Explicando o que se entende por ‘evangelhos da infância’ situamo-nos nos capítulos 1 e 2 dos evangelhos segundo São Mateus (1,1-2,23) e de São Lucas (1, 5-2,52). Nestes quatro capítulos, colocados numa espécie de ‘introdução’ aos respetivos evangelhos, encontramos em sumário os grandes temas que serão desenvolvidos no corpo do texto por cada um destes evangelistas.
Nos ‘evangelhos da infância’ encontramos várias
figuras/pessoas relevantes na revelação de Deus: Zacarias e Isabel, João
Batista, José e Maria, pastores, Herodes e magos, Simeão e Ana… em cada um
podemos perceber como Deus se lhes revelou e como continua, hoje, a
interpelar-nos na nossa caminhada pessoal, em família e de forma eclesial.
O evangelho de São Mateus prossegue com o
‘anúncio do nascimento de Jesus’ a José – Mt 1, 18-25: José, descendente de
David cumpre as profecias messiânicas de Is 7, 14. O capítulo 2 divide-se em
duas secções: 2, 1-12 e 13-23. Na primeira, como narrativa edificante,
acentua-se a dignidade real de Jesus, nascido em Belém (cf. Mq 5, 1),
reconhecida, indiretamente, pelo sinédrio e aceite pelo mundo dos gentios,
representado pelos magos. Na segunda secção torna-se patente como Jeus, o chefe
do novo povo de Deus, viveu na sua pessoa, e de modo mais eminente, as grandes
experiências espirituais do Israel antigo – libertação do Egito e cativeiro
(cf. Os 11,1; Jr 31, 15), dando ainda a São Mateus a possibilidade de responder
à tipificação de Jesus como o ‘narazeno’ (cf. Mt 2,19-23)...
Digamos que os dípticos são pintados com o
recurso à mesma técnica: o mesmo mensageiro (Arcanjo Gabriel) especializado dos
mistérios dos tempos messiânicos; fórmulas análogas de saudação, reação da
pessoa agraciada (Zacarias e Maria) e ulteriores detalhes da mensagem... nos
dois casos, o primeiro quadro é preparação do segundo, isto é, no primeiro o
prometido nascimento será ‘ex sterili’, enquanto no segundo o nascimento
acontece ‘ex virgine’...o precursor e o próprio Cristo. As caraterísticas dos
dois personagens – João e Jesus – são realçadas de forma clara.
Podemos ainda encontrar dois painéis suplementares: a visitação – Lc 1, 39-56 – onde se dá o primeiro encontro entre o
Antigo e o Novo Testamento, pois as duas agraciadas reúnem-se numa atmosfera de
alegria messiânica , reconhecendo a ‘velha’ Isabel a superioridade da ‘jovem’
Maria. Outro quadro – Lc 2, 21-40 – situa-nos no templo, numa espécie de apoteose, em que as figuras proféticas
de Simeão e Ana aplicam a Jesus a essência de toda a esperança da salvação,
anunciada no Antigo Testamento.
Em resumo: no ‘evangelho da infância de
Mateus’ a figura principal é José, enquanto, no ‘evangelho da infância de
Lucas’, depois de Jesus, a figura principal é Maria... sem esquecer ainda o
tema da alegria, o papel importante das mulheres, sendo Jesus apresentado como
o Salvador, sobretudo, dos pobres.
Diz-nos o Papa Bento XVI/Joseph Ratzinger, em ‘Jesus de Nazaré – a infância de
Jesus’ – «Mateus e Lucas - cada um à sua
maneira - queriam não tanto narrar ‘histórias’, mas escrever história: história
real, sucedida, embora certamente interpretada e compreendida com base na
Palavra de Deus. Isto significa também que não havia a intenção de narrar
de modo completo, mas de escrever aquilo que, à luz da Palavra e para a
comunidade nascente da fé, se revelava importante. As narrativas da infância
são história interpretada e, a partir da interpretação, escrita e condensada.
Entre a palavra de Deus e a história interpretada há uma relação recíproca: a
Palavra de Deus ensina que os eventos contêm ‘história da salvação’, que diz
respeito a todos. Mas os próprios eventos desvendam, por sua vez, a Palavra de
Deus e levam a reconhecer a realidade concreta que se esconde nos diversos
textos» (p. 21).
António Sílvio Couto
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