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segunda-feira, 16 de maio de 2022

Humor: cair em graça e/ou ser engraçado?

 


Indiscutivelmente o humor é uma arte e exercê-la não é para quem quer, mas para quem sabe...dado que é muito mais do que jeito, habilidade ou aceitação popular. De vez em quando surgem razoáveis humoristas: uns com talento, outros bem promovidos e outros ainda com subtil catapultação (sabe lá de quem, mas com suficiente auréola que faz desconfiar)... O humor – tenha a expressão visível, cultural ou social que tiver – é preciso. No entanto, nem tudo o que faz rir é humor, antes poderá ser rumor de outras questões e intenções...

 1. Como podemos entender – hoje como no passado – o humor? Será que riso e humor se podem identificar ou como se distinguem? Podemos considerar que Deus tem humor? Qual o significado da frase: ‘a rir se corrigem os costumes’ (ridendo castigat mores)? Porque será que o ser humano é o único que ri e não será o único que faz rir? Como interpretar a expressão: rideo te, rideo tibi (rio-me de ti, rio-me para ti)? Como conciliar o cómico com o sério, sem este se tornar sisudo? Será um dom fazer rir, sem deixar descambar a questão para o vulgar, anedótico ou burlesco? Ainda tem sentido a frase – ‘um santo triste, é um triste santo’? Poderemos considerar que há algo de frívolo no humor e até no riso? Não serão estes, pelo contrário, uma arte que nem todos conhecem nem são capazes de entender?

Estas questões – e tantas outras – não resumem nem aglutinam questionamentos sobre o humor. Tentarei abordar algumas, deixando a quem ler, sugestões para procurar as suas respostas...

 2. O humor pode entender-se como a disposição de ânimo de uma pessoa em relação a alguma coisa ou a algum momento; estado de espírito, temperamento... veia cómica, ironia delicada e alegre, ditos e gestos engraçados e espirituosos...

A forma de exprimir o bom humor pode ser variada e variável, talvez mais em função de com quem se está do que de quem tenta manifestar esse (bom) humor. Quem não conhece a distinção entre o palhaço triste (por dentro) que tenta fazer rir (os outros), mesmo na sua íntima tristeza?

Na abertura do seu livro, de 1968, o teólogo Joseph Ratzinger, no excelente livro ‘Introdução ao cristianismo’, deixou uma estória digna de nos fazer refletir.

Certo dia houve um incêndio num circo ambulante. Quando o diretor se apercebeu de que algo estava a arder, chamou o palhaço – era o único que já se encontrava vestido e maquilhado a preceito – para que fosse à vila mais próxima, à procura de ajuda, avisando a população de que havia um incêndio no circo e que, se não viessem ajudar, todos corriam perigo.

Ao verem o palhaço neste estado os habitantes acharam que desta vez o circo se tinha esmerado em inventar uma forma de chamar gente para o seu espetáculo.

Mas quanto mais o palhaço apelava para que fossem acudir ao incêndio mais a população se ria, pois o palhaço chorava para que todos fossem ajudar e eles consideravam que aquilo fazia parte da propaganda.

Todos se riam, mas o palhaço sentia ainda mais vontade de chorar, procurando convencer todos de que o assunto era mesmo sério: havia, de facto, um incêndio.

Mas o seu desempenho ainda deixava a população mais a rir... Ora, o fogo atingiu a vila. Já era tarde... E o fogo consumiu o circo e a vila.

Não andaremos compungidos demais a querer apelar a uma conversão demasiado séria e que já poucos levam a sério? Como poderemos aliviar a mensagem sem a vulgarizar nem nos ridicularizarmos?

 3. Depois de termos visto um comediante a ascender ao governo da Ucrânia, como reagiríamos se tal acontecesse em Portugal? Quem seria o eleito a assumir tal função? Teria estofo e a mínima qualidade?

Cheira a quase-insuficência inteletual que, alguns setores da Igreja católica, recorram a comediantes em maré de sucesso para irem ‘pregar’ a encontros eclesiásticos. Será que eles retribuiriam tal simpatia nos seus quadros e iniciativas. Fareja-se algo de indisfarçável incompreensão que certas comediantes usem o espaço de atividade ‘católica’ para se promoverem e lançarem as suas atoardas desconexas e ridicularizantes... 

 

António Silvio Couto

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