Conta-se
que, numa discussão em tribunal, um eminente advogado se volta para outro e
diz-lhe:
– O
senhor doutor tanto dá uma no cravo como outra na ferradura.
Ao que o
visado respondeu:
– Pois
é, o senhor doutor não está quieto com o pé!
Este
diálogo é descrito como tendo acontecido com tribunos da primeira república,
que tinham um pelo outro tanto estima como de repugnância!
Ora, por
estes dias, temos visto e ouvido acontecimentos que bem podem ser caraterizados
com aquela expressão, que, basicamente, se pode interpretar como querendo dizer
que as várias posições e atitudes dos inúmeros intervenientes se parecem com a
atividade de ferrar um animal – normalmente da família equídea e afins – onde
se tem de colocar a ferradura como defesa dos cascos e, por vezes, de forma
ocasional ou propositada se dá uma pancada no casco para preparar a colocação
do revestimento na hora própria e que pode doer ao animal…
Assim,
dar uma no cravo (isto é, essa espécie de prego no ato de ferrar) e outra na
ferradura (isto é, o revestimento em metal no casco do animal) será não ser
capaz de ter mão certa e acertada para que tal momento seja rápido e bem
executado… nas ‘solas’ do protegido… ou, na evolução conotativa, vermos que
esse tal que diz ou pretende dizer tanto acerta como dá fora do lugar, isto é,
fala e diz o que profere e o seu contrário…
= Embora
com algum sabor popular esta expressão – uma no cravo e outra ferradura – pode
resumir o posicionamento oscilante de tantas das figuras que vão deambulando
pelo nosso meio social, cultural e mesmo político. Com efeito, com razoável
facilidade vemos a mudança de posição dos intervenientes – ontem tinham uma
aguerrida atitude de combate, exigindo demissões e outros artefactos lógicos,
tendo em conta o campo ideológico; hoje, as situações são as mesmas, os atores
mudaram e as consequências são tão díspares que sentimos que as pessoas, se não
são incoerentes, aos menos são (bastante) inconsequentes.
Será que
a montada do poder – pelo espaço ocupado e/ou pela visão que daí têm – muda
tanto as ideias? Como poderemos classificar os ideais de tais personagens: são
ou deixam de ser, só porque lhes mudam a paleta da pintura?
= Porque
acreditamos que as pessoas não mudam só pelo mero prato de lentilhas que lhes
queiram oferecer, parece-nos que a expressão ‘uma na cravo e outra na
ferradura’ é muito mais do que um rótulo com que se pretende apelidar os
adversários de mutação e de incapacidade em ser honesto para consigo mesmo e
para com os outros. Neste tempo tão propenso a fazer com que as pessoas possam
ser compradas… a qualquer preço…tudo dependendo do valor que se lhes possa
oferecer, esta expressão obriga-nos a refletir sobre os mais básicos princípios
pelos quais se norteiam muitos dos nossos contemporâneos. De facto, sem valores
que não ultrapassem as metas do materialismo e do consumismo, isto e muito mais
poderá ser justificável… desde que se possa enganar – nesta cultura do
faz-de-conta – até que venha a ser descoberto o embuste.
= Porque
vamos percebendo que tantos e de tão variegadas formas vão conjugando este
ditado popular – uma no cravo e outra na ferradura – será essencial que não nos
deixemos derrotar pelos ‘vencedores’ da dissimulação. Precisamos de contestar
que se pretenda fazer crer que os manhosos são reis e príncipes…à custa dos
distraídos. Precisamos de saber combater – mesmo pelo voto, quando essa for a
forma de nos pronunciarmos – certas aves de arribação, que se tentam sobrepor à
racionalidade, criando a sensação de que ser camaleão é a forma de vingar na
vida e entronizando a vingança nas decisões mais fundamentais.
A todos
e outros dizemos: tentem estar quietos com o pé para que se possa colocar o
cravo no devido espaço da ferradura!
António Sílvio Couto
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