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sexta-feira, 27 de maio de 2022

Palavras proscritas… na AR

 


Considerada por muito como a ‘casa da democracia’, a Assembleia da República ou o Parlamento português tem vindo a tornar-se um espaço onde, uns tantos contra outros mais, vão fichando palavras que não devem ser proferidas naquele hemiciclo. Para já conhecem-se na lista: vergonha e hipócrita, mas outras surgindo, bastando que sejam proferidas por um determinado setor politico-ideológico.

Quase cinco décadas após a revolução que quis instalar a liberdade no país vemos que nem tudo foi nessa linha e que alguns se acham donos da democracia, senão de direito ao menos de facto.

 1. A quem interessa criar estas linhas de quase ditadura intelectual? Ainda não aprendemos que o combate não pode ser fulanizado, mas deve fazer-se no campo das ideias? Não soam a decadência ética e a vazio argumentativo certos tiques do nosso sistema partidário? Até onde irá a capacidade de sabermos que todos estão interessados em dignificar esse lugar onde se fazem as leis e em que o legislador se inclui no seu cumprimento? Não parece que uma tal ‘casta’ superior se pavoneia naquela que devia ser a casa da igualdade? Ideologicamente já percebemos que ‘democrata’ não é só o da minha coloração? Embora nos consideremos com alguma cultura na diferença, falta muita diferença na cultura democrática, a sério!

 2. Conta-se de certas figuras da ‘primeira república’ – onde discussões idênticas a estas proliferavam e se chegava a vias-de-facto com naturalidade – que, um desses eminentes tribunos se terá voltado para o seu contendor, dizendo: não sabemos o que o senhor pensa, pois, ora dá uma no cravo e outra na ferradura; ao que o outro ripostou: pois, o senhor não está quieto com o pé!

Desse tempo temos memória de que algo correu mal e foi preciso pôr ordem na casa, isto é, no país, com todas as consequências daí advindas. Talvez hoje não haja nem capacidade e tão pouco intérpretes para fazer o que devia ser feito!

 3. Vejamos, em detalhe, as palavras para já proscritas: vergonha e hipócrita.

* Vergonha (12 de dezembro de 2019)
O debate era sobre amianto nas escolas. O deputado único do Chega comentava um projeto de resolução socialista e utilizou a expressão "é uma vergonha" sobre o Governo e o PS. Ferro Rodrigues (presidente da AR) ripostou:  "O senhor deputado utiliza a palavra vergonha e vergonhoso com demasiada facilidade, o que ofende muitas vezes todo o parlamento e ofende-o a si também".
Depois de aquele deputado ter abandonado o parlamento, uma deputada do BE voltou ao tema e disse: "É uma vergonha que o Movimento [Escolas sem Amianto] tenha de se substituir ao governo na divulgação e na publicidade destas escolas e é uma irresponsabilidade porque é a falta de transparência sobre esta lista que cria o alarmismo nas comunidades escolares".  Aqui não houve repreensão do presidente da AR... dizem as crónicas da época.

* Hipócrita (25 de maio de 2022)
Estava-se na discussão na especialidade do OE/2022 e um deputado também do Chega personalizou as acusações, apontando o caso de um membro do governo em funções sobre a discrepância entre o que defende para a saúde pública e a prática desse mesmo governante em atos médicos, dizendo o tal deputado: “Os socialistas caviar são uns hipócritas. Querem hospitais de luxo para eles”... Apenso a esta tensão o grupo parlamentar socialista fez distribuir por todos os parlamentares uma folha com a definição de hipócrita no dicionário.
No dia seguinte (26 de maio) novo conflito: mais um deputado do Chega classificou de ‘hipócrita’ a deputada única do PAN naquilo que era uma discussão sobre a redução dos impostos quanto aos atos tauromáquicos...

 4. Feita esta descrição, tenho vergonha de tanta hipocrisia. Ou será que a hipocrisia já não envergonha?

 

António Sílvio Couto

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