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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

Parvoíce vence, reina e desespera

 

Deu-me a volta à capacidade de saber entender as coisas, de perceber o significado das pessoas e de interpretar o sentido das massas o pouco que vi e de relance de um tal programa intitulado ‘isto é gozar com quem trabalha’. Dito com sendo o último deste ano, decorreu no Fundão e as verbas auferidas revertiam para os bombeiros locais. O ‘centro de negócios’ estava cheio, com bilhetes entre três e dez euros.

1. Do comediante-apresentador parece que já lhe conhecemos o estilo, mangando com tudo e com todos, como se fosse a última bolacha do pacote do humorismo nacional. Como não podia deixar de ser esforçou-se por impingir umas piadas sobre temas lisboetas - o caso das gémeas brasileiras e afins, a construção plausível de um novo aeroporto, certas obras na capital e alfinetadas aos políticos. O humorista de serviço tentou justificar o programa em direto com centenas de pessoas numa espécie de delírio coletivo não justificado, a não ser por terem uns momentos de visibilidade televisiva como figurantes que tiveram de pagar a participação... Aqueles beirões das fraldas da Serra da Estrela aplaudiam, rindo de forma um tanto desabriada e quase desconcertante. Sabe-se lá por quê?

2. Mais do que olhar para as tiradas insonsas do humorista ficou-me essa espécie de parvoíce generalizada daquele público. Não entendi as reações daquela gente: riam por tudo ou quase nada, aplaudiam comentários nalguns casos sem nexo e onde as matérias seriam mais graves do que brejeiras para servirem de pasto para o jocoso. Ao ver a diversidade de pessoas naquele espetro de público perpassou-me pela mente que já batemos mesmo no fundo. Aliás, o humorista começou o dito programa por fazer trocadilho com ‘fundão’ e o estado do país a caminho do fundo.

3. Perante este programa nota-se com alguma clareza o roçar da falência na criatividade do humor no nosso país. Como se não bastasse a falta de matéria para continuar a ganhar a vida a mofar com os outros, ainda temos de ser confrontados com públicos que, de forma acrítica, aplaudem tudo e o resto do que saia da boca de quem tem fama, mas dá a impressão que se lhe fechou o sentido da oportunidade... Talvez tenha de mudar de ramo!

4. Inquietou-me seriamente observar um certo contentamento das pessoas que assistiam numa espécie de festa pré-natalícia à la carte, isto é, um acontecimento que levou à cidade figuras da televisão e colocou na pantalha figurinhas esquecidas no recôndito do interior. Efetivamente estamos muito mal de massa crítica no nosso país. A manipulação é nitidamente o melhor retrato daquilo que nos tem sido impingido: vinga quem não pensa e faz da anedótico algo que serve para entreter os incautos. O sucesso de certos programas televisivos - com as telenovelas a arrastarem-se meses a fio sem nexo nem conteúdo - que ainda ocupam as pessoas, continuam a tratá-las como desprovidas de capacidade crítica...

5. Ignorância a quanto obrigas. Portugal merece mais e melhor, tanto no litoral como no interior, ao norte como no sul, no continente e nas ilhas...



António Sílvio Couto

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