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segunda-feira, 17 de maio de 2021

Repórter-redator: da estenografia às vírgulas

 


Na recente celebração do ‘dia mundial das comunicações sociais’, o Papa Francisco, numa mensagem cheia de experiência de vida e acautelada pelo zelo de fazermos melhor, como que traçou as linhas de referência disso que, na feitura de um jornal ou de um noticiário radiofónico ou televisivo, poderá caraterizar as funções do repórter e do redator, tanto nas atividades desenvolvidas como no papel de relacionamento com o público – sujeito e/ou objeto – da comunicação.

Isto é tanto mais agravado com um episódio – certamente não será um facto recorrente – que envolveu um repórter sobre umas notas tiradas à velocidade de quem escuta… e que passaram desapercebidas na redação…Esquecidas terão ficado ainda vírgulas na redação de um texto legislativo, que, se tivessem sido incluídas, fariam toda a diferença para a interpretação do pretendido.

Lancemos os dados:

 1. Da mensagem do Papa: «Pensemos no grande tema da informação. Há já algum tempo que vozes atentas se queixam do risco dum nivelamento em «jornais fotocópia» ou em noticiários de televisão, rádio e websites que são substancialmente iguais, onde os géneros da entrevista e da reportagem perdem espaço e qualidade em troca duma informação pré-fabricada, «de palácio», autorreferencial, que cada vez menos consegue intercetar a verdade das coisas e a vida concreta das pessoas, e já não é capaz de individuar os fenómenos sociais mais graves nem as energias positivas que se libertam da base da sociedade. A crise editorial corre o risco de levar a uma informação construída nas redações, diante do computador, nos terminais das agências, nas redes sociais, sem nunca sair à rua, sem «gastar a sola dos sapatos», sem encontrar pessoas para procurar histórias ou verificar com os próprios olhos determinadas situações. Mas, se não nos abrimos ao encontro, permanecemos espectadores externos, apesar das inovações tecnológicas com a capacidade que têm de nos apresentar uma realidade engrandecida onde nos parece estar imersos. Todo o instrumento só é útil e válido, se nos impele a ir e ver coisas que de contrário não chegaríamos a saber, se coloca em rede conhecimentos que de contrário não circulariam, se consente encontro que de contrário não teriam lugar».

Bem observado, tanto mais que, quem anda na rua, vê, enquanto na redação se aveluda ou agrava, conforme até o interesse editorial… Talvez haja muita preguiça no meio da comunicação social, ‘trabalhando’ uns tantos por encomenda e outros usufruindo da repetição quase-acrítica…agora como no passado!  

 2. Em tempos não muito recuados a estenografia fazia parte da preparação de quem ia exercer a profissão de secretariado. A estenografia é uma técnica de escrita com abreviaturas, tendo a finalidade de ser tão rápida como se fala. Quem escreve tem de saber o código no qual se exprime, podendo não ser totalmente entendível por outrem.

Talvez tenha sido isso que aconteceu com uma ‘nota’ pretensamente racista de um jornalista de uma agência noticiosa nos apontamentos tomados sobre uma tal comissão parlamentar de revisão constitucional ao designar uma deputada segundo a coloração da sua tez… Não houve filtro da redação? Deixaram passar por distração ou propositadamente? Parece que o episodio veio mesmo a calhar para o partido da dita deputada, pois, dias antes, um secretário de estado tinha classificado de ‘estrume’ a comunicação de um outro órgão de informação… Por sinal ambos os atingidos de comunicação – agência e televisão – são do mesmo dono…o Estado, servidores, sobretudo, do governo!

 3. A questão da vírgula tem permitido ultrapassar ‘obrigações’ a alguns governantes. O decreto-lei 52/2019 de 31 de julho refere-se ao regime do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos. A questão da vírgula ou não, prende-se com a declaração quanto às contas à ordem… Mais uma subtileza da nossa legislação, propícia a recorrer a gabinetes de advocacia e entretendo-se com minudências, enquanto o povo paga a fatura de não ser habilidoso em matéria judicial.

Honestidade, precisa-se!     

 

António Sílvio Couto

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