o crescimento do parque habitacional é bastante inferior ao do início do século.

Atendendo a estes números podemos captar que há diferença entre os locais de alojamento e as possibilidades de ter casa própria (proprietário ou arrendatário); de esta pode ser de maior ou de menor dimensão ou ainda de localizar-se no litoral ou no interior do país; ser de primeira habitação ou residência secundária ou sazonal… Nestes diversos itens os resultados dos ‘Censos 2021’ dizem-nos que a tipologia de arrendamento de casa tem vindo a ganhar espaço (22%) ao regime de proprietários (cerca de 70%); que as residências secundárias têm vindo a crescer, sobretudo em regiões de veraneio, no Algarve são cerca de 40% dos alojamentos…

 1. Estamos na época do Natal e, nos textos bíblicos que escutamos alusivos aos momentos socio-religiosos do tempo, lemos: ‘e, quando ali [Belém] se encontravam, completaram-se os dias de ela [Maria] dar à luz e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria’ (Lc 2, 6-7).  Para além das considerações religiosas desta passagem fica a nota de que Jesus – aquele que foi dado à luz – teve de nascer num curral, sem condições higiene-sanitárias mínimas e onde a privacidade ou mesmo a qualidade da habitação seria do menos capaz. Digamos ainda que a falta de espaço na tal ‘hospedaria’ – coisa de acrescento redaccional e talvez de incidência posterior ao texto original – não passaria de um certo espaço de acolhimento de viajantes, no caso de pessoas que se teriam ido recensear a Belém em cumprimento do édito de César Augusto como se refere em Lc 2,1-2…

A nota de ‘não haver lugar na hospedaria’ pode envolver outras leituras, desde as meramente estruturais – não estavam preparados para ser ‘invadidos’ por tantos deslocados – até às de índole mais espiritual, isto é, podemos não ter espaço para receber Jesus por estarmos cheios ou entulhados de outras coisas… e as pessoas já não cabem…

 2. Quem esteja à disposição do atendimento de pessoas ou quem acolha solicitações de pessoas algo carenciadas receberá – recorrentemente, mas de forma mais acentuada em marés de crise – pedidos para ajudar a pagar a renda da casa e nos gastos – nalguns casos bastante atrasados – de eletricidade, de água, de gás… e até de comunicações… sem esquecer coisas de alimentação.

Recentemente a ‘Caritas’ nacional fez-se eco das dificuldades e das complicações de largos milhares de pessoas que solicitam ajuda nas rendas de casa: entre março de 2020 e fevereiro de 2021, mais de dez mil pessoas (acima de três mil famílias) procuraram ajuda, perfazendo mais de duzentos mil euros…

 3. Este tema da habitação trouxe-me a cogitação pequenos aspetos que poderiam ser úteis incluir na reflexão deste tempo de Natal: o que significa ter casa? Como interpretar viver numa determinada morada? Qual o alcance de dizer que vivo num certo lugar?

* Ter casa – é antes de tudo um espaço onde a pessoa se deve sentir bem, com privacidade e num ambiente que seja acolhedor, sereno e pacífico. Através da casa onde vivemos, mostramos muito daquilo que somos. A nossa casa revela-nos muito para além daquilo que julgamos…

* Viver numa determinada morada – dizer onde se tem a morada chegou a ser um dos itens identificativos da apresentação de uma pessoa perante os outros: quem é, o que faz e onde mora... A rua, o bairro, a zona, a região onde se habita também diz muito daquilo que, em cada um de nós, é feito pelo ambiente e pela cultura circundante… Mais do que uma bolha social, onde moro manifesta-me aos outros.

* Situar-se num certo lugar – sou aquilo onde nasci, fui educado pelos espaços por onde andei e manifesto, sem me dar conta, a envolvência onde estou…Sem outros filtros revelo-me onde vivo, com quem me relaciono e mesmo pelo faço (ou não). Não sou neutro, mesmo que disso pretendesse disfarçar.

Efetivamente a habitação é a minha melhor identidade, que me faz ser o que sou ou estar onde estou!     

 

António Sílvio Couto

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