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quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Por que têm (tanto) medo de Salazar?


De forma recorrente emerge na discussão pública algo relativo a António de Oliveira Salazar. Falecido em 1970, ainda atormenta muita gente. Por diversas vezes têm surgido iniciativas sobre a sua figura e ação política. Mais um momento em que tal recurso está colocado e com vozes, opiniões e posições a roçar o quase irracional.

Consta que pretendem construir um ‘museu interpretativo do estado novo’, que será, certamente, bem mais do que configurar tudo à volta de Oliveira Salazar, tanto no tempo como no espaço e, sobretudo, no significado das coisas, das ideias e dos resultados.

É compreensível que uma franja perseguida, aprisionada e combatida, pelo regime que se pode considerar de ‘2.ª república’, tenha para com Salazar uma atitude quase obsessiva, dado o peso da memória fantasmagórica que lhe está associada… por esses bem mais septuagenários do que na idade. Alguns se algo valem – social e culturalmente – é por ainda viverem nesse passado que não-volta-mais…

Circulam petições – uma contra a iniciativa e, pasme-se, outra a favor – com razoáveis números de assinaturas de ambos os lados. Desde logo isto pode significar que já não há tanto medo como, por exemplo, em 2007, quando os opositores tentaram silenciar quem ousasse destoar da onda…de estar contra. 

= Apesar de tudo a figura de Salazar é alguém incontornável na história do nosso país. Como todos e cada um teve qualidades e defeitos. Como é habitual foi criando admiração e controvérsia. Soube recuperar o país de uma fase muito complicada que foi a 1.ª república e na sua 2.ª etapa esta foi passando por entre os pingos das dificuldades de muitos acontecimentos mundiais, como guerras e conflitos económicos à mistura com convulsões ideológicas na Europa e no mundo.

Olhando o percurso da história desde a década de trinta até à década de sessenta do século passado, Portugal continuou fechado a muito do que foram as inovações antes, durante e depois da segunda guerra mundial. Isso atrasou-nos em muitos aspetos e não só no âmbito político. Fomos – se é que ainda não somos, ao menos na mentalidade – um país ruralista, com tiques de caciquismo acentuado, numa simbiose entre ignorância e de falta de visão para o futuro… que ainda se repercute nos nossos dias. 

= Soa, por isso, a saudosismo a acentuação do país do fado, do futebol e de alguma religião tradicionalista. Ancorados em valores de índole de conveniência temos andado ao sabor daquilo que cá chega, normalmente, com duas décadas de atraso. Já muitos países estão a rever os conceitos de natalidade e por cá defende-se o aborto como sistema de controlo da natalidade. Já em muitos países se propõe um outro sistema de trabalho e de sindicalismo e por cá vivemos aferrados a que os sindicatos continuem a ser correias de transmissão dos partidos políticos. Noutras paragens a saúde é tratada como assunto de prioridade e por cá investe-se na configuração da estatização deste setor tão fundamental à (dita) qualidade de vida das populações.

Dá a impressão que o fechamento, aludido à época de Salazar, deixou muitos tentáculos semeados nas consciências de tantos que se arvoram seus detratores, mas que conjugam, hoje melhor do que no antanho, as ideias do regime que foi deposto há quase cinco décadas.  

= Há um setor da vida coletiva que pouco mudou do tempo de Salazar para agora: as autarquias. Em muitas delas vigora um regime – contínuo, contumaz e contundente – sempre da mesma cor. Ora isso favorece o clientelismo, o caciquismo e até a usurpação de funções, tão aduzida – e bem – ao regime que caiu em 25 de abril. O problema, hoje, é que quem está no poder ainda não se apercebeu dos erros, pois o distanciamento entre o que se faz e o que devia se feito é muito reduzido. Daí vermos situações que deveriam questionar a democraticidade de certos atos, de algumas funções e de outras tantas confusões. Com alguma vulgaridade vemos os mesmos a circularem entre os diversos postos de mando, seja qual for a incidência ou o âmbito de intervenção. Será isto, democracia ou totalitarismo? Será isto, rotatividade ou corrupção? Será isto, alternância ou falta de alternativas?

Quase cinquenta anos depois falta mesmo fazer a interpretação do nosso ser português…a fundo!

 

António Sílvio Couto

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