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segunda-feira, 7 de setembro de 2020

De focinheira armada


Contaram-lhe por estes dias. Alguém ia entrar numa área de serviço e ter-se-á esquecido de colocar a máscara, ao que o vigilante recomendou: ‘alembre-se de colocar a focinheira’… isto em sotaque alentejano, que foi onde o caso se passou, tem outro sabor e até a sua graça.
De facto, este novo e imprescindível adereço da nossa vida coletiva, a máscara, tem aqui uma boa significação: resguarda e defende, evita e cria (possível) segurança, põe de sobreaviso e, possivelmente, torna-nos mais atentos uns aos outros…
Na designação descritiva de ‘focinheira’ vemos que é um acessório que visa impedir que um animal, geralmente um cão de grande poste, morda alguma pessoa ou outro animal enquanto é tratado, treinado ou quando realiza algum passeio em lugar público.
Não é isto mesmo que a máscara nos faz fazer esta figura? Não terá sido fácil colocar o tal açaime (focinheira) no animal potencialmente agressivo, como também não tem sido de boa vontade que colocamos a máscara, aquando do contacto com os outros.
Agora que nos taparam a boca e condicionaram o nariz, torna-se necessário aprender a viver neste novo normal, pois já se verificam alguns defeitos no trato social. Julgando que os outros ouvem menos bem – talvez se considerem a bitola na audição – há pessoas que falam ainda mais alto do que anteriormente, dando a entender que a máscara atrofia o ouvido, enquanto resguarda a boca. Escusando a maquilhagem vemos surgirem as mais bizarras mascarilhas, numa tentativa de disfarçar alguma da vaidade contida em muitos rostos nem sempre adequadamente pintalgados. Dizem com sarcasmo que a máscara favoreceu certas caras, pois no encobrimento se dilui o que tantos/as pagam de tributo â pouca-beleza.
 
= Atendendo à palavra que usamos no título deste texto – ‘focinheira’ – podemos encontrar, sem grande necessidade de procura, alguns exemplos do trabalho de fuçar com ou sem o artefacto colocado. Com efeito, anda por aí muita gente a fuçar em busca de mais subsídios a conceder à população, mas sem ver se tais propostas são capazes de passar do papel ou do discurso ilíquido sem conteúdo. Depois do ‘RSI’ – rendimento social de reinserção – pode vir a ser acrescentado ou substituído pelo ‘rendimento social de cidadania’ (bloquistas), sugerindo outros o aumento inusitado (embora queiram que seja o correto para uma maioria de não-privados) do salário mínimo e ainda a sugestão de um ‘rendimento básico de emergência’ (pelos seguidores/adeptos dos animais)…numa ansia de querer trazer para a vida política questões tentaculares do espaço partidário. Para já parece que vão fuçando onde se pode encontrar algo que alimente tais pretensões, mas em breve se verá que não passam de miragens, pois a distribuição pode ser benéfica, mas sem a criação efetiva de riqueza não seremos capazes de fugir a novos resgates e a golpes de garote dos (ditos) capitalistas…
 
= É isso: estamos de focinheira armada, não se sabendo para não mordermos ou para não sermos mordidos. De um dos lados estaremos nem que seja a contragosto. Agora que ainda palitamos os dentes das sobras procedentes da União Europeia, preparemo-nos para os sacrifícios que se advinham atrozes e por mais tempo do que no passado recente.
Temos de mudar de hábitos e até de fraseologia. Um exemplo bizarro. Após a celebração de um batizado, os participantes perfilaram-se para a foto geral. O fotógrafo de serviço, usando a linguagem de há uns meses atrás, salientou: ponham um sorriso para a fotografia… mas como podiam fazê-lo, de modo que se visse, se estavam todos de máscara.
Basta de enganos: estamos todos de focinheira e não sabemos até quando durará a situação. Digam-nos a verdade, senhores governantes. Não se escondam nem façam propostas a pensar no ontem, mas atendendo, responsavelmente, ao amanhã… O hoje é curto e passa depressa! 
 
António Sílvio Couto

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