De forma recorrente emerge na discussão pública algo
relativo a António de Oliveira Salazar. Falecido em 1970, ainda atormenta muita
gente. Por diversas vezes têm surgido iniciativas sobre a sua figura e ação
política. Mais um momento em que tal recurso está colocado e com vozes,
opiniões e posições a roçar o quase irracional.
Consta que pretendem construir um ‘museu
interpretativo do estado novo’, que será, certamente, bem mais do que
configurar tudo à volta de Oliveira Salazar, tanto no tempo como no espaço e,
sobretudo, no significado das coisas, das ideias e dos resultados.
É compreensível que uma franja perseguida,
aprisionada e combatida, pelo regime que se pode considerar de ‘2.ª república’,
tenha para com Salazar uma atitude quase obsessiva, dado o peso da memória
fantasmagórica que lhe está associada… por esses bem mais septuagenários do que
na idade. Alguns se algo valem – social e culturalmente – é por ainda viverem
nesse passado que não-volta-mais…
Circulam petições – uma contra a iniciativa e,
pasme-se, outra a favor – com razoáveis números de assinaturas de ambos os
lados. Desde logo isto pode significar que já não há tanto medo como, por
exemplo, em 2007, quando os opositores tentaram silenciar quem ousasse destoar
da onda…de estar contra.
= Apesar de tudo a figura de Salazar é alguém
incontornável na história do nosso país. Como todos e cada um teve qualidades e
defeitos. Como é habitual foi criando admiração e controvérsia. Soube recuperar
o país de uma fase muito complicada que foi a 1.ª república e na sua 2.ª etapa esta
foi passando por entre os pingos das dificuldades de muitos acontecimentos
mundiais, como guerras e conflitos económicos à mistura com convulsões
ideológicas na Europa e no mundo.
Olhando o percurso da história desde a década de
trinta até à década de sessenta do século passado, Portugal continuou fechado a
muito do que foram as inovações antes, durante e depois da segunda guerra
mundial. Isso atrasou-nos em muitos aspetos e não só no âmbito político. Fomos
– se é que ainda não somos, ao menos na mentalidade – um país ruralista, com
tiques de caciquismo acentuado, numa simbiose entre ignorância e de falta de
visão para o futuro… que ainda se repercute nos nossos dias.
= Soa, por isso, a saudosismo a acentuação do país
do fado, do futebol e de alguma religião tradicionalista. Ancorados em valores
de índole de conveniência temos andado ao sabor daquilo que cá chega,
normalmente, com duas décadas de atraso. Já muitos países estão a rever os
conceitos de natalidade e por cá defende-se o aborto como sistema de controlo
da natalidade. Já em muitos países se propõe um outro sistema de trabalho e de
sindicalismo e por cá vivemos aferrados a que os sindicatos continuem a ser
correias de transmissão dos partidos políticos. Noutras paragens a saúde é
tratada como assunto de prioridade e por cá investe-se na configuração da
estatização deste setor tão fundamental à (dita) qualidade de vida das
populações.
Dá a impressão que o fechamento, aludido à época de
Salazar, deixou muitos tentáculos semeados nas consciências de tantos que se
arvoram seus detratores, mas que conjugam, hoje melhor do que no antanho, as
ideias do regime que foi deposto há quase cinco décadas.
= Há um setor da vida coletiva que pouco mudou do
tempo de Salazar para agora: as autarquias. Em muitas delas vigora um regime –
contínuo, contumaz e contundente – sempre da mesma cor. Ora isso favorece o
clientelismo, o caciquismo e até a usurpação de funções, tão aduzida – e bem –
ao regime que caiu em 25 de abril. O problema, hoje, é que quem está no poder
ainda não se apercebeu dos erros, pois o distanciamento entre o que se faz e o
que devia se feito é muito reduzido. Daí vermos situações que deveriam
questionar a democraticidade de certos atos, de algumas funções e de outras
tantas confusões. Com alguma vulgaridade vemos os mesmos a circularem entre os
diversos postos de mando, seja qual for a incidência ou o âmbito de
intervenção. Será isto, democracia ou totalitarismo? Será isto, rotatividade ou
corrupção? Será isto, alternância ou falta de alternativas?
Quase cinquenta anos depois falta mesmo fazer a interpretação
do nosso ser português…a fundo!
António Sílvio Couto
Sem comentários:
Enviar um comentário