Ouvi,
por estes dias, num programa radiofónico a classificação da eutanásia como uma
forma de suicídio racional, onde o sujeito ‘decide’ por si mesmo como quer
morrer, ou melhor, antecipar a morte, se considerar que a vida não tem a
qualidade que ele considera a mais conforme ao seu desejo…
O tema
da eutanásia tinha que surgir na discussão política e – ao que parece – irá se
levado à assembleia da república. Quem o propõe tem sido especialista em trazer
à liça temas fraturantes mais ou menos ao ritmo da sua oportunidade (ou
oportunismo) partidária… Quase sempre esses assuntos têm surgido como recurso
de distração, quando as coisas começam a ser menos agradáveis para outros
expedientes… Foi assim com o aborto (eufemisticamente apelidado de ‘interrupção
voluntária da gravidez’), com o casamento entre pessoas do mesmo sexo (embora
entendidas de género diferente), com a adoção de crianças por pessoas do mesmo
sexo (mesmo que sobrepostas em interesses minimamente convergentes), com a
procriação (dita) medicamente assistida (embora não passem de ‘barrigas de
aluguer’)… e tantos outros fait-divers de ideologias para as quais – ao que
parece – a pessoa humana nem sempre tem dignidade ou só a tem quando entra na
lógica do (seu) materialismo de vida…
= Discussão, debate, referendo…
tudo sem pressas
Colhendo
a avaliação de outros assuntos – entre os quais os supra citados – tenho a
impressão que há gente que quer fazer deste problema da eutanásia uma solução
atrapalhada e rápida, não deixando que tudo seja cuidado no esclarecimento, na
discussão séria e serena, tendo uma apreciação – mesmo através do voto popular
– num referendo que não precisa de ser realizado a muito curto prazo.
Reportando-me
novamente ao programa radiofónico fiquei com a sensação – na sua maioria de
mulheres – de que há uma razoável aceitação popular, pela sua implementação
para com este tema, se bem que se pudesse notar que as pessoas intervenientes
já estariam despertas para se pronunciarem favoravelmente pela eutanásia…
Posteriormente
tentei questionar-me sobre esta – real ou empolada – onda pró-eutanásia,
inquirindo de mim mesmo: porque se foi tornando tão vulgar ir-se aceitando a (dita)
morte assistida? As pessoas já perderam os critérios sobre o valor intrínseco
da vida? Até onde irá a justificação sobre o pôr termo à vida a pedido direto
ou por outrem? Os sinais de desvalorização da vida humana não estarão a
contradizer a luta pela saúde?
= Questões mais do que religiosas
ou éticas
Hoje é
um tanto vulgar ouvirmos, mesmo no contexto católico: estava a sofrer tanto,
ainda bem que Deus o levou? Que mal fez para ter de suportar tanto sofrimento?
A vida a sofrer daquela forma, já não é vida! Faltava qualidade de vida do
próprio e de quem o acompanhava!
Na
formação do cristianismo que foi, em tempos ministrada, a questão do sofrimento
até era apresentada como uma forma de purificação, pelo desconto dos pecados
pessoais e dos outros, bem como era apresentado o sofrimento em ordem a viver a
entrega desses momentos de sofrimento pela conversão pessoal e alheia… como
diziam os pastorinhos de Fátima, ‘pela conversão dos pecadores’!
Não será
que, ao termos posto em evidência, outras vertentes da fé e da vida cristã, se
pode caído num certo depreciar do valor redentor do sofrimento, unido ao da
Paixão de Cristo? Continuando a cuidar, cada vez melhor, da saúde, não podemos
desperdiçar a força do sofrimento em qualquer das suas dimensões.
Estamos,
novamente, a travar uma luta cultural e de civilização. Reduzir isto a questões
de legislação poderá subverter o problema, deixando-o à mercê de interesses
mais ou menos subterrâneos naquilo que toca ao nosso futuro próximo coletivo.
Se as questões do aborto tentaram resolver um problema do passado, a eutanásia
lança algumas preocupações sobre o nosso futuro pessoal.
Consta
que há países, onde a eutanásia foi legalizada, em que os mais velhos já trazem
ao pescoço um aviso: em caso de acidente não me levem para o hospital, pois não
quero morrer. Assim sendo, para onde caminhamos?
António
Sílvio Couto
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