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sexta-feira, 29 de março de 2019

Ceia-de-natal…em maré-de-páscoa (elegia para um certo nepotismo à portuguesa)


E, se repente, se começassem a escarafunchar as relações familiares entre os membros do governo? Os tentáculos de sangue e os laços sociais de parentesco são muitos, diversos e quase impressionantes…

Mas será tudo isto (e o resto) novidade? Bastará consultar o organigrama da maioria das autarquias – grandes ou pequenas, seja qual for o partido reinante ou tenha o tempo de governança que tiver – para percebermos esta tendência a roçar o nepotismo elevado à potência mais sobrenatural!

Não será para atingir um lugarzito de razoável emprego que muitos (velhos ou novos) se inscrevem nos partidos políticos…que podem aceder ao poder com maior ou menor dificuldade? Não será para proteger os seus que alguns se sacrificam em estarem na vida da política pública? Não será para conquistar protagonismo que uns tantos passam pelo tirocínio de colar cartazes, de figurar em comícios e até serem fiéis ao chefe, seja o geral, o particular ou mesmo o disfarçado de amigo/companheiro/camarada?

É diante deste puzzle de cumplicidades que foram à procura de nomes comuns no atual governo. Assim encontraram muitos apelidos iguais em funções variadas, não disfarçando que um grupo familiar – há quem lhe chame como se fosse ‘uma ceia de natal’ – fiel ao chefe tem tudo e todos na mão, isto é, na obediência às orientações congeminadas, nos antros da reunião de parceiros do mesmo bolo. Costa, Vieira, Marques, Santos, Cabrita, Martins, etc… são apelidos que percorrem vários nomes, num crescendo nas várias remodelações – uma em 2016, quatro em 2017, duas em 2018 e uma em 2019 – fazendo inclusão de mais e mais afetos à mesma linha de rumo e aos vínculos familiares entre si… Por isso, poder-se-á considerar que, atendendo à época pré-pascal, vão sobrevivendo aos conluios em maré-de-páscoa, que, se bem souberem as passagens bíblicas, por lá se incluem traidores, trânsfugas e acobardados…  

= Se olharmos a outros contextos – de governos anteriores e a situações autárquicas conhecidas – quase que somos tentados a reconhecer que nada há de novo sob o ritmo da terra. Outros fizeram idêntico percurso e as coisas foram pagas por todos com o recurso a maus resultados. O pior é que ainda não foi desfeito o novelo de confusões não muito distantes e já estamos a dar os mesmos passos para recebermos os resultados outrora conseguidos…De facto, ainda não aprendemos as lições, algumas delas pagas a peso de grande austeridade – nunca vencida, mas tão-somente dita como aliviada – e com restrições de enorme crise e de contenção de regalias. Mesmo que nos queiram persuadir, que algo vai continuar na senda do (dito) sucesso, vivemos numa bolha artificial, que bastará um pequeno arremedo de instabilidade social, económico-financeira ou mesmo de segurança e tudo desabará como castelo de ilusões…

De verdade faltam-nos critérios de conduta alicerçados nos valores de cidadania, de responsabilidade e na cultura da harmonia entre direitos e deveres. Não será com facilitismos de créditos para serviços secundários que iremos recuperar a credenciação do país, das famílias e das organizações socioeconómicas. Não será com a polarização de benesses para uma parte da população – os cerca de setecentos mil funcionários públicos são pouco mais de 15% dos que estão em vida ativa – sobre os que contribuem com o seu trabalho, os impostos e a criação de riqueza, que iremos ser um país de sucesso, de produtividade e de futuro. Torna-se urgente criar igualdade de direitos e de deveres para todos, particularmente para com os que mais contribuem para que o país não se afunde, nem se faça do miserabilismo uma boa fonte de rendimentos.  

= Agora que quase tudo foi revertido em favor das reivindicações como iremos prosseguir na senda do progresso, se os abutres já sobrevoam sobre os cadáveres?

Desculpando a observação: ninguém é como é, sem razões. Isso mesmo nos faz tentar compreender a Nação que somos: de hospitaleiros e asseados parece que entramos na senda do terceiro-mundismo mais primário, onde as famílias se prolongam no poder, como se tivesse sido restaurada uma tal monarquia republicana.

Portugal merece melhor. O nosso futuro não pode esperar por lições que já deviam ter sido aprendidas. Basta deste incipiente nepotismo…à portuguesa!

 

António Sílvio Couto

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