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terça-feira, 12 de julho de 2016

Com a soberania me enganas!


Tem vindo a crescer, no contexto da União Europeia, a discussão sobre a soberania dos povos integrantes desta mesma UE… dando voz e contestação a certos extremismos, de grupo ou de figuras emergentes e outras mais inconscientes no conteúdo e pela forma. 

Uns já referendaram a sua presença no projeto europeu a 28: o Reino Unido desuniu-se da UE e criou mais cisões num reino cada vez menos unido… na forma dos diversos povos e culturas. 

= Saída duma necessidade histórica, a União Europeia – já apelidada de CEE, de CE – precisa de refundar-se nos conceitos e nas estratégias, mas não será com certos figurões mais vistos e ouvidos pelos tempos mais recentes, que sairemos do atoleiro ético e moral – mais do que económico-financeiro – em que temos vindo a mergulhar… para o descalabro.

Não será com a intervenção ‘poética’ – mais ou menos politizada, mas desconexa da realidade – dalguns mentores da soberania – em tempos a sua coragem foi a de fugirem para o norte de África ou França e voltarem como heróis cobardes! – que conseguiremos suplantar aquilo que nos divide e reforçar aquilo que nos une, de verdade.

Mais de sessenta anos de paz no continente europeu não merecem mais respeito e esforço para que possamos viver tempos de harmonia e concórdia? Certas mentalidades belicistas irão sobreporem-se ao bem comum de paz e dalguma prosperidade?

Parece que a certos meninos bem-falantes e reivindicativos lhes faltam as dificuldades e as agruras que fizeram desta Europa unida algo mais do que um mercado de vaidades e de imoralidade. Parece que o sentido não-militar dalguns dos cidadãos europeus está narcotizado pela lascívia duma prosperidade que não foi ganha com trabalho e suor. O exemplo mais marcante tem sido a forma como (não) recebemos os refugiados: acomodados com as lentilhas mais baratas esquecemo-nos da dureza e da perseguição de tantos seres humanos à nossa porta… do outro lado do mar Mediterrâneo! 

= Certas forças esquerdistas dizem-se agora defensoras da soberania, mas na sua génese têm projetos internacionalistas que foram impostos aos povos que subjugaram à força… Ainda hoje os vemos a defenderem – e quase nunca a condenarem nem nas questões mais sensíveis de direitos humanos básicos – regimes em vigor cuja coloração envergonha os mais incautos e que eles mesmos não rejeitam, sabe-se lá com que interesse no sistema que ainda defendem.

Pior: servem-se das estruturas da UE onde se colocam e ganham bons proveitos – senão pessoais ao menos para o partido que os elegem – para contestarem as linhas que lhes permitem ter vez e voz. Não deviam ser coerentes e deixarem de serem exploradores daquilo que tão veemente discordam? Se não se demarcam dos regimes de Cuba e Venezuela ou da Coreia do Norte como poderão ser compreendidos nas lutas soberanistas que ainda cultivam? Talvez só a lógica da ideologia os faça viver em tal incongruência… até que, um dia, vejam a miopia em que ainda laboram! 

= A soberania é um bem indiscutível, mas não podemos fechar-nos ao projeto da UE que tantos frutos tem dado em favor dos mais desfavorecidos e que nem sempre se sabem governar. Muitos dos contestatários da soberania são mais beneficiários da livre circulação de pessoas, de bens e de serviços na UE do que intervenientes na construção de mais riqueza trabalhada e partilhada. Dir-se-á que podem contestar porque têm asseguradas benesses que recebem sem terem de fazer nada (ou muito pouco) pelo seu recebimento.

Como se costuma dizer: ‘o sucesso só aparece antes do trabalho no dicionário’. Pois, o pretenso sucesso da UE está em grande parte ligado a povos e culturas para quem o trabalho é um culto, enquanto para outros se verifica o contrário. Precisamos de saber se a soberania nos vai valer mais qualidade de vida ou se nos trará dificuldades e perda de bem-estar pessoal e coletivo.

Soberania, sim… mas com solidariedade de todos, com todos e para todos!   

 

António Sílvio Couto

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