Algo se está a passar de muito grave na nossa
sociedade. Algo aflitivamente complexo está a minar as relações entre as
pessoas. Algo demasiado contundente para ser reduzido à frieza dos números de
vítimas, à capturar dos réus e, sobretudo, para estarmos reféns dum ambiente
atrozmente doentio.
Falamos da apelidada ‘violência doméstica’, naquilo
que tem de visível, de noticiado e mesmo de explorado com cores excessivamente
funestas. Será que, de repente, os casados passaram todos a estar desavindos e
à pancada entre si? Será que as discussões se tornaram mortíferas e criminosas
sem olhar a quem e em qualquer espaço? Será que, anteriormente, as coisas se
passavam mais em surdina e pela calada do silêncio cúmplice e amordaçado? Este ‘boom’
de casos e de mortes não terá algo mais profundo a dever ser refletido por
todos? Até que ponto é que a divulgação, a normalização das situações e mesmo a
exploração dos dramas não é comandada por um guião que deseja, sobretudo, desacreditar
a família e tudo o que ela representa ainda? Não será que algo descontrolou as
reações das pessoas, tanto das propensas à agressividade como às outras
sujeitadas à influência nefasta do ambiente em que nos vamos desenvolvendo?
Muitas outras questões poderiam ser levantadas,
atendendo aos objetivos com que podemos e devemos analisar esta onda de
violência manifestada no contexto familiar, tanto o dito normal como qualquer
outro em que as pessoas se relacionam entre si.
Ninguém está fora das causas e tão pouco das
consequências da dita ‘violência doméstica’: aquelas são multíplices e estas
ainda não foram totalmente diagnosticadas. Com efeito, como será o
comportamento de futuros adultos que viveram num quadro explícito ou tácito de
violência entre pais? Como será a reação dos agora mais novos quando tiverem de
criar laços com outros: não serão desconfiados e temerosos à mistura com sinais
de agressividade latente e prestes a ser despoletada? De facto, a violência é
uma espécie de granada ofensiva a quem já tiraram a espoleta e que poderá
explodir ao mínimo contacto com outros e em idêntico panorama psicológico,
social e cultural…
= Perante o clima de agressividade com que temos de
saber estar, viver e conviver, torna-se essencial – dizemo-lo duma visão cristã
da vida, dos valores e da família – lançar sugestões sobre o modo como será
desejável que tudo isto com que fomos confrontados diariamente possa encontrar
pistas para se modificar. Desde logo é fundamental colocar Deus nestas
convulsões. Sobretudo se atendermos à sua ausência compreender-se-á que falta
respeito das pessoas entre si. O outro/a pode ser visto mais como adversário,
concorrente ou até inimigo e, por isso, algo – quando deveria ser ‘alguém’ – a
abater, senão física ao menos psicologicamente. Quem ousará fazer frente a quem
não respeita o semelhante? Este, com facilidade, pode tornar-se obstáculo às
pretensões e, por isso, será derrubado, dependendo das armas que possam usar e
dos fins a atingir, sem olhar a meios.
Aquilo que antes era exceção, agora tornou-se regra,
fazendo com que as pessoas se vão materializando e coisificando. Deus não norteia
nem condiciona os comportamentos, mas poderá guiá-los e ser o sujeito que nos
faz respeitar para ser igualmente respeitado. A exclusão de Deus da consciência
e da vida de tantos dos os contemporâneos não explica, mas pode responder, à
amoralidade com que se conduzem e mesmo vivem. Já nos dizia, de forma
confrangida o Papa Bento XVI: ‘o pior do nosso tempo é as pessoas viverem como
se Deus existisse’ e acrescentamos: fazendo de conta que não precisam d’Ele
nunca!
= Tendo como ponto de referência a teologia da casa
na cultura judaica – infelizmente nem sempre seguida e vivida na dimensão
cristã – será muito importante que façamos da casa de família esse espaço
sagrado de convivência, de fraternidade e de comunhão, coisa que as notícias da
dita ‘violência doméstica’ contradizem e denunciam. Como é importante sentir a
casa como esse santuário da vida em família, como ‘igreja doméstica’ e ainda
como o melhor lugar para aprender, viver e testemunhar o respeito entre todos –
cônjuges, pais e filhos, irmãos e demais família – numa aprendizagem desde a
mais tenra idade e até aos momentos últimos da vida terrena. Para quem tem boas
experiências disso será de desenvolver novas oportunidades. Do resto,
precisamos de emendar o vivido e modificar o que vamos vivendo…
António Sílvio Couto
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