Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



sábado, 28 de novembro de 2020

Eutanasiados pela vacina?

 


Causou alguma perplexidade uma espécie de ‘fake new’: os mais velhos iriam ficar fora das prioridades no (possível) plano de vacinação em Portugal. Isto que parecia uma parte de um relatório preliminar como que se converteu rapidamente em algo alarmista, embora não muito bem fundamentado…

Se, noutros países, os mais velhos – superiores a 75 anos – constavam do topo da lista para a vacinação, por cá as razões pareciam ser as contrárias: está (ou estava) por demonstrar a eficácia das vacinas naquela idade, até porque não terão sido feitos testes – suficientes e convincentes – abrangendo tal setor da população.

Se a confusão trazida pelo ‘covid-19’ era grande, agora transformava-se noutro assunto ainda mais agravado. Diz-se por aí que esta coisa da pandemia ‘deu a volta à moleirinha’ de muita gente, isto é, confundiu as ideias onde as havia e turvou os pensamentos naqueles que os cultivavam…

A catadupa de episódios deste mega-acontecimento em que se converteu a pandemia do vírus fatal, far-nos-á corar de vergonha quando, daqui a uns tempos, analisarmos o que dissemos, o que fizemos e, sobretudo, o que não dissemos nem fizemos…correta e sensatamente.

Deixo alguns flashes para uma possível avaliação com mais serenidade, racionalidade e compostura… daqui a uns tempos:

* Aquele irrisório e bacoco cartaz tão difundido e quão pífio: ‘vai ficar tudo bem’, ainda por cima com o recurso a umas cores a fazerem lembrar outras lutas e piores diatribes…tornar-se-á a vergonha de quem dele se serviu para se autoiludir, ludibriando os outros. Não, não vai ficar tudo bem ou, então, seremos uns grandessíssimos irresponsáveis, se não tivermos visto e feito o que devemos e que vai ter mesmo de mudar, desde as coisas mais básicas de higienização até às mais complexas de convívio social.

* Teremos de reconhecer que há pessoas suficientemente oportunistas em tanto deste processo de pandemia em curso, na medida em que voltaram a discutir e contumazmente aprovaram a legislação facultativa da eutanásia. Isto é de pessoas que colocam o essencial no seu devido lugar ou que, pelo contrário, brincam com as circunstâncias para prosseguirem os seus intentos? O calendário ideológico não foi capaz de se conter tanto na forma, como no conteúdo, desde que consigam enganar os incautos… 

* O põe-e-tira da máscara fora ou dentro de espaços cobertos, com pessoas ou a sós, na conversa ou às refeições, nas missas ou na ida às compras…Dizem que resguarda, mas será que resulta? Dizem que evita contágios, mas será que é eficiente? Uns tantos/as mais fundamentalistas contestam o uso da máscara, mas podem ter de responder perante a justiça se se comprovar que foram causadores de difusão do vírus.

* Há um assunto neste campo pandémico em que me questiono com alguma preocupação: se alguns desses apelidados ‘negacionistas da covid-19’ – aqueles que negam o que há de nefasto provocado por este vírus, rejeitando o confinamento e outras medidas – adoecerem, precisando de tratamento hospitalar, terão o mesmo atendimento que outros não contestatários? Será justo que, não tendo cumprido as regras sanitárias, possam usufruir de idêntico cuidado, podendo até terem sido difusores do contágio? Será que deveremos ser corretos com quem foi, no mínimo, incorreto e/ou imprudente?

 

= O processo para a vacinação precisa, agora, de ser devidamente delineado, sem colocar ninguém de fora. Se aquela corrente de ideias – dado que de pensamento poderia ter outra qualificação – de deixar os mais velhos fora das prioridades avançasse, não estaríamos a praticar uma eutanásia social sem pedido? Se tal acontecesse a vacina poder-se-ia tornar uma arma dos mais fortes sobre os mais fragilizados ou, porque não, dos mais ricos sobre os mais empobrecidos…Mais do que estarmos todos no mesmo barco – alguns não sabem nadar – estamos envolvidos nas mesmas circunstâncias, onde todos somos pessoas com direitos e deveres iguais, cuidando e sendo cuidados com carinho e ternura, mais por humanismo do que por conveniência. Afinal, estamos irmanados na desgraça. Que o sejamos também na vitória contra as forças malignas!    

 

António Sílvio Couto

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Advento 2020 – sugestão de caminhada


 A preparação da vivência do Natal merece por parte da Igreja e de cada cristão uma atenção especial. O Advento é esse tempo litúrgico por excelência para, em Igreja, irmo-nos preparando para celebrar dignamente o Nascimento de Jesus: Ele é o festejado e não nós; Ele precisa de ser acolhido; Ele tem de ter lugar na nossa vida... Seja qual for o desenvolvimento deste tempo de pandemia, o Natal vale por si mesmo e precisa de ser convenientemente preparado. Deixamos um breve subsídio…

* Grandes figuras do Advento: Isaías, João Batista e Maria são as grandes figuras que nos ajudam a fazer a caminhada do Advento, não só pelas propostas litúrgicas, mas também pelo modo como viveram essa preparação da vinda do Messias/Cristo. 

* Palavras de Advento

Vigiai/vigilância, estai preparados, esperança, conversão, preparação, luz...
Aos domingos lembraremos os salmos responsoriais de cada missa, neste ‘Ano B’. Neles podemos perscrutar a dinâmica de expetativa com que celebramos a eucaristia dominical e o modo como esse espírito se deve espargir para o resto da semana. 

Senhor nosso Deus, fazei-nos voltar, mostrai-nos o vosso rosto e seremos salvos (I domingo);
Mostrai-nos o vosso amor e dai-nos a vossa salvação (II domingo);
Exulto de alegria no Senhor (III domingo);
Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor (IV domingo).
Cada domingo aponta-nos uma vertente, vamos acolhê-la com humildade e fidelidade...

* Sinais/cores na ‘Coroa do advento’

- 1.ª semana (29 de novembro a 5 de dezembro):
Ao acendermos a 1.ª vela da ‘coroa’ invocamos a presença do Senhor da Luz, de quem deseja-mos que o Seu rosto se ilumine no acolhimento da palavra de Deus...cada dia. Olhemos, por entre a postura da máscara, os olhos dos outros com simplicidade e verdade...
* A 1.ª vela de cor verde simboliza a esperança trazida pelos profetas que anunciam a vinda próxima do Messias... Ao acendê-la na ‘coroa do Advento’ coloquemos a nossa esperança pessoal e familiar na descoberta de Jesus neste Natal.

- 2.ª semana (6 a 12 de dezembro): na 2.ª vela de cor vermelha da ‘coroa’ colocamos o sentido do amor com Nossa Senhora a quem celebramos no decorrer desta semana, olhando e sendo olhados... por Ela como mãe. Tentemos olhar os outros com os olhos de Maria, vendo-os em Deus e Deus neles... - 3.ª semana (13 a 19 de dezembro): na configuração da ‘coroa do Advento’ a 3.ª vela de cor rosa assinala a proximidade em alegria do nascimento de Jesus, guiados pelo testemunho de João Batista... Ele sabe que é, mas não tenta ofuscar Aquele que veio anunciar. Eu aponto, de verdade, para Jesus? 

- 4.ª semana (20 a 24 de dezembro): com uma maior proximidade à celebração do Natal vamos adequando os sinais ao mistério que queremos celebrar pessoal, familiar e eclesialmente. A cor azul da vela da ‘coroa do advento’ ajuda-nos a lembrar a dimensão celeste do Natal de Jesus... Guiados por Maria seguimos as pisadas do verdadeiro Natal. 

* Por ocasião do Natal acendemos a 5.ª vela de cor branca, alusiva à luz divina, que resplandece no nascimento de Jesus...

 

António Sílvio Couto

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Deus continua a estar longe?


 ‘Onde estava Deus nesses dias’ do holocausto? – perguntou o Papa de origem alemã, Bento XVI, quando visitou o campo de extermínio de Auschwitz, na Polónia, no dia 26 de maio de 2006.

Diante deste questionamento, perguntamos agora nós: Deus continua a estar longe neste tempo de pandemia? Ou fomos nós que nos pusemos de fora, colocando-O longe? Tal como naquele passado, Deus estará fora de tudo isto? Ou estará tão perto que nem O vemos por incapacidade e negligência?

Há algo de muito grave em muitos dos momentos de leitura, de apreciação e de compreensão desta vaga pandémica que nos envolve mais intensamente desde março passado. As referências a Deus situam-se entre o ténue e o quase inexistente. Em contraste com outras épocas em que as epidemias, as pestes e muitas das doenças com incidência social eram lidas como ‘castigo’ divino, agora nada disso nos incomoda e tão pouco perpassa pela mente ou pelas palavras dos responsáveis…até eclesiásticos.

 = As forças ‘científicas’ vão dando resposta às questões, misturando coisas do passado, ludibriando o presente e envenenando o futuro. As entidades políticas vão gerindo alguns dos problemas que tentam gerar, embora sem arte nem engenho. Os mentores sanitários – quais gurus da nova época – vão titubeando entre os efeitos e confundindo as causas, sem saberem ler previdentemente as consequências. Os comunicadores parecem andar mais em busca de escândalos do que centrados em dizerem o que acontece, infletindo a necessária autonomia de não-tomarem posição naquilo que pretendem que outros conheçam. Com subtil esperteza poderemos questionar se não haverá interesses não-declarados em tantos dos momentos, das situações e dos casos em que o ‘covid-19’ se tem tornado sujeito de ação e não só parceiro de preocupação…

- Será que as razões desta pandemia são resultado da sofreguidão do capitalismo ou consequência enviesada de alguma experiência falhada do comunismo chinês?

- Com a facilidade com que se propaga não será mais um vírus biológico do que meramente social?

- A avaliar pelos resultados no mundo ocidental não estaremos a pagar uma fatura de excesso de confiança em vez de uma consciencialização da nossa coletiva fragilidade?

- A pandemia do medo não fará mais vítimas do que a infeção da doença?

- Porque será que ainda não houve uma alusão ao castigo de Deus pelas nossas tropelias fora dos seus mandamentos?

- Haverá assim tanto receio de confundir leitura cristã com fundamentalismo mais radical?

- Onde estão os intérpretes simples, serenos e sinceros dos sinais dos tempos?

 = Tendo em conta a grande evolução da medicina perfilam-se no horizonte várias vacinas para combaterem esta praga do ‘covid-19’. Percebem-se vários laboratórios com a descoberta mais eficaz: uns dão garantia de maior sucesso; outros facilitam a cura mais rápida; outros tentam cativar com o melhor preço…mas a confusão é generalizada, embora a ansiedade seja ainda mais clamorosa.

Ainda antes que aconteça a receção da cura, há pequenos-grandes casos que deveriam merecer a nossa reflexão mais atenta, pois, em certos acontecimentos, poderemos estar perante mudanças culturais acentuadas… e, porque rápidas, ainda não assimiladas…conscientemente. De facto, a proliferação de restaurantes – percetível pela reclamação em maré de calamidade – pode denotar o fracasso da família como espaço de partilha de vida, dado que até a simples refeição deixou de ter lugar na pretensa vida em comum. Poderemos estar diante da degeneração de uma faceta constitutiva da vida familiar, tornada menos essencial para construir o lar, pois já não há lareira onde se cozinha ou aquece a casa. Não estaremos a pagar a fatura do excesso de exposição da família num contexto de banalização nas relações humanas? Não seria de aproveitar esta maré de confinamento para refletirmos sobre quem somos, mais do que reclamarmos daquilo que não temos ou que vimos a gerir mal?

Porque acredito que nada aconteça sem que disso Deus sabe tirar proveito, continuo em grande busca para entender o que este vírus nos traz de linguagem divina…        

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Dois padres que morreram no mesmo dia



O dia 22 de novembro fica-me marcado pela perda de dois padres no mesmo dia. Ambos faleceram em Ponte de Lima: de manhã, o Padre Eurico da Silva Pinto, faria no final deste ano, 69 anos; ao cair da noite, o Cónego Doutor António de Oliveira Fernandes, com 77 anos de idade.

O primeiro foi meu colega em doze anos de seminário; o segundo foi meu professor e reitor no tempo dos estudos de teologia. De ambos tenho boas e gratas recordações, telefonando-lhes amiudadamente. Cada um no seu nível foram para mim bons padres, quer pela estima, quer pela consideração recíproca.

Se o P.e Eurico estava doente há cerca de três anos, com uma doença imprevisível, mas fatal; o Dr. Oliveira Fernandes caiu de repente, a partir do final do mês de setembro. O lugar de calvário de ambos teve por palco a vila de Ponte de Lima, um em casa e outro no hospital…mas ambos faleceram nesta conjuntura do ‘covid’, portanto em condições de constrangimento até na hora das exéquias finais.

Que dizer de dois padres a quem nos ligam laços de amizade humana e sacerdotal? Que destacar num e noutro que possa alimentar a nossa caminhada em condição de fragilidade? Como nos poderemos consolar – mais ao nível espiritual do que humano – quando vemos partirem de nós facetas que nos ajudam a viver de olhos postos na meta? Apesar da dimensão da fé na vida eterna custa muito ver partir quem nos é querido…

Deixo de forma breve um sentido testemunho sobre estes dois padres.

- Do Padre Eurico fica-me a sensação de alguém que fazia da liturgia uma escola de vida. Nalguns casos era quase rubricista, de tal modo lia e interpretava as letras vermelhas do missal. Gostava de cantar. No tempo de seminário ouvimo-lo a tocar clarinete. Não sei se desenvolveu essa faculdade. Por diversas vezes o desafiei a descer ao sul do Tejo, mas dava a impressão que o elástico limiano não o deixava ir senão até Fátima, onde fazia, regularmente, o seu retiro sacerdotal anual… Lá o encontrei várias vezes. Foi pároco de Paredes de Coura toda a vida, sem deixar a sua terra natal, tal o apego e dedicação…

- Do Cónego Doutor Oliveira Fernandes posso dizer que precisamente há quatro meses (20 de julho) o visitei com um outro antigo professor e prefeito, Padre Fraga. Passamos um dia em recordações, nas fraldas do Lindoso e fomos partilhando aspetos simples desses anos de seminário, cada um na sua qualidade. Ofereci-lhe o último livro sobre as parábolas e ele retribuiu com as anotações sobre o que tinha lido no anteriormente publicado: ‘como poderei compreender, sem alguém que me oriente?’. Não deixa de confundir quem diz que aprende com aquilo que nós partilhamos! A última vez que falei com o Dr. Oliveira Fernandes foi por ocasião do aniversário da sua ordenação sacerdotal, em finais de setembro. Sentia-se um tanto cansado, embora, como sempre, bem-disposto. Guardo dele viva afeição e salutar memória de alguém inteligente, embora talvez nem sempre apreciado. A recolha ao seu reduto limiano foi uma espécie de retiro antecipado das lides académicas e, porque não, eclesiásticas. Afinal, o medo das ‘duas machadinhas’ (77) tornou-se mais do que fatal, fatídico.

Sem ser mera coincidência, o Padre Eurico e o Dr. Oliveira Fernandes faleceram no dia de santa Cecília, padroeira da música! Até sempre, amigos e irmãos no sacerdócio.

Nota: são mais dois padres que retiro da lista telefónica num conjunto mais recente, mas doloroso!    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Que presépio em tempo de ‘covid’?


Estas coisas difíceis e complexas da vida podem ter várias respostas: umas mais sérias e graves e outras mais ou menos leves, levadas com ironia e humor. Sobre a temática do presépio em tempo de covid deixo uma transcrição de uma dessas leituras com algum sarcasmo sobre os possíveis/vários intervenientes…colocando, posteriormente, outras questões mais atuais, sensatas e positivas.

 

= Normas do protocolo em vista da quarentena por ocasião do Natal 2020: a visita ao presépio é autorizada, podendo ir até quatro pastores…todos devem usar máscara e seguir o distanciamento social, medir a temperatura e desinfetar correta e repetidamente as mãos; José, Maria e o Menino-Jesus podem ficar juntos porque são da mesma família; a vaca e o burro devem ter um certificado de doenças emitido pelo serviço veterinário; os ‘três reis’ devem passar por uma quarentena de quinze dias, independentemente de terem um certificado de teste negativo de coronavírus, visto que chegaram do estrangeiro; a palha, o musgo, a árvore de natal e outras decorações devem ser desinfetadas com álcool; o Anjo está proibido de voar sobre a manjedoura, devido ao efeito de aerossol decorrente da onda de asas; o coro será limitado a um participante devido ao risco de infeção com outros possíveis cantores; nenhum pastor deve ter mais de 65 anos, por ser de um grupo de risco; todos os participantes secundários – romanos, pescadores, lavadeiras e o resto das profissões representadas no cenário – são proibidos para não haver perigo de contágio social; Pilatos – qual autoridade de saúde – ensinará a todos como lavar as mãos….

. Nota: estas ‘normas’ estão sujeitas ao momento do Natal, que pode ser de estado de alerta, de calamidade ou de emergência…total ou parcial!

 

= Tirando o possível jocoso deste plano preventivo, poderemos introduzir agora alguns aspetos decorrentes de estarmos num tempo de pandemia, ainda não totalmente percebida no sentido, no significado, nas razões, nas consequências e mesmo nas subtilezas ideológicas, culturais e até religiosas profundas.

À luz da mensagem do Natal – onde O festejamos é Jesus e não nós – precisamos de refletir com maior verdade sobre quanto vivermos, sobretudo, nas condições de pandemia em vigor.

* Do pretenso ‘vai ficar tudo bem’ à exigência de mudança/conversão

Essa frase oca e bacoca do ‘vai ficar tudo bem’, associada ainda a um certo simbolismo duvidoso, precisa de ser corrigida e abandonada, pois nada está bem nem ficará depois desta experiência de fragilidade de tudo e em todos. Aquilo que parecia um mau sonho tornou-se um pesadelo de consequências ainda não totalmente vistas. Não estaríamos todos a precisar de uma boa dose de humilhação – pois vivemos, como disse o Papa Bento XVI, como se Deus não existisse – nas nossas certezas, nas nossas convicções e mesmo na presunção desmedida. A interdependência nota-se para o bem e para o mal. Os cuidados não podem ser aliviados. Cada um de nós pode tornar-se inimigo de si mesmo, se baixar a barreira dos mínimos exigidos…

O Natal fala-nos de fraternidade. Agora temos de vivê-la mais do que nunca, pois o outro é companheiro de jornada e não adversário e tão pouco inimigo. Jesus irmanou-os para sempre.

* Aprender a cuidar e a cuidar-se…no respeito e na responsabilidade

Nenhum de nós sobreviverá sem os outros. Nesta fase de maior fragilização precisamos uns dos outros e de amparar-nos na sobrevivência com saúde e na doença. E nem o dito ‘serviço nacional de saúde’ servirá de nada se continuar a ser ideologizado para afastar quem sabe colocar-se na esfera dos outros com todos os riscos. Certas prosápias não confundirão partilha com negligência ou estimativas com vítimas? Em maré de dificuldade será de boa consciência centrar-se nas reivindicações e não na articulação de ações? Porque serão tão submissas certas instituições para com as diretrizes governamentais, precisariam de se descaraterizarem, confundindo fiéis e seguidores? Ainda não percebemos que foi na provação que se fez a evangelização em nome de Jesus em todos os tempos?

Queira Deus que saibamos interpretar os sinais de hoje!

 

António Sílvio Couto

 

sábado, 14 de novembro de 2020

A pandemia da solidão


«O individualismo, em particular, está na raiz daquela que é considerada a doença mais latente do nosso tempo: a solidão». Esta breve frase aparece-nos na carta ‘Samaritanus bonus’ da Congregação para a Doutrina da Fé, tornada pública a 14 de julho passado e refletindo sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida.

Agora que estamos em mais uma fase de confinamento – não se vislumbrando quando poderá terminar – por causa do ‘covid-19’ torna-se, então, essencial percecionar as causas mais do que as meras consequências daquilo que estamos a viver de forma acelerada, difusa e precipitada!

Naquela frase citada da carta da Congregação para a Doutrina da Fé faz-se uma alusão a um outro pensamento do Papa Bento XVI na carta encíclica ‘Caritas veritate’: «uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar» (n.º 53).

Ainda recentemente dados divulgados pelas forças de segurança diziam que, em Portugal, há 42.439 idosos isolados… E quantos outros, mesmo que acompanhados, estarão em solidão?

De facto, a solidão é hoje algo atroz não só para os mais velhos, mas também para os mais novos, pois estes, apesar de manipularem com destreza os meios de tecnologia, dá a impressão que se refugiam nesses mesmos instrumentos, fechando-se aos outros…a começar na própria família. Com efeito, é perfeitamente habitual vermos isso, à mesa do restaurante ou do café, no mesmo carro ou em circunstâncias diversas, e constatarmos que as pessoas podem estar próximas, dedilhando ao telemóvel, mas muito longe desses que poderiam ser seus interlocutores de convívio, de partilha ou mesmo de simples conversa…  

 

= Reportando-nos novamente ao documento da Congregação para a Doutrina da Fé, ‘Samaritanus bonus’’ e ainda à encíclica do Papa Francisco, ‘Fratelli tutti’, poderemos encontrar breves sugestões para o combate desta pandemia da solidão, que, por certo, faz mais vítimas silenciosas do que o ‘covid-19’. À luz da figura do bom samaritano podemos encontrar, então, essas diretrizes de luta contra esta pobreza psicológica, moral e espiritual:

* Um coração que vê – é necessário converter o olhar do coração, porque muitas vezes quem olha não vê. Sem compaixão, quem olha não se comove com o que vê e passa adiante; ao contrário, quem tem um coração compassivo deixa-se tocar e comover, para e cuida. «Crescemos em muitos aspetos, mas somos analfabetos no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis das nossas sociedades desenvolvidas. Habituamo-nos a olhar para o outro lado, passar à margem, ignorar as situações até elas nos caírem diretamente em cima» – Francisco, ‘Fratelli tutti’, n.º 64.

* Atitude de cuidar a vida toda e a vida de todoso bom samaritano não só se faz próximo, mas cuida do homem que encontra quase morto ao lado da estrada. «Que a sociedade se oriente para a prossecução do bem comum e, a partir deste objetivo, reconstrua incessantemente a sua ordem política e social, o tecido das suas relações, o seu projeto humano» – Francisco, ‘Fratelli tutti’, n.º 66.

* Sem máscara assumir as fragilidades pessoais e alheias – tal como o bom samaritano devemos cuidar «da fragilidade de cada homem, cada mulher, cada criança e cada idoso, com a mesma atitude solidária e solícita, a mesma atitude de proximidade do bom samaritano. (…) A fé cumula de motivações inauditas o reconhecimento do outro, pois quem acredita pode chegar a reconhecer que Deus ama cada ser humano com um amor infinito» – Francisco, ‘Fratelli tutti’, n. os 79 e 85.

= Por entre tantas ocupações e preocupações urgentes, precisamos de detetar quais são as propostas e ações mais necessárias para que não andemos a resolver problemas de sirene ligada – confundindo barulho com eficiência – em vez de darmos tempo e condições de escuta a tantas pessoas que precisam de falar connosco mais do que ouvirem as nossas ‘lições’ moralistas e, possivelmente, fastidiosas, repetitivas e sem esperança.

Numa palavra: talvez nos tenhamos por boas pessoas, mas não sejamos bons cristãos, com olhos atentos, ouvidos abertos, boca fechada e de passos lentos para acolher e lestos para resolver o que possa dignificar quem Deus coloca no nosso caminho… tal como o ferido da parábola do bom samaritano (Lc 10,29-37).

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Dos ‘burros’ azuis às farpas vermelhas


Têm estado a decorrer as eleições nos EUA, vislumbrando-se nos resultados a vitória de uma das partes dos eleitores. Naquilo que se consegue perceber, a dicotomia: ‘burro’ – azul – democratas; ‘elefante’ – vermelho – republicanos na designação da política nos Estados Unidos da América reporta-se ao último quartel do século dezoito, por ocasião das primeiras eleições presidenciais. Um candidato democrata era tão pouco dotado de inteligência que o rotularam de ‘burro’ e ele aceitou o epíteto e a figura, tal como os seus apaniguados. Por seu turno, a simbologia do ‘elefante’ é um aproveitamento pelos republicanos para resumir a mobilização em tempos da guerra civil… Tudo isto foi ‘imortalizado’ por um cartoonista da época, estendendo-se o tema até aos nossos dias.
Algo de muito especial parece verificar-se no tecido da nossa classe política, pois, nem sempre as palavras têm o mesmo sentido denotativo, quando são proferidas por figuras de um ou de outro dos lados da barricada partidária. Numa leitura um tanto simplista trago à colação uma observação da vida: será mera coincidência ou terá algum significado que as indicações – pelo menos nas que conheço – das torneiras apontem o ‘azul’ para a água fria e o ‘vermelho’ para a água quente? Ou será que estas designações estão tão anquilosadas, ao menos no sentido político dos termos, que mais merecem pena do que compreensão? Isto de ‘direita’ ou de ‘esquerda’, azul ou vermelho, terá, então, o alcance que cada lhe quiser dar ou, conforme, a tradição precisam de ser aferidos, refletidos e modificados para que não caiamos no ridículo, já e mais tarde?

= Ora, foi trazido à discussão – mais como fait-divers do que como assunto sério e com conteúdo – um acordo de incidência parlamentar regional entre um dos partidos do (dito) arco da governação (ou da alternância nela) e uma formação mais recente com alguma expressão de arremedo do que com significado relevante. Da tribuna solene da inquisição de alguma esquerda, o chefe do governo logo invetivou os intervenientes, pois os já habituais nas tarefas governativas teriam aberto a porta a uma agremiação ‘xenófoba, populista, de extrema-direita’ e mais uns tantos epítetos de descrença no futuro próximo… pessoal, social e político!
- Não deixa de ser significativo que alguns dos nossos políticos profissionais, dizendo-se  democratas, se comportam como razoáveis ditadores, parafraseando a frase do rei francês do século dezassete: ‘l´État c’ est moi’ (o estado sou eu), querendo dizer: ‘o democrata sou eu’, os outros são tudo (e o resto) que não isso…
- No artigo oitavo da ‘lei dos partidos políticos’ diz-se: «não são consentidos partidos políticos armados nem de tipo militar, militarizados ou paramilitares, nem partidos racistas ou que perfilhem a ideologia fascista». É, por isso, esquisito este clima de sobranceria com que alguns mentores, fazedores e profissionais políticos olham para aqueles que não pensam como eles, nem pela forma com entendem as questões de forma plural, pois só eles são donos da verdade …se for a sua!
Quem investiu ou reconhece o chefe do governo como juiz das formações partidárias, isso não compete ao tal tribunal constitucional, que reconheceu as agremiações em curso? Quem são estes críticos agora quando já fizeram coisa idêntica antes e qual a cobertura que lhes é dada pela maioria de comunicação social com arremedos de um certo esquerdismo saudosista?
- Nota-se que, no nosso subdesenvolvimento cultural, cívico e político, precisamos de refletir mais sobre o essencial, deixando de andarmos entretidos com questiúnculas de lana-caprina, tentando disfarçar a nossa incompetência em assuntos de relevo, mas prendendo-nos a ataques de baixa qualidade e em diatribes de má-fé. Os quase cinquenta anos de democracia ainda escondem tiques ressabiados de perseguidos de antanho à mistura com intentos de transferirem para cá esquemas que deram tão mau resultados noutras paragens…

Quando aprenderemos a sermos portugueses na Europa e europeus numa cultura ocidental com matriz judaico-cristã? Quando assumiremos que temos uma história construída mais em princípios e valores de índole espiritual do que em utopias que roçam a dialética marxista e as lutas anarco-trotskistas?

- Enquanto uns tantos fazem cócegas de propaganda à 2.ª vaga de pandemia não há como discutir questões de populismo barato, enfatizando problemas da casa dos outros para iludir os da sua própria… Assim vamo-nos afundar…irremediavelmente!

 

António Sílvio Couto