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quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Homenagens na saída, não, obrigado!


Quando alguém está prestes a terminar um determinado trabalho, que exerceu durante algum tempo com maior ou menor eficiência, podem gerar-se movimentações para que possa haver alguma ‘homenagem’ antes da sua saída. Deste modo como que se pretende dar a entender, a quem sai, algo que possa ter a ver com o reconhecimento pelo que foi feito.

Poderia haver muitos campos de intervenção para analisarmos este tema da homenagem à saída de alguém de um trabalho/tarefa/função feito, mas cingiremos a nossa observação sobre o setor eclesiástico, que nem sempre significa especialmente eclesial, mas antes reduzido a algum afunilamento para com os padres…em maré de mudança de serviço, de paróquia ou de espaço de presença pastoral mais visível.

Talvez iniciativas desta natureza da homenagem pretendam mais camuflar do que reconhecer qualquer trabalho realizado, pois, na hora da despedida podem-se cometer exageros e muitos deles parecerão ainda desculpa para algum descompromisso recauchutado de pseudo-arrependimento.

Efetivamente custa muito ver enquadrado no caixilho da homenagem aquilo que deveria ser o contentamento do dever cumprido, esse que faz de nós cidadãos/ministros que servem os outros e que não necessitam de certas adulações para continuarem a dedicar-se àquilo que é a razão de ser disso que se pretende ser, de verdade. 

= Nunca aceitei qualquer festa ou festinha por ocasião da cessação de algum serviço e, se tolero que possam promover no começo, é porque não está nas minhas capacidades diretas, evitá-lo. Com efeito, a nossa capacidade de servir deveria estar mais acertada com essa norma do Evangelho: ‘quando tiverdes cumprido tudo o que vos mandarem fazer, dizei – somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer’. É nesta frase provocadora das conveniências com que vemos ou podemos ser vistos que deveríamos ancorar o nosso comportamento, não permitindo – direta ou indiretamente – que sejam feitas homenagens e tão pouco dadas ou recebidas comendas, condecorações ou promoções…por mais aplaudidas ou desejadas que forem.

Em certas circunstâncias encaixa com simbolismo redobrado a frase latina –‘asinus asinum fricat’ – de tradução: ’um burro coça outro’, numa interpretação de que ‘quem não presta, elogia quem lhe faz o mesmo’. Ora, certos momentos de homenagem ou propostas de reconhecimento de tarefas quase poderiam ser enquadrados nesta simbologia, pois alguém fará o mesmo para com quem lho fez antecipadamente… e andaríamos à volta ou à procura de idênticos argumentos para voltarmos ao princípio. 

= A melhor homenagem ou reconhecimento – no caso de trabalhos que envolvam a presença de outros – é esse da participação, quando se é chamado ou se deve prontificar para fazer parte da solução e não poder continuar a ser fator de problema pelo desinteresse ou a recusa em participar. Em quantos dos momentos da vida de uma paróquia, de uma associação ou de um grupo organizado se pode e deve fazer parte e não ficar a assistir para ver quando falha, periga ou colapsa. Quantas oportunidades são desperdiçadas para construirmos em comum, sem reclamar protagonismo, com esses que temos e não com os desejáveis que nunca chegam ou se interessam. Em quantas das etapas poderíamos usufruir dos dons e qualidades de cada um em vez de nos atermos a viver da crítica, da maledicência e até da má-fé. Enquanto as nossas paróquias, grupos ou associações forem espaços não de comunhão, mas de competição, estaremos a perder o tempo…na programação de festas e de homenagens que soam a oco, porque falsas e falseadoras daquilo que somos e do que devíamos ser todos…cristãmente.  

Urge, por isso, purificar com critérios do Evangelho tantos dos nossos comportamentos eivados de sinais mundanos e fabricados à semelhança de outros interesses que não os do serviço desinteressado, fraterno e solidário.

Com todo o gosto preferiria dizer ter recusado uma condecoração/comenda do que ostentá-la por mais simbólica que fosse… Custa muito ser cristão de vida!        


 
António Sílvio Couto

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