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domingo, 16 de maio de 2021

Será o futebol irracional?

 


Contaram-me por estes dias uma situação de alguém que era (ou é) muito cuidadoso nas questões relacionadas com o vírus em curso – as higienizações, as distâncias, os apetrechos, etc. – e que foi, de forma desabrida, para os festejos do mais recente campeão de futebol no nosso país… E com eles milhares de tantos outros deram a imagem de que o futebol-paixão como que torna a maior parte das pessoas quase-irracionais, senão mesmo inconscientes…

Alguns mais paternalistas foram deixando escapar a desculpa de que quase duas décadas de jejum de festa têm de merecer mais compreensão. Outros, para não assumirem as respetivas responsabilidades, escondem-se por detrás dos ajuntamentos – autorizados, suscitados ou provocados – por forma a quererem dizer que a multidão é anónima e sem assunção de culpas. Outros ainda – sobretudo os de outros clubes ou fações derrotados – estão com o dedo em riste para acusarem os ‘prevaricadores’, quando fariam o mesmo, se estivessem em idênticas condições…

 1. Mesmo com o alarido ou sob provocações, a maior parte daa pessoas festejantes atenderam aos riscos inerentes à pandemia em curso? Serão todos tão inconscientes para julgarem que isso (o contágio ou a afetação) só acontece aos outros? Como justificar, senão por falta de senso ou quase-irracionalidade, encurralar pessoas aos magotes, sem prever as consequências? Será que uma tarde de festejos pode deitar a perder meses de confinamento ou de estado de emergência, se bem que ainda estejamos em estado de calamidade? A quem interessa o ‘jogo-do-empurra’, por parte das autoridades envolvidas? Será que o ‘covid-19’ fez perder o bom senso – há quem diga que alterou a moleirinha – da maioria dos atingidos pelo vírus?

 2. Infelizmente é verdade que o fenómeno do futebol transtorna as pessoas, sobretudo as mais apaixonadas e quase fanáticas. O que dizer de médicos-cirurgiões, de juristas ou de professores que assumem pose de verdadeira malcriadez, quando discutem coisas do futebol… e não é só do jogo, mas das tricas dos bastidores? O que dizer de pessoas sensatas – ao menos na aparência – e que se alteram quando se confrontam com outros adversários…por vezes enfrentados quase como inimigos? O que dizer de certas discussões televisivas, quando se esgrimem argumentos inflamados, estando às portas de chegarem a ‘vias-de-facto’, não fossem as distâncias ou de estarem em espaços separados?

3. O comércio do futebol tritura tudo e todos…em si mesmo e à sua volta. Veja-se que de desporto já só tenhamos alguns adereços – a bola, o campo e talvez as balizas – pois os intervenientes estão em constante mutação, tal a necessidade de novo produto para vender-e-comprar. As pessoas tornaram-se coisas e as coisas ganharam identidade. Com efeito, à expressão ‘indústria do futebol’ temos de contrapor o comércio, onde tudo se vende ou tudo se compra, desde que se saiba o preço e haja quem queira comprar ou vender. Os jogadores estão à venda. Os dirigentes andam no mercado na tentativa de fazer negócio. O produto sobe ou desce conforme tem procura ou se expõe à venda. Há que despachar um jogador, enquanto tem preço convidativo no mercado. Esta escravatura tem conluios e sobre ela se estende um manto de silêncio cúmplice e provocatório…  

 4. As provas do grande investimento feito nos futebóis – pois há o do meu clube e os dos outros – são as horas de discussão televisiva, de angariação dos melhores jornalistas vinculando-os à sua cor clubística ou o custo de publicidade em certas horas…Temos, em Portugal, três jornais diários sobre desporto, mas onde o futebol ocupa a quase totalidade do espaço. Em canais televisivos – seis entre canal aberto e por cabo e mais os dos grandes clubes – são gastas horas a fio a discutir tricas e truques, jogadas e falhanços, sucessos e inglórias…atuais, do passado e com implicações no futuro. Em tudo isto fica a possibilidade de mudar de canal ou de jornal, se não for atendido o clube (dito) do coração, pois a racionalidade deixa muito a desejar quando se perde e, sobretudo, quando se ganha…

A saúde não teria merecido melhor tratamento do que aquele que lhe deram alguns do que celebraram as vitórias… arrolhadas há tantos anos?  

 

António Sílvio Couto

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