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terça-feira, 9 de julho de 2024

Não poderemos estar sob escuta?

 

De há uns tempos a esta parte tem-se tornado recorrente ouvirmos falar de ‘escuta telefónicas’, na maior parte das vezes como sendo uma peça importante – o que não quer dizer essencial – em processos de justiça. Nalguns casos a noticiação de que foram feitas ‘escutas’ têm já anos ou décadas de realização, noutras situações serviram para fazer cair o governo ou motivar demissões de políticos, mas em quase todos os casos essas ‘escutas’ têm lançado suspeitas sobre as vítimas, tornando-as, com relativa facilidade, réus em complexas (apelidadas) investigações.

1. Em que condições podem ser feitas ‘escutas telefónicas’?
Segundo a Constituição da República Portuguesa, artigos 32.º, n.º 8 e 34.º, n.º 4 e ainda no Código de Processo Penal, artigos 127.º e 187.º e seguintes. As escutas só podem ser realizadas se se reunir um conjunto de condições bastante exigente (como não poderia deixar de ser, dada a natureza constitucional da inviolabilidade dos meios de comunicação privada). Assim, só se podem realizar escutas quando estiverem em causa certos crimes com um mínimo de gravidade. As escutas só são autorizadas se forem indispensáveis para descobrir a verdade ou se fosse impossível ou muito difícil obter prova de outro modo. A autorização tem de ser dada por despacho fundamentado do juiz de instrução, após requerimento do Ministério Público.
Diante desta legislação não se terá andado a subverter não só a Lei como o bom senso para conseguir encontrar meios de provas, nalguns casos de duvidosa utilidade? Pior é quando se prolonga este processo no tempo e no espaço...

2. Por que deixaram afundar a justiça?
Não deixou de parecer uma rábula mal amanhada essa iniciativa de um conjunto razoável de ex-políticos terem-se mobilizado para contestar o modo como se tem usado a justiça para ‘caçar’ políticos em (possíveis) infracções. Com efeito, muitos deles tiveram em mãos a possibilidade de fazerem leis claras, justas e úteis para todos, mesmo para eles. Não é sobretudo no Parlamento que são feitas as leis pelas quais se rege a justiça deste país? Por que demorou tanto tempo a consciencalizarem as lacunas, foi por falta de argúcia ou por negligência que alguns pormenores não foram atendidos? Certas movimentações em desfavor da justiça denotam que este poder está perigo pela ação – ou inação – da capacidade legislativa? Apesar do leque de deputados ter por maioria pessoas saídas do meio jurídico, terá justificação este descrédito de uns para com os outros?

3. Este assunto da normalização do setor da justiça não se compadece com lutas nem truques ideológicos. Urge, por isso, encontrar meios e forma de cada um fazer o seu trabalho sem ter de desconfiar ou de andar a esconder seja a quem for. Não adianta dizerem que vivemos numa democracia se a justiça não for justa, equitativa e acessível a todos. A incapacidade de resolver este assunto é o mias grave do tempo que vivemos, pois nada nem ninguém está livre de ser escutado, acusado ou mesmo privado da liberdade por um erro da justiça.

4. Algo de tenebroso tem vindo a emergir no tecido social que pode – numa visão e leitura extrema – colocar qualquer um de nós em má situação: a denúncia anónima. Vejamos teoricamente em que consiste a ‘denúncia anónima’ e como poderemos hipoteticamente ser atingidos por esse mecanismo sem rosto.
A comunicação ‘denúncia anónima’ consiste numa forma de fazer chegar às autoridades competentes informação sobre a preparação ou o cometimento de crimes cuja denúncia possa pôr em risco a segurança do cidadão que transmite a notícia ou a segurança de terceiros. Desse modo, para as situações que careçam de participação criminal do ofendido a ‘denúncia anónima’ não é uma queixa-crime. Caso pretenda apresentar uma queixa-crime poderá fazê-lo em qualquer serviço de polícia ou do Ministério Público, ou em alternativa através da página eletrónica da Polícia Judiciária para o efeito, mediante a utilização da funcionalidade ‘queixa eletrónica’.
Deste processo poderá decorrer tanta coisa, que, por ser séria, não nos pode eximir de estarmos sob suspeita...sempre.



António Sílvio Couto

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