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terça-feira, 10 de maio de 2022

Lições interpelativas de uns passarinhos


Estava resguardado do calor intenso, na tarde do último domingo e no contexto de um funeral, quando, no espaço em que me encontrava, vi esvoaçar dois pequenos pássaros. Pelos movimentos se percebi que eles tentavam salvaguardar algo… de que me dei conta passados alguns minutos: tinham um ninho por perto, dando a entender que não queriam que se soubesse a sua localização, tentavam defender os filhotes, que, de relance, se via, precisarem de alimento…

Esta breve observação deixou-me a pensar não só quanto ao comportamento defensivo e atento das aves progenitoras, como fazendo uma analogia com as atitudes dos humanos, naqueles gestos avícolas…

1. Defender, velando: o corrupio constante era a tentativa de não deixar perceber onde estavam as aves mais pequenas. Mesmo que tendo algo a levar-lhes em alimento, como foi complicado perscrutar onde era o ninho, bem defendido e dissimulado atrás de um contraforte de uma janela.

Por contraste vi – na minha reflexão – a facilidade com que muitos pais humanos – que nada parecem ser educadores – deixam que a morada de seus filhos seja devassada e quase-exposta ao assalto de tudo e de todos. Falta, efetivamente, algum do zelo daqueles passaritos encarnado na vida de muitos humanos, que mais parecem desistir dos filhos do que fazerem a aposta preferencial no seu processo de educação.

2. Velar, cuidando: os pios aflitivos e os voos quase-lancinantes dos dois pássaros (pequeninos no tamanho, mas grandes nas atitudes) progenitores deixavam a entender que o perigo rondava os mais novos. Confesso que me cativou a argúcia daqueles passarinhos no modo como cuidavam os filhos, não só dando-lhes de comer como ainda conferindo-lhes segurança e cuidado atento, simples e sereno.

Por breves instantes desliguei daquele contexto e pus-me a pensar nalgum desleixo com que certos pais tratam os filhos, apesar de lhes fornecerem coisas e artefactos materiais, não lhes conferem algo de essencial: a dedicação, o cuidado e a atenção de quem dá carinho sem apego, ministra confiança sem protecionismo e, sobretudo, dá amor sem lamechice barata ou em saldos.

3. A vida que acolhemos – diante daqueles pequenos pássaros pude compreender um tanto melhor o tema da ‘semana da vida’, que decorre por estes dias (de 8 a 15 de maio), perscrutando as intenções de que a vida é algo mais do que um mero existir, mas exige-nos que a acolhamos com sentido de pertença e, sobretudo, com vontade de serviço ao dom da mesma vida. Esta ‘semana da vida’ foca-se em três temas: “o aborto, uma realidade oculta dos noticiários e que se estima represente cerca de 15.000 abortos por ano”; “a eutanásia, tema central face à atual realidade política nacional” e a “guerra na Europa, com todas as mortes e refugiados que provoca, este tema sim, em todos os noticiários diários”.

Parece-me que a cena supra reportada dos passarinhos choca com a leviandade com que tantos dos nossos contemporâneos até olha para estas três questões humanas, sociais, senão mesmo, culturais. Sobre o ‘aborto’ dá a impressão que matar se tornou algo vulgar e inofensivo…porque legalizado ou ao menos despenalizado. Quanto à ‘eutanásia’ é uma questão nitidamente ideológica de fait-divers, pois, quando as coisas começam a correr mal, está à mão um tema para unir as esquerdas… antes como depois. Sobre a ‘guerra’ ainda é assunto longínquo, embora se situe a cinco mil quilómetros de distância…alguns começam a ficar enfastiados com as notícias e varrem para debaixo do tapete o que incomoda.

4. Para uma visão de família – a lição mais simples que pude colher da cena dos passarinhos em proteção do ninho e em defesa dos seus gerados foi a da família, quantas vezes atacada – inexplicavelmente agora defendida pelos políticos, mesmo pelos que aprovaram o aborto e/ou defendem a eutanásia – com subtis medidas de desacreditação ou de menor boa reputação social e cultural.

Um destes dias dizia-me alguém que trata destes assuntos que envolvem pessoas da família: qual a diferença entre uns pais menos atentos aos filhos com aqueles que os colocam os seus em colégios de manhã à noite? Não será tudo negligência? As ‘comissões’ (ditas) de proteção não serão antes postos de emprego caro?



António Sílvio Couto

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