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segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Sessão de foto-de-artifício…gravada


Eis que se escutam estrondos à maneira de foguetes. No ar não se via nada, mas de um grande camião eram emitidos sons a imitar o ribombar de foguetório…como noutros anos. Isto aconteceu no cais da Moita do Ribatejo, por ocasião da procissão-automóvel alusiva a Nossa Senhora da Boa Viagem…por estes dias.

O facto nunca me pareceu plausível, tenho dificuldade em compreender o seu recurso e, sobretudo, qual o significado do culto aos foguetes nesta parcela do povo a sul do Tejo. Com efeito, parece que se pode dispensar muita outra coisa – corridas e largadas de toiros, espetáculos musicais, arranjos florais, lugares de diversão, eventos sociais e culturais – mas este adereço dos foguetes continua como se fosse uma espécie de fetiche social, suficientemente enraizado num tecido mais profundo do que noutros locais.

Efetivamente foram vários minutos a escutar aquela cena, onde nem faltaram fumos à mistura, numa montagem que se queria cuidada para que o espetáculo tivesse os ingredientes o mais parecido com a realidade de ocasiões anteriores.

É digno de registo que a proibição de lançar foguetes decorria do estado de alerta vermelho para fogos florestais e que abrangia a região…tal como boa parte do país!

 

= Não pretendo questionar o que cada pessoa considera essencial para si e que pode não o ser para outros. Não consigo penetrar neste mistério de culto aos foguetes, naquilo que podem ter/manifestar de artístico ou de festivo. Não atinjo o alcance mais profundo de quase fazer depender as ‘festas’ da manifestação com foguetes e o barulho que lhe está adstrito. Não alcanço a subtileza da presença inquestionável dos foguetes para que haja festa…

Estas minhas dúvidas possivelmente não terão explicação. Mesmo assim deixo-as na minha ignorância para que possa questionar tantas coisas que posso dar por adquiridas, mas que outros razoavelmente podem colocar em causa. Com efeito, muitas das nossas ‘certezas’ podem não passar de dúvidas para outros e muitas das nossas questões não o são para outros/as.

Se bem que me tenha feito confusão o modo como foi torneada a dificuldade em que houvesse foguetes no lugar do costume e na forma considerada mais adequada, isso obriga-me a colocar no lugar do outro que pensa de forma diferente de mim e que age do modo que considera mais em conformidade com a sua visão ou segundo os seus propósitos mais subtis.

O pior que nos podia acontecer é que se atuasse ao sabor da onda – agora dita de populismo – ou sem nexo de valores. Isso seria termos pessoas que andariam à deriva, esbracejando contra o vento (de forma quixotesca) ou inventando opositores para terem com que se entreter. Infelizmente temos mais atores do que seria desejável neste episódio do palco da vida. Sem nos darmos conta cresce este setor mais abjeto, onde os que pensam de forma diferente se tornam inimigos e quem não alinha com quem manda com facilidade será relegado para espaços de pouca relevância, senão perseguidos…mesmo que tenham (ou tivessem) mais méritos do que aqueles que agora chefiam…

 

= Deixo mais uma vez esta estória: Certo pai convidou o filho de tenra idade para um passeio pelo campo logo pela manhã. O objetivo era escutar os pássaros, educando o petiz para a escuta, ajudando-o a diferenciar os vários cantos e até os ruídos envolventes.

Já tinham passado alguns minutos e ambos tinham apreciado as cores matinais bem como os sons da passarada, quando o pai disse ao filho:

- Ouves algum barulho diferente do canto dos pássaros?

Ao que a criança respondeu:

- Sim. Parece-me ouvir o barulho de uma carroça a descer aquele caminho além.

- É isso. E sabes que a carroça está vazia!

- Como sabe que aquela carroça está vazia?

- É que as carroças vazias fazem mais barulho do que as que estão cheias!

Porquê, então, tanto barulho?   

 

António Sílvio Couto

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