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quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

A última bolacha do pacote...

 

Ouvi, por estes dias, a expressão: sente-se a última bolacha do pacote... Tentei esclarecer-me sobre o conteúdo desta pequena frase e descobri aspetos interessantes para a conduta pessoal e para o relacionamento com os outros, tanto em aspetos positivos como em referências (possivelmente) negativas.

1. Tentando uma explicação descritiva da frase - a última bolacha do pacote. Desde logo entendendo que assim se considera ou quem tal deseja que o/a tenham nessa conta, significando: sentir-se o máximo, o maior dos maiores, ser o centro das atenções, como supra-sumo, numa espécie de insubstituível, a quem todos (que, afinal, poderão ser muito poucos) colocam nos píncaros, pretendendo ter a última (e derradeira) palavra...

2. Quem vive desta forma como ‘a última bolacha do pacote’ será uma pessoa equilibrada ou sofrerá de algum defeito menos claro? Como conviver com pessoas que possam ter este síndrome de ‘última bolacha do pacote’? Serão pessoas - ou seremos pessoas - de fácil trato ou que apresentam complexos de difícil gestão? Não haverá - mais do que se pensa - pessoas que se comportam e que constroem a sua vida à luz dessa incapacidade de insubstituição e/ou de gestão da diferença? Certos conflitos - tácitos ou explícitos - no relacionamento das pessoas de umas com as outras terá explicação nesta frase aparentemente simples, mas algo complexa? Não haverá quem use de prepotência sob a forma de ter a última palavra, quando não aprendeu sequer a gaguejar o mínimo para comunicar com os outros, correta e dignamente?

3. É difícil ser equilibrado no processo de auto-conhecimento e no relacionamento com os outros, que são mais do que ‘lobos uns dos outros’, como nos disseram certos autores. A visão equilibrada de si mesmo e dos outros devem fazer-nos conhecer a nós mesmos e reconhecermos as qualidades e os defeitos pessoais, as qualidades e dons dos outros, assim como as virtudes e os pecados pessoais e alheios. Estamos num tempo em que não é fácil lidar com a verdade, que é mais do que um conceito ético, mas deve ser critério de valor para nos aceitarmos e para vivermos no trato com os outros, desde os que pensamos conhecer até aos desconhecidos e ocasionais nos meandros da vida.

4. «Assim, em virtude da graça que me foi dada, digo a todos e a cada um de vós que não se sinta acima do que deve sentir-se; mas sinta-se preocupado em ser sensato, de acordo com a medida de fé que Deus distribuiu a cada um» (Rm 12,3). Esta recomendação de São Paulo é, além, de útil, um incisivo critério de vida, na medida em que ninguém é tão bom como se julga nem tão insignificante como se possa considerar. Neste caleidoscópio da vida, urge cultivar mais o bem senso do que exibir petulâncias egoístas e que viram facilmente rejeição. De muitas e variadas formas podemos e devemos atender às nossas mazelas, vendo e discernindo aquilo que os outros nos permitem auto-julgar.

5. Usando a interpretação da ‘última bolacha do pacote’, não a deixemos perder o sabor nem que se esfarele por já não ser apreciada convenientemente.



António Sílvio Couto

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