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quarta-feira, 26 de maio de 2021

Do linguajar às inconsequências

 Não basta saber o que foi dito, é preciso conhecer quem o disse. Não basta chamar ‘bandido’ (ou outro termo), é preciso reconhecer o sujeito e mesmo o predicado, dado que o complemento tanto pode ser direto como indireto…isto nas designações sintáticas de antanho…

Nota-se que certas forças têm um tratamento algo discricionário, ao menos por uma substancial parte da comunicação social, tendencialmente eivada de velhos tiques esquerdistas, senão mesmo de um substrato marxista ressabiado…sem atualização aos valores democráticos mínimos…isto é
, de aceitação da diferença dos outros…sufragados em eleições (ditas) em democracia.

Vamos a factos, com recurso à memória:

 1. Em consequência de umas declarações – diga-se infelizes – um deputado e, ao tempo, candidato presidencial, sobre altercações verificadas com a polícia, num bairro periférico e problemático da ‘margem sul’, em que apelidou de ‘bandidos’ uns tantos… foi condenado, por estes dias, a retratar-se publicamente, pedindo desculpa (escrita ou oral), ‘em razão das ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem’ da família atingida…senão o fizer, após um mês de trânsito em julgado terá de pagar uma diária de quinhentos euros…Saídos da lura (buraco esconso, ignoto e subtil) das redes sociais muitos aplaudiram a condenação… Umas certas debutantes da música consideraram isso uma ‘boa noticia’, pairando a sensação que era uma espécie de caso do mês ou até do ano.

Fique claro: ofender não tem tez nem assume glória, seja para com quem for! Discordar não pode rimar com ofender, ultrajar ou vilipendiar.  

 2. Respiguemos, por outro lado, momentos (nem sempre fáceis de encontrar em arquivo) com que membros de um tal partido e de uma deputada em concreto têm dito palavras que não têm consequências, atendendo ao alcance subjacente: os negócios da máfia portuguesa, os gestores de um certo banco estão colocados sob suspeita, os capitais ofuscam as posições e estas aglutinam ataques mais ou menos intensos, constantes e indisfarçáveis a qualquer hora e em todo o tempo. O ar moralista insofismável quase colide com as palavras agressivas, azedas e provocatórias…

Quando celebrações religiosas tiveram espaços de metros, na convenção do tal partido da moralidade, vimos pouco mais do que centímetros a separar os fregueses. Já terão todos, imunidade de grupo? Pelo ar jovial de boa parte ainda não atingiram a idade! As exceções não se publicitam aos de casa!

 3. Vivemos num país onde quem não for – declarada ou tacitamente – de ‘esquerda’ (ou das esquerdas) está, quase sempre, sob suspeita, terá de provar que lhe assiste o direito a ter opinião ou a poder exprimir-se pelo voto. Para isso contribui uma sagaz comunicação social entretecida com saudosismos, critérios ou valores – creio eu – já ultrapassados, pelo menos noutros países e culturas. Com que facilidade se criam epítetos para quem não alinha com a manada de um certo pensamento uniforme e formatado para uma pretensa maioria votante, mas não realmente social. Com efeito, se somarmos a percentagem dos que não votam em formações partidárias (ditas) de esquerda – talvez trinta por cento dos recenseados – com aqueles que não votam (abstenção) – uns sessenta por cento, se nos ativermos às últimas eleições…embora se possam descontar os casos de falecidos e afins – onde está força dessa esquerda (ou esquerdas), que pretende impor-se tão radicalmente?

O país poderá ter uma tendência cultural de esquerda, mas sociologicamente a questão é de outro teor bem distinto…mesmo que de forma mais silenciosa.

 4. Urge criar, informar e formar pessoas que tenham opinião e que pensem pela própria cabeça. Mesmo no quadro dos partidos políticos fundadores da democracia temos de saber encontrar quem sente o país como seu ou se, pelo contrário, faz dele um antro propicio a que outros nos explorem. Enquadrados no eixo atlântico-áfrica-sul américa precisamos de fazer da nossa língua um veio cultural sem pejo nem rebuço…

 

António Sílvio Couto

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