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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Poliedricidade (I) – uma visão diferente?


«Esta realidade [dos cenários culturais contemporâneos], tão heterogénea e mutável, tanto do ponto de vista sociocultural como religioso, precisa de ser lida de modo que seja percetível a sua poliedricidade e que cada aspeto mantenha a sua validade e peculiaridade mesmo na relação variada com a totalidade. Esta abordagem interpretativa permite que se leia os fenómenos de pontos de vista diferentes, mas colocando-os em relação entre si. É importante que a Igreja, que quer oferecer a beleza da fé a todos e a cada um, esteja consciente desta complexidade e amadureça um olhar mais profundo e sábio em relação à realidade. Uma condição destas obriga ainda mais a assumir a perspetiva sinodal como metodologia coerente com o percurso que a comunidade é chamada a realizar. É um caminho comum no qual confluem presenças e papéis diversos, de modo que a evangelização se realize de modo mais participado».

Lemos no n.º 321 do ‘Diretório para a catequese’, do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, promulgado em finais de junho deste ano.

Para melhor entendermos o alcance desta citação temos de inserir este número do ‘Diretório’ no contexto do documento. Está na terceira parte referente à ‘catequese nas igrejas particulares’, no capítulo décimo sobre ‘a catequese diante dos cenários culturais contemporâneos’, concretamente no ponto um: ‘catequese em situações de pluralismo e complexidade’. Com efeito, já na introdução geral ao ‘Diretório’ se caraterizava o dito capítulo décimo: «contextos geográficos diferentes, cenários de natureza religiosa, tendências culturais – mesmo se não são de interesse direto para a catequese eclesial – plasmam a fisionomia interior do homem nosso contemporâneo, ao serviço do qual a Igreja se coloca e, portanto, não podem deixar de ser objeto de discernimento em vista da proposta catequética» (n.º 9).

 

= Diante do texto citado no início e do seu significado mais abrangente, vamos tentar refletir sobre este termo/conceito – ‘poliedricidade’ – e qual o alcance teológico-pastoral que pode e deve ter na nossa vida pessoal e eclesial, que é muito mais do que social.

* Ler a realidade de forma interpretativa – ter-se-á que saber relacionar os vários aspetos, lendo os fenómenos da vida sob vários pontos de vista. As coisas, as pessoas e os acontecimentos podem ter várias leituras, à semelhança das múltiplas facetas do poliedro…relacionando tudo e com todos. Eis como certo dogmatismo da visão unívoca corre risco de ter superioridade sobre os demais. Vivemos agora numa ‘pluralidade cultural’, onde ninguém se pode considerar superior aos outros, mas parte deles e com eles.

 

* Estar em perspetiva sinodal – é ‘importante que a Igreja esteja consciente desta complexidade e amadureça um olhar mais profundo e sábio em relação à realidade’, propondo, vivendo e cultivando essa dinâmica de ‘caminho em comum’ – significado etimológico de ‘sínodo’ – onde todos dão o seu contributo, fazem as suas propostas e respeitam, respeitando, as vivências dos outros.

 

* Evangelização de modo participado – os diversos vetores (contextos urbano e rural, culturas locais tradicionais ou piedade popular) devem ter em conta o pluralismo religioso e cultural em que vivemos, sendo «a Igreja particular, e nela cada comunidade cristã ou grupo eclesial, o agente deste discernimento pastoral que visa formular a compreensão do querigma mais adequada às várias mentalidades, para que o processo da catequese esteja verdadeiramente inculturado nas múltiplas situações e o Evangelho ilumine a vida de todos» (n.º 325).

 

= É nesta dinâmica poliédrica que poderemos ler, entender e discernir que Igreja somos neste mundo em que estamos. Se já estivéssemos imbuídos deste espírito e comportamento de poliedricidade seria compreensível uma certa disputa, que alguns ‘católicos envergonhados com bispos’, têm a propósito da tal disciplina de ‘cidadania’ e que uns querem obrigatória e outros desejam opcional? Não andarão na mente de muita gente tiques de dogmatismo pretensamente civilizado – ‘civitas’ envolve consciência cívica e respeito mútuo – mas que se encobre de democrata a gosto? Mais humildade e verdade parece que seria aceitável e preferível!

 

António Sílvio Couto

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