Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sexta-feira, 21 de maio de 2021

Imposição das mãos

 


É um gesto recorrente na ação da Igreja, tanto na liturgia, como na vida eclesial e mesmo com fundamentação bíblica assaz referida, como expressão evocativa do poder de Deus e também invocativa do Espírito Santo, a imposição das mãos.

Antes de mais poderá ser-nos útil fazer uma referência ao significado da mão ou das mãos no trato do nosso dia-a-dia. Citando um biblista: «A mão simboliza uma ação ou uma obra e encerra a magia do coração; por isso transmite os seus sentimentos. As mãos amam, falam (por gestos) e acariciam, tocam e deixam-se tocar; as mãos tranquilizam e agridem, desejam e repelem; comunicam amor e agressão, serviço e domínio sobre o outro. Por isso a nossa língua [o português] é rica em expressões acerca da mão.

No que se refere a Deus, a mão direita simboliza a proteção, o poder criador e providente, que liberta o seu povoe o acompanha pelo deserto, castigando os inimigos com a mão esquerda para o proteger. As mãos impostas sobre alguém transmitem poder ou o Espírito Santo. As mãos levantadas são símbolo de um coração suplicante que sobe até Deus. No mundo, Jesus tornou-se a mão de Deus Pai estendida a todos os pequeninos e pecadores. Com a sua mão Ele acaricia as crianças, consola os tristes, acolhe e cura os doentes, perdoa os pecadores» – Herculano Alves, ‘Símbolos na Bíblia’, Lisboa: Difusora Bíblica, 2011, p. 205.

Que dizer, então, da imposição das mãos: quantas vezes aparece a expressão na Bíblia? Tem o mesmo significado no Antigo como no Novo Testamento? No uso neotestamentário haverá algo que devíamos recuperar, hoje, na Igreja? Será lícito, correto e oportuno, os leigos recorrerem à imposição das mãos? Haverá ou poderá haver situações não-recomendáveis à imposição das mãos?

 1. No Antigo Testamento encontramos a referência à imposição das mãos em três vertentes essenciais: a transmissão de uma bênção espiritual ou de autoridade (Gn 48,14; Nm 8.10); a confirmação pública de uma bênção espiritual ou autoridade recebida de Deus (Nm 27,18-2-23); um compromisso para com Deus e para um ministério especial (Dt 34,9).  

 2. No Novo Testamento encontramos vinte e uma vezes esta expressão da ‘imposição das mãos’, podendo distinguir quando feita por Jesus (em nove situações) e, posteriormente, pelos discípulos, sendo sete vezes só nos Atos dos Apóstolos… Com efeito, no Novo Testamento encontramos quatro tipos de “imposição de mãos”:  o próprio Cristo manifesta autoridade ao orar e ao abençoar (Mt 19.15; Mc 10.16); na cura de doenças (Mc 16.18; At 28.8); na concessão de dons extraordinários do Espírito Santo  e em especial através do ‘batismo no Espírito Santo’ (At 8.14-20; 19. 1-6); e ainda na solene consagração de homens separados para o serviço na igreja (At 6.6; 13.3; 1 Tm 4.14).  

 3. Dimensão sacramental na imposição das mãos – em todos os sacramentos encontramos referência à imposição das mãos, como forma de comunicação do Espirito Santo, tanto sobre as pessoas, como sobre as coisas. É a designada epiclese. Nos sete sacramentos que temos na Igreja católica em todos encontramos a referência à invocação do Espírito Santo pela imposição das mãos, isto é, a comunicação do poder divino pelo ministério do ministro ordenado. De referir que a ‘ordenação’ do diácono, do padre e do bispo se dá, explicitamente, pela imposição das mãos em silêncio sobre o ordinando (cf. Catecismo da Igreja Católica, n.os 1558 e 1573).   

 4. Referências pastorais do passado e para o presente

Em 1 Tm 5,22, São Paulo faz uma advertência sobre o modo e em que condições se pode fazer a imposição das mãos: «não imponhas as mãos a ninguém precipitadamente, nem te tornes cúmplice de pecados alheios. Conserva-te puro». Esta prevenção pretendia acautelar quanto à possibilidade de ordenar ministerialmente alguém de forma indevida.

Mas não poderá esta mesma advertência ser útil para com algumas ‘quase-vulgarizações’ da imposição das mãos, em círculos onde este modo de proceder se tem vindo a tornar mais habitual? Será tolerável que, por tudo ou quase nada, se recorra à imposição das mãos como acontece em certos grupos eclesiais? Haverá condicionamentos relevantes à imposição das mãos? Terá esta o mesmo valor feita por um eclesiástico ou por um leigo/a, mesmo que dotado, reconhecidamente, de dons e de carismas? Haverá riscos e/ou perigos que devam ser atalhados antes que tenham de ser corrigidos?

De forma sucinta vamos tentar aflorar esta redescoberta de oração, pela imposição das mãos, nos tempos mais recentes, na Igreja católica. Com efeito, pelo acontecimento do novo Pentecostes, que temos estado a viver desde 1967 – data do ‘surgimento’ do Renovamento Carismático na Igreja católica – e como graça também do Concilio Vaticano II, tem – não gostaria de escrever num tempo verbal passado – vindo a crescer a consciencialização da presença, da ação e da condução do Espírito Santo… nas pessoas e nas comunidades, sendo estas renovadas pela conversão daquelas.

Terá de haver um suficiente bom senso – também dito de discernimento – por quem seja solicitado para que se possa impor as mãos, seja em modo de intercessão, seja em modelo de oração no ‘batismo no Espírito’, seja ainda em questões de âmbito espiritual ou mesmo em circunstâncias de índole comunitária e/ou de confiança em situações específicas.

Será sempre de avisada prudência que a imposição das mãos, em contexto católico e de Igreja, não se confunda com gestos nem palavras e tão pouco simulações pouco abonatórias da credibilidade do ato e até do equilíbrio dos diversos intervenientes… A confusão ou a mistura não será de Deus nem abençoada…

Uma breve sugestão, passível de ser critério sério, que haja sempre a presença da Palavra de Deus, pela leitura bíblica, de modo a que seja Deus a intervir e não os meros fatores humanos…a que podemos estar submetidos.

Rezemos uns pelos outros e confiemo-nos à oração mútua e comunitária…mesmo pela imposição das mãos,            

António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário