Por ocasião do falecimento de alguém, que nos é querido, ouvimos palavras e
frases que nos fazem pensar e refletir… sobre nós mesmos e em relação aos
outros.
No dia seguinte ao sepultamento recente de minha mãe, o meu irmão mais novo
chegou a casa e referiu a pergunta – dói muito? – que um vizinho lhe tinha
feito minutos antes. Este tem os pais octogenários e que sentiram a partida,
quase rápida e inesperada de minha mãe… parecendo desta forma estar a
preparar-se para o golpe duplo que, em breve, irá vivenciar.
Com efeito, na nossa vida vamos tendo experiências que nos ajudam a
amadurecer na existência e a aquilatar do valor da nossa fé. Por vezes, sinto
que a fé (enquanto dom e virtude) não é grande coisa, mas é em momentos como
este que ela ganha mais sentido e valor… não para levar à alienação, mas para
nos confortar nas dimensões mais profundas daquilo que somos – e é muito pouco
– e do que valemos – que é ainda menos – enquanto peregrinamos sob esta Terra.
Apesar de ter ficado órfão de pai, fez este ano já quarenta anos, a perda
da mãe é mais uma provação que dói e custa muito… psicológica e até
espiritualmente.
= Cada um de nós vive e reage à sua maneira em momentos mais ou menos
difíceis de enquadrar na nossa peregrinação humana e espiritual. Neste sentido
a fé cristã aponta-nos horizontes que nos podem ajudar a ‘compreender’ o
mistério da vida, onde a morte é certeza imprevisível. Se há aspetos que
podemos antecipar, muitos outros serão irremediavelmente inesperados. Porque é
a negação da vida – e nós somos seres para a vida – a morte carrega a penumbra
do silêncio e do silenciamento. Com efeito, ver prostrado no caixão alguém com quem
falamos, com quem convivemos ou de quem escutamos algo que nos alimentou na
vida, é, sobretudo, o reconhecimento máximo da fragilidade e faz-nos humilhar
na nossa fragilização… Isto dói física, psicológica, emocional e
espiritualmente…
. Quantas vezes as lágrimas – nossas e dos outros – lavam a alma da
amargura que percorre o nosso interior, quase vazio e cheio de interrogações.
. Quantas vezes as palavras ouvidas e ditas soam a ricochete de correção
para com a atenção nem sempre dada de uns para com os outros.
. Quantas vezes é preferível mais estar calado do que verbalizar seja o que
for, pois na disponibilidade à escuta se pode exercitar a interpretação do
nosso mistério… seja qual for a etapa de vida pessoal ou de quem faleceu.
= É recorrente afirmar-se que, se pensássemos mais na morte, saberíamos
melhor conduzir-nos na vida. Sim, é verdade. Pois, será quando vemos
fragilidade daquilo que somos – e os outros no-lo recordam pela sua passagem – que
podemos entender, um tanto melhor, aquilo que valorizamos, verdadeiramente. Não
será de questionar a nossa capacidade de perdão, quando nos nivelamos pela
morte vivida e a viver? Não será que muito daquilo que acentuamos na diferença,
caduca na hora da morte? De que adianta andarmos a torturar-nos uns aos outros,
com zangas e afrontas, se tudo passa e nada deixamos…por mais valor que
julgamos ser ou pelos valores que pretendamos ter?
Tal como repetidas vezes o Papa Francisco tem dito: a mortalha não tem
bolsos nem nos seguem carros de segurança… com os valores económicos, no
funeral.
Apesar da minha pouca fé, vejo que ainda há muitos cristãos – talvez sejam
tão católicos/as que ultrapassam os parâmetros da canonização…em vida – para os
quais a morte não amolece as resistências à compreensão fraterna e à
reconciliação… mesmo humana e eclesial.
E se as flores que entregamos em honra dos falecidos pudessem ser trocadas
por boas obras de paz e de reconciliação!
E se as manifestações de carinho e de amizade pudessem ser cultivadas como
a melhor herança de quem partiu!
E se todos nos colocássemos – mesmo por breves momentos – no lugar do
falecido/a, não seríamos mais humildes e sinceros?
António
Sílvio Couto
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