Um ‘fato
de refugiado’ – calções e casaco verde com uma etiqueta na lapela – foi
retirado de circulação porque reclamação uma associação antirracista, que a
considerou ofensiva.
O tal
disfarce carnavalesco, com o custo de quinze euros, pretendia retratar as
crianças refugiadas da segunda guerra mundial, cujos pais alemães as enviaram
para a Inglaterra… sendo o número da etiqueta uma (mera) indicação do lugar na
viagem.
Este
assunto ‘resolveu-se’ porque essa tal associação muito combativa e mediática
levantou os pés e um deputado ergueu a voz, considerando o ato asqueroso e
revoltante… Entretanto, outros – temas e intervenientes – são silenciados e têm
de aguentar muitas das provocações porque tais protestantes não têm poder de fogo
nem capacidade de influenciar as decisões.
De
facto, muitas das máscaras de carnaval roçam mais a ofensa do que a diversão,
conseguem mais troçar quem é retratado do que quem se disfarça, quase pretendem
tornar a vida mais um troço de agonia do que uma representação de festa…
Tentaremos abordar cada um destes aspetos nessa grande feira que se avizinha…
pois é carnaval e há quem possa levar a mal.
* Troçar: modo de estar ou de saber
estar desse modo?
A
cultura portuguesa – popular ou mais erudita – tem na capacidade de caricaturar
uma longa e prolixa ação. Repare-se nas canções de escárnio e de maldizer, que
foram um dos preâmbulos da nossa literatura, secundada nos autos de Gil Vicente
e no desenvolvimento em fazer da arte de ironizar uma das formas de comunicação
de tantos e tão audazes autores e atores.
O teatro
de revista tem sido – sobretudo em épocas de ditadura – uma das expressões de
crítica social mais ou menos bem elaborada, por forma a dizer de modo sucinto o
que havia de mais complexo e até de mais difícil expressão. Em quantas figuras
se tentou reproduzir o que de mais complicado se colocava, fazendo das palavras
uma arma de combate e deste um espaço de cidadania bem explorada nas
entrelinhas dos escritos e na elaboração de saber dizer com arte e, muitas
vezes, com alma…
* A rir se corrigem os costumes
A
expressão latina – ‘ridendo castigat mores’ – tem apresentado uma diversidade
de comunicadores, muitos deles sagazes na ironia e no sarcasmo, aproveitando
certas épocas do ano para exercer tal arte…com ou sem artimanhas. Em muitos
casos se vai apurando a finura de dar a entender mais do que em afirmar
claramente.
Ora, o
carnaval tem sido um desses momentos mais aproveitados para, por entre máscaras
e disfarces, com palavras e chavões, na denotação dos termos até à conotação
dos entendimentos se procurarem encontrar possibilidades de diversão, com o
recurso à crítica, que pretende pôr a pensar quem ande distraído, mesmo que
possa (até) ser alvo da chacota e do riso…
- Quando
vemos fações partidárias defenderem de forma fundamentalista a vida dos animais
e promoverem a morte dos humanos, não será isto, uma espécie de brincadeira de
carnaval?
- Quando
vemos certos ecologistas – mais ditos do que práticos – a corroborarem a
despenalização da morte doce dos humanos sem atenderem ao essencial na saúde e
na segurança, não poderemos considerar que já andam a brincar ao carnaval?
* Tentando assumir papéis
não-próprios
Por
ocasião dos festejos carnavalescos, com alguma subtileza, se assumem papéis não
vividos noutras funções, podendo trazer à luz do dia anseios não concretizados ou
até aspirações raramente concretizadas…Isto e muito mais parece ser catapultado
na época do carnaval, prestes a começar na sua reinação… Embora se possa
considerar o tempo do carnaval como algo de festivo, ele ganha sentido na
medida em que possa ser uma preparação para viver melhor a quaresma, enquanto
tempo litúrgico de caminhada para a páscoa. Pena seja que se tente usufruir das
consequências sem cuidar das verdadeiras causas! Pena seja que se faça do
carnaval um espetáculo quase degradante, quando faltam condições autênticas
para que possa haver festa com sentido e nalguma alegria…
António
Sílvio Couto
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