Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Uma no cravo e outra na ferradura


Conta-se que, numa discussão em tribunal, um eminente advogado se volta para outro e diz-lhe:

– O senhor doutor tanto dá uma no cravo como outra na ferradura.

Ao que o visado respondeu:

– Pois é, o senhor doutor não está quieto com o pé!

Este diálogo é descrito como tendo acontecido com tribunos da primeira república, que tinham um pelo outro tanto estima como de repugnância!

Ora, por estes dias, temos visto e ouvido acontecimentos que bem podem ser caraterizados com aquela expressão, que, basicamente, se pode interpretar como querendo dizer que as várias posições e atitudes dos inúmeros intervenientes se parecem com a atividade de ferrar um animal – normalmente da família equídea e afins – onde se tem de colocar a ferradura como defesa dos cascos e, por vezes, de forma ocasional ou propositada se dá uma pancada no casco para preparar a colocação do revestimento na hora própria e que pode doer ao animal…

Assim, dar uma no cravo (isto é, essa espécie de prego no ato de ferrar) e outra na ferradura (isto é, o revestimento em metal no casco do animal) será não ser capaz de ter mão certa e acertada para que tal momento seja rápido e bem executado… nas ‘solas’ do protegido… ou, na evolução conotativa, vermos que esse tal que diz ou pretende dizer tanto acerta como dá fora do lugar, isto é, fala e diz o que profere e o seu contrário… 

= Embora com algum sabor popular esta expressão – uma no cravo e outra ferradura – pode resumir o posicionamento oscilante de tantas das figuras que vão deambulando pelo nosso meio social, cultural e mesmo político. Com efeito, com razoável facilidade vemos a mudança de posição dos intervenientes – ontem tinham uma aguerrida atitude de combate, exigindo demissões e outros artefactos lógicos, tendo em conta o campo ideológico; hoje, as situações são as mesmas, os atores mudaram e as consequências são tão díspares que sentimos que as pessoas, se não são incoerentes, aos menos são (bastante) inconsequentes.

Será que a montada do poder – pelo espaço ocupado e/ou pela visão que daí têm – muda tanto as ideias? Como poderemos classificar os ideais de tais personagens: são ou deixam de ser, só porque lhes mudam a paleta da pintura? 

= Porque acreditamos que as pessoas não mudam só pelo mero prato de lentilhas que lhes queiram oferecer, parece-nos que a expressão ‘uma na cravo e outra na ferradura’ é muito mais do que um rótulo com que se pretende apelidar os adversários de mutação e de incapacidade em ser honesto para consigo mesmo e para com os outros. Neste tempo tão propenso a fazer com que as pessoas possam ser compradas… a qualquer preço…tudo dependendo do valor que se lhes possa oferecer, esta expressão obriga-nos a refletir sobre os mais básicos princípios pelos quais se norteiam muitos dos nossos contemporâneos. De facto, sem valores que não ultrapassem as metas do materialismo e do consumismo, isto e muito mais poderá ser justificável… desde que se possa enganar – nesta cultura do faz-de-conta – até que venha a ser descoberto o embuste.  

= Porque vamos percebendo que tantos e de tão variegadas formas vão conjugando este ditado popular – uma no cravo e outra na ferradura – será essencial que não nos deixemos derrotar pelos ‘vencedores’ da dissimulação. Precisamos de contestar que se pretenda fazer crer que os manhosos são reis e príncipes…à custa dos distraídos. Precisamos de saber combater – mesmo pelo voto, quando essa for a forma de nos pronunciarmos – certas aves de arribação, que se tentam sobrepor à racionalidade, criando a sensação de que ser camaleão é a forma de vingar na vida e entronizando a vingança nas decisões mais fundamentais.

A todos e outros dizemos: tentem estar quietos com o pé para que se possa colocar o cravo no devido espaço da ferradura!     

 

António Sílvio Couto


Sem comentários:

Enviar um comentário