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domingo, 17 de março de 2019

Programas televisivos de ‘mercadoria humana’


Duma forma atroz e algo sintomática alguns dos canais televisivos – agora em sistema aberto e já antes em meio codificado – têm vindo a colocar nos écrans programas que exploram – como disseram já alguns críticos da arte – a ‘mercadoria humana’, isto é, colocam as pessoas em estado de exposição a situações um tanto complicadas, numa concorrência sem respeito pelos valores humanos mais básicos e explorando falhas, erros e tudo o resto com que possam vencer ou convencer…

Embora se aduza que tais programas são reprodução, por cá, de formatos internacionais, isso não dá o direito de colocar no ar toda a espécie de enlatado de mau gosto e de questionável qualidade. Será de perguntar: por onde anda a capacidade de invenção, de inovação e de criação dos nossos bem pagos programadores televisivos…muitos eles saltitando de canal em canal à procura de melhor preço e de maior escândalo? A quem interessa nivelar pelos pés o entretenimento do nosso país e, sobretudo, a cultura? Somos todos tão mentecaptos que precisamos de ir ao baú dos estereótipos mais execráveis para mantermos a dar lucro os canais televisivos? O recurso ao ruralismo – num dos programas surgem uns tantos a fazer de agricultores limpinhos de terra e de trabalho – quererá pôr a descoberto uma falsa sociedade, dita urbana? Os casamentos arranjados não trarão à memória raízes de má recordação e do pior comportamento?

Não deixa de ser sintomática a coincidência com o início de exibição destes programas: por ocasião do festejado ‘dia da mulher’! 

= De facto, a pessoa humana está tornar-se mercadoria no mais ridículo sentido do termo, pois, por uns poucos euros, as pessoas se deixam colocar à venda, por uns minutos de exposição pública permitem que percam a sua qualidade de resguardo de vida, por uns passos de (pretensa) mágica se deixam fascinar sem possibilidade de retorno…

Há claramente um programa encoberto para tornar, cada vez mais, as pessoas irreflexivas. Bastará ver como reagem os executores de tais programas, questionando a opinião da discordância. Com que facilidade se colam rótulos a quem não se deixa convencer com tais produtos. Com que agressividade saltam em defesa das suas tropelias – mesmo contradizendo a (dita) liberdade de expressão e os tais direitos constitucionais, que valem para tudo e o seu contrário – os denunciados e manipuladores. Com que artimanhas se unem os que defendem, por exemplo, a ideologia de género ou mesmo certos grupos (pretensamente) feministas e afins… Estamos no melhor da confusão e convulsão coletiva! 

O diapasão pelo qual afinam tais programas fazem acreditar que os mentores de tudo isto – o que se vê e tanta outra coisa subterrânea – leem pela mesma cartilha e instruem-se no mesmo devocionário: tirar às pessoas o que as faz levantar-se, fazendo chafurdar naquilo que manipula, avilta e condiciona. Os valores expostos são mais de índole materialista do que afloram algo que tenha a ver com questões de natureza espiritual. Muito do que faz correr aqueles participantes – não serão antes concorrentes pagos e instrumentalizados? – mede-se mais pela possível conta a auferir do que pela resolução dos problemas abordados, de forma, por vezes, superficial, ignorante e sem nexo. 

= Se atendermos ao guião destes como de outros programas televisivos poderemos encontrar linhas idênticas: a sexualidade/genitalidade, o relacionamento/compromisso entre as pessoas e outros adereços de algum escândalo que possam ser introduzidos a propósito. Haverá assim tanta diferença, na forma, entre estes programas televisivos e o asqueroso mercado de escravos? Poderá parecer mera coincidência do estilo destes programas com algumas feiras de gado? Será que toda a gente se vende, dependendo do valor da mercadoria, do preço e das mais-valias que gera? Tudo pode ser posto em causa, desde que se tenha lucro com isso?

Poderemos fazer pouco contra tais programas, mas podemos tomar posição boicotando os patrocinadores publicitários, evitando comprar os produtos e denunciando as ofensas à pessoa humana, sobretudo quando está em maré de fragilidade…emocional, psicológica e afetiva.

Porque não quero ser conivente com o silêncio cúmplice, deixo esta reflexão, que me fará ainda mais estar atento à exploração a que submetem tantos dos nossos contemporâneos iludidos, manipulados e ofendidos.

 

António Sílvio Couto

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