Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Deus continua a estar longe?


 ‘Onde estava Deus nesses dias’ do holocausto? – perguntou o Papa de origem alemã, Bento XVI, quando visitou o campo de extermínio de Auschwitz, na Polónia, no dia 26 de maio de 2006.

Diante deste questionamento, perguntamos agora nós: Deus continua a estar longe neste tempo de pandemia? Ou fomos nós que nos pusemos de fora, colocando-O longe? Tal como naquele passado, Deus estará fora de tudo isto? Ou estará tão perto que nem O vemos por incapacidade e negligência?

Há algo de muito grave em muitos dos momentos de leitura, de apreciação e de compreensão desta vaga pandémica que nos envolve mais intensamente desde março passado. As referências a Deus situam-se entre o ténue e o quase inexistente. Em contraste com outras épocas em que as epidemias, as pestes e muitas das doenças com incidência social eram lidas como ‘castigo’ divino, agora nada disso nos incomoda e tão pouco perpassa pela mente ou pelas palavras dos responsáveis…até eclesiásticos.

 = As forças ‘científicas’ vão dando resposta às questões, misturando coisas do passado, ludibriando o presente e envenenando o futuro. As entidades políticas vão gerindo alguns dos problemas que tentam gerar, embora sem arte nem engenho. Os mentores sanitários – quais gurus da nova época – vão titubeando entre os efeitos e confundindo as causas, sem saberem ler previdentemente as consequências. Os comunicadores parecem andar mais em busca de escândalos do que centrados em dizerem o que acontece, infletindo a necessária autonomia de não-tomarem posição naquilo que pretendem que outros conheçam. Com subtil esperteza poderemos questionar se não haverá interesses não-declarados em tantos dos momentos, das situações e dos casos em que o ‘covid-19’ se tem tornado sujeito de ação e não só parceiro de preocupação…

- Será que as razões desta pandemia são resultado da sofreguidão do capitalismo ou consequência enviesada de alguma experiência falhada do comunismo chinês?

- Com a facilidade com que se propaga não será mais um vírus biológico do que meramente social?

- A avaliar pelos resultados no mundo ocidental não estaremos a pagar uma fatura de excesso de confiança em vez de uma consciencialização da nossa coletiva fragilidade?

- A pandemia do medo não fará mais vítimas do que a infeção da doença?

- Porque será que ainda não houve uma alusão ao castigo de Deus pelas nossas tropelias fora dos seus mandamentos?

- Haverá assim tanto receio de confundir leitura cristã com fundamentalismo mais radical?

- Onde estão os intérpretes simples, serenos e sinceros dos sinais dos tempos?

 = Tendo em conta a grande evolução da medicina perfilam-se no horizonte várias vacinas para combaterem esta praga do ‘covid-19’. Percebem-se vários laboratórios com a descoberta mais eficaz: uns dão garantia de maior sucesso; outros facilitam a cura mais rápida; outros tentam cativar com o melhor preço…mas a confusão é generalizada, embora a ansiedade seja ainda mais clamorosa.

Ainda antes que aconteça a receção da cura, há pequenos-grandes casos que deveriam merecer a nossa reflexão mais atenta, pois, em certos acontecimentos, poderemos estar perante mudanças culturais acentuadas… e, porque rápidas, ainda não assimiladas…conscientemente. De facto, a proliferação de restaurantes – percetível pela reclamação em maré de calamidade – pode denotar o fracasso da família como espaço de partilha de vida, dado que até a simples refeição deixou de ter lugar na pretensa vida em comum. Poderemos estar diante da degeneração de uma faceta constitutiva da vida familiar, tornada menos essencial para construir o lar, pois já não há lareira onde se cozinha ou aquece a casa. Não estaremos a pagar a fatura do excesso de exposição da família num contexto de banalização nas relações humanas? Não seria de aproveitar esta maré de confinamento para refletirmos sobre quem somos, mais do que reclamarmos daquilo que não temos ou que vimos a gerir mal?

Porque acredito que nada aconteça sem que disso Deus sabe tirar proveito, continuo em grande busca para entender o que este vírus nos traz de linguagem divina…        

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Dois padres que morreram no mesmo dia



O dia 22 de novembro fica-me marcado pela perda de dois padres no mesmo dia. Ambos faleceram em Ponte de Lima: de manhã, o Padre Eurico da Silva Pinto, faria no final deste ano, 69 anos; ao cair da noite, o Cónego Doutor António de Oliveira Fernandes, com 77 anos de idade.

O primeiro foi meu colega em doze anos de seminário; o segundo foi meu professor e reitor no tempo dos estudos de teologia. De ambos tenho boas e gratas recordações, telefonando-lhes amiudadamente. Cada um no seu nível foram para mim bons padres, quer pela estima, quer pela consideração recíproca.

Se o P.e Eurico estava doente há cerca de três anos, com uma doença imprevisível, mas fatal; o Dr. Oliveira Fernandes caiu de repente, a partir do final do mês de setembro. O lugar de calvário de ambos teve por palco a vila de Ponte de Lima, um em casa e outro no hospital…mas ambos faleceram nesta conjuntura do ‘covid’, portanto em condições de constrangimento até na hora das exéquias finais.

Que dizer de dois padres a quem nos ligam laços de amizade humana e sacerdotal? Que destacar num e noutro que possa alimentar a nossa caminhada em condição de fragilidade? Como nos poderemos consolar – mais ao nível espiritual do que humano – quando vemos partirem de nós facetas que nos ajudam a viver de olhos postos na meta? Apesar da dimensão da fé na vida eterna custa muito ver partir quem nos é querido…

Deixo de forma breve um sentido testemunho sobre estes dois padres.

- Do Padre Eurico fica-me a sensação de alguém que fazia da liturgia uma escola de vida. Nalguns casos era quase rubricista, de tal modo lia e interpretava as letras vermelhas do missal. Gostava de cantar. No tempo de seminário ouvimo-lo a tocar clarinete. Não sei se desenvolveu essa faculdade. Por diversas vezes o desafiei a descer ao sul do Tejo, mas dava a impressão que o elástico limiano não o deixava ir senão até Fátima, onde fazia, regularmente, o seu retiro sacerdotal anual… Lá o encontrei várias vezes. Foi pároco de Paredes de Coura toda a vida, sem deixar a sua terra natal, tal o apego e dedicação…

- Do Cónego Doutor Oliveira Fernandes posso dizer que precisamente há quatro meses (20 de julho) o visitei com um outro antigo professor e prefeito, Padre Fraga. Passamos um dia em recordações, nas fraldas do Lindoso e fomos partilhando aspetos simples desses anos de seminário, cada um na sua qualidade. Ofereci-lhe o último livro sobre as parábolas e ele retribuiu com as anotações sobre o que tinha lido no anteriormente publicado: ‘como poderei compreender, sem alguém que me oriente?’. Não deixa de confundir quem diz que aprende com aquilo que nós partilhamos! A última vez que falei com o Dr. Oliveira Fernandes foi por ocasião do aniversário da sua ordenação sacerdotal, em finais de setembro. Sentia-se um tanto cansado, embora, como sempre, bem-disposto. Guardo dele viva afeição e salutar memória de alguém inteligente, embora talvez nem sempre apreciado. A recolha ao seu reduto limiano foi uma espécie de retiro antecipado das lides académicas e, porque não, eclesiásticas. Afinal, o medo das ‘duas machadinhas’ (77) tornou-se mais do que fatal, fatídico.

Sem ser mera coincidência, o Padre Eurico e o Dr. Oliveira Fernandes faleceram no dia de santa Cecília, padroeira da música! Até sempre, amigos e irmãos no sacerdócio.

Nota: são mais dois padres que retiro da lista telefónica num conjunto mais recente, mas doloroso!    

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Que presépio em tempo de ‘covid’?


Estas coisas difíceis e complexas da vida podem ter várias respostas: umas mais sérias e graves e outras mais ou menos leves, levadas com ironia e humor. Sobre a temática do presépio em tempo de covid deixo uma transcrição de uma dessas leituras com algum sarcasmo sobre os possíveis/vários intervenientes…colocando, posteriormente, outras questões mais atuais, sensatas e positivas.

 

= Normas do protocolo em vista da quarentena por ocasião do Natal 2020: a visita ao presépio é autorizada, podendo ir até quatro pastores…todos devem usar máscara e seguir o distanciamento social, medir a temperatura e desinfetar correta e repetidamente as mãos; José, Maria e o Menino-Jesus podem ficar juntos porque são da mesma família; a vaca e o burro devem ter um certificado de doenças emitido pelo serviço veterinário; os ‘três reis’ devem passar por uma quarentena de quinze dias, independentemente de terem um certificado de teste negativo de coronavírus, visto que chegaram do estrangeiro; a palha, o musgo, a árvore de natal e outras decorações devem ser desinfetadas com álcool; o Anjo está proibido de voar sobre a manjedoura, devido ao efeito de aerossol decorrente da onda de asas; o coro será limitado a um participante devido ao risco de infeção com outros possíveis cantores; nenhum pastor deve ter mais de 65 anos, por ser de um grupo de risco; todos os participantes secundários – romanos, pescadores, lavadeiras e o resto das profissões representadas no cenário – são proibidos para não haver perigo de contágio social; Pilatos – qual autoridade de saúde – ensinará a todos como lavar as mãos….

. Nota: estas ‘normas’ estão sujeitas ao momento do Natal, que pode ser de estado de alerta, de calamidade ou de emergência…total ou parcial!

 

= Tirando o possível jocoso deste plano preventivo, poderemos introduzir agora alguns aspetos decorrentes de estarmos num tempo de pandemia, ainda não totalmente percebida no sentido, no significado, nas razões, nas consequências e mesmo nas subtilezas ideológicas, culturais e até religiosas profundas.

À luz da mensagem do Natal – onde O festejamos é Jesus e não nós – precisamos de refletir com maior verdade sobre quanto vivermos, sobretudo, nas condições de pandemia em vigor.

* Do pretenso ‘vai ficar tudo bem’ à exigência de mudança/conversão

Essa frase oca e bacoca do ‘vai ficar tudo bem’, associada ainda a um certo simbolismo duvidoso, precisa de ser corrigida e abandonada, pois nada está bem nem ficará depois desta experiência de fragilidade de tudo e em todos. Aquilo que parecia um mau sonho tornou-se um pesadelo de consequências ainda não totalmente vistas. Não estaríamos todos a precisar de uma boa dose de humilhação – pois vivemos, como disse o Papa Bento XVI, como se Deus não existisse – nas nossas certezas, nas nossas convicções e mesmo na presunção desmedida. A interdependência nota-se para o bem e para o mal. Os cuidados não podem ser aliviados. Cada um de nós pode tornar-se inimigo de si mesmo, se baixar a barreira dos mínimos exigidos…

O Natal fala-nos de fraternidade. Agora temos de vivê-la mais do que nunca, pois o outro é companheiro de jornada e não adversário e tão pouco inimigo. Jesus irmanou-os para sempre.

* Aprender a cuidar e a cuidar-se…no respeito e na responsabilidade

Nenhum de nós sobreviverá sem os outros. Nesta fase de maior fragilização precisamos uns dos outros e de amparar-nos na sobrevivência com saúde e na doença. E nem o dito ‘serviço nacional de saúde’ servirá de nada se continuar a ser ideologizado para afastar quem sabe colocar-se na esfera dos outros com todos os riscos. Certas prosápias não confundirão partilha com negligência ou estimativas com vítimas? Em maré de dificuldade será de boa consciência centrar-se nas reivindicações e não na articulação de ações? Porque serão tão submissas certas instituições para com as diretrizes governamentais, precisariam de se descaraterizarem, confundindo fiéis e seguidores? Ainda não percebemos que foi na provação que se fez a evangelização em nome de Jesus em todos os tempos?

Queira Deus que saibamos interpretar os sinais de hoje!

 

António Sílvio Couto

 

sábado, 14 de novembro de 2020

A pandemia da solidão


«O individualismo, em particular, está na raiz daquela que é considerada a doença mais latente do nosso tempo: a solidão». Esta breve frase aparece-nos na carta ‘Samaritanus bonus’ da Congregação para a Doutrina da Fé, tornada pública a 14 de julho passado e refletindo sobre o cuidado das pessoas nas fases críticas e terminais da vida.

Agora que estamos em mais uma fase de confinamento – não se vislumbrando quando poderá terminar – por causa do ‘covid-19’ torna-se, então, essencial percecionar as causas mais do que as meras consequências daquilo que estamos a viver de forma acelerada, difusa e precipitada!

Naquela frase citada da carta da Congregação para a Doutrina da Fé faz-se uma alusão a um outro pensamento do Papa Bento XVI na carta encíclica ‘Caritas veritate’: «uma das pobrezas mais profundas que o homem pode experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material, também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar» (n.º 53).

Ainda recentemente dados divulgados pelas forças de segurança diziam que, em Portugal, há 42.439 idosos isolados… E quantos outros, mesmo que acompanhados, estarão em solidão?

De facto, a solidão é hoje algo atroz não só para os mais velhos, mas também para os mais novos, pois estes, apesar de manipularem com destreza os meios de tecnologia, dá a impressão que se refugiam nesses mesmos instrumentos, fechando-se aos outros…a começar na própria família. Com efeito, é perfeitamente habitual vermos isso, à mesa do restaurante ou do café, no mesmo carro ou em circunstâncias diversas, e constatarmos que as pessoas podem estar próximas, dedilhando ao telemóvel, mas muito longe desses que poderiam ser seus interlocutores de convívio, de partilha ou mesmo de simples conversa…  

 

= Reportando-nos novamente ao documento da Congregação para a Doutrina da Fé, ‘Samaritanus bonus’’ e ainda à encíclica do Papa Francisco, ‘Fratelli tutti’, poderemos encontrar breves sugestões para o combate desta pandemia da solidão, que, por certo, faz mais vítimas silenciosas do que o ‘covid-19’. À luz da figura do bom samaritano podemos encontrar, então, essas diretrizes de luta contra esta pobreza psicológica, moral e espiritual:

* Um coração que vê – é necessário converter o olhar do coração, porque muitas vezes quem olha não vê. Sem compaixão, quem olha não se comove com o que vê e passa adiante; ao contrário, quem tem um coração compassivo deixa-se tocar e comover, para e cuida. «Crescemos em muitos aspetos, mas somos analfabetos no acompanhar, cuidar e sustentar os mais frágeis e vulneráveis das nossas sociedades desenvolvidas. Habituamo-nos a olhar para o outro lado, passar à margem, ignorar as situações até elas nos caírem diretamente em cima» – Francisco, ‘Fratelli tutti’, n.º 64.

* Atitude de cuidar a vida toda e a vida de todoso bom samaritano não só se faz próximo, mas cuida do homem que encontra quase morto ao lado da estrada. «Que a sociedade se oriente para a prossecução do bem comum e, a partir deste objetivo, reconstrua incessantemente a sua ordem política e social, o tecido das suas relações, o seu projeto humano» – Francisco, ‘Fratelli tutti’, n.º 66.

* Sem máscara assumir as fragilidades pessoais e alheias – tal como o bom samaritano devemos cuidar «da fragilidade de cada homem, cada mulher, cada criança e cada idoso, com a mesma atitude solidária e solícita, a mesma atitude de proximidade do bom samaritano. (…) A fé cumula de motivações inauditas o reconhecimento do outro, pois quem acredita pode chegar a reconhecer que Deus ama cada ser humano com um amor infinito» – Francisco, ‘Fratelli tutti’, n. os 79 e 85.

= Por entre tantas ocupações e preocupações urgentes, precisamos de detetar quais são as propostas e ações mais necessárias para que não andemos a resolver problemas de sirene ligada – confundindo barulho com eficiência – em vez de darmos tempo e condições de escuta a tantas pessoas que precisam de falar connosco mais do que ouvirem as nossas ‘lições’ moralistas e, possivelmente, fastidiosas, repetitivas e sem esperança.

Numa palavra: talvez nos tenhamos por boas pessoas, mas não sejamos bons cristãos, com olhos atentos, ouvidos abertos, boca fechada e de passos lentos para acolher e lestos para resolver o que possa dignificar quem Deus coloca no nosso caminho… tal como o ferido da parábola do bom samaritano (Lc 10,29-37).

 

António Sílvio Couto

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Dos ‘burros’ azuis às farpas vermelhas


Têm estado a decorrer as eleições nos EUA, vislumbrando-se nos resultados a vitória de uma das partes dos eleitores. Naquilo que se consegue perceber, a dicotomia: ‘burro’ – azul – democratas; ‘elefante’ – vermelho – republicanos na designação da política nos Estados Unidos da América reporta-se ao último quartel do século dezoito, por ocasião das primeiras eleições presidenciais. Um candidato democrata era tão pouco dotado de inteligência que o rotularam de ‘burro’ e ele aceitou o epíteto e a figura, tal como os seus apaniguados. Por seu turno, a simbologia do ‘elefante’ é um aproveitamento pelos republicanos para resumir a mobilização em tempos da guerra civil… Tudo isto foi ‘imortalizado’ por um cartoonista da época, estendendo-se o tema até aos nossos dias.
Algo de muito especial parece verificar-se no tecido da nossa classe política, pois, nem sempre as palavras têm o mesmo sentido denotativo, quando são proferidas por figuras de um ou de outro dos lados da barricada partidária. Numa leitura um tanto simplista trago à colação uma observação da vida: será mera coincidência ou terá algum significado que as indicações – pelo menos nas que conheço – das torneiras apontem o ‘azul’ para a água fria e o ‘vermelho’ para a água quente? Ou será que estas designações estão tão anquilosadas, ao menos no sentido político dos termos, que mais merecem pena do que compreensão? Isto de ‘direita’ ou de ‘esquerda’, azul ou vermelho, terá, então, o alcance que cada lhe quiser dar ou, conforme, a tradição precisam de ser aferidos, refletidos e modificados para que não caiamos no ridículo, já e mais tarde?

= Ora, foi trazido à discussão – mais como fait-divers do que como assunto sério e com conteúdo – um acordo de incidência parlamentar regional entre um dos partidos do (dito) arco da governação (ou da alternância nela) e uma formação mais recente com alguma expressão de arremedo do que com significado relevante. Da tribuna solene da inquisição de alguma esquerda, o chefe do governo logo invetivou os intervenientes, pois os já habituais nas tarefas governativas teriam aberto a porta a uma agremiação ‘xenófoba, populista, de extrema-direita’ e mais uns tantos epítetos de descrença no futuro próximo… pessoal, social e político!
- Não deixa de ser significativo que alguns dos nossos políticos profissionais, dizendo-se  democratas, se comportam como razoáveis ditadores, parafraseando a frase do rei francês do século dezassete: ‘l´État c’ est moi’ (o estado sou eu), querendo dizer: ‘o democrata sou eu’, os outros são tudo (e o resto) que não isso…
- No artigo oitavo da ‘lei dos partidos políticos’ diz-se: «não são consentidos partidos políticos armados nem de tipo militar, militarizados ou paramilitares, nem partidos racistas ou que perfilhem a ideologia fascista». É, por isso, esquisito este clima de sobranceria com que alguns mentores, fazedores e profissionais políticos olham para aqueles que não pensam como eles, nem pela forma com entendem as questões de forma plural, pois só eles são donos da verdade …se for a sua!
Quem investiu ou reconhece o chefe do governo como juiz das formações partidárias, isso não compete ao tal tribunal constitucional, que reconheceu as agremiações em curso? Quem são estes críticos agora quando já fizeram coisa idêntica antes e qual a cobertura que lhes é dada pela maioria de comunicação social com arremedos de um certo esquerdismo saudosista?
- Nota-se que, no nosso subdesenvolvimento cultural, cívico e político, precisamos de refletir mais sobre o essencial, deixando de andarmos entretidos com questiúnculas de lana-caprina, tentando disfarçar a nossa incompetência em assuntos de relevo, mas prendendo-nos a ataques de baixa qualidade e em diatribes de má-fé. Os quase cinquenta anos de democracia ainda escondem tiques ressabiados de perseguidos de antanho à mistura com intentos de transferirem para cá esquemas que deram tão mau resultados noutras paragens…

Quando aprenderemos a sermos portugueses na Europa e europeus numa cultura ocidental com matriz judaico-cristã? Quando assumiremos que temos uma história construída mais em princípios e valores de índole espiritual do que em utopias que roçam a dialética marxista e as lutas anarco-trotskistas?

- Enquanto uns tantos fazem cócegas de propaganda à 2.ª vaga de pandemia não há como discutir questões de populismo barato, enfatizando problemas da casa dos outros para iludir os da sua própria… Assim vamo-nos afundar…irremediavelmente!

 

António Sílvio Couto

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Estende a tua mão ao pobre


Celebra-se no próximo domingo, dia 15 de novembro, o IV dia mundial dos pobres, este ano subordinado ao tema: ‘estende a tua mão ao pobre’.

Desde 2017 que, no 33.º domingo do tempo comum, é proposto à Igreja e ao mundo a vivência deste dia mundial, estabelecido pelo Papa Francisco pela carta apostólica ‘Misericordia et miseria’ como corolário do ‘ano extraordinário da misericórdia’, de 2015-2016.

Os temas dos três primeiros ‘dias mundiais’ foram: ‘amamos, não com palavras, mas com obras’ (2017); ‘este pobre clama e o Senhor o escuta’ (2018); ‘a esperança dos pobres jamais se frustrará’ (2019).

Para aprofundar o tema deste ano de 2020 cita-se uma frase do livro do livro de Ben Sirac (7,32). O Papa na sua mensagem refere: 

- Manter o olhar voltado para o pobre é difícil, mas tão necessário para imprimir a justa direção à nossa vida pessoal e social (n.º 3).
- O encontro com uma pessoa em condições de pobreza não cessa de nos provocar e questionar... Para servir de apoio aos pobres é fundamental viver pessoalmente a pobreza evangélica  (n.º 4).
- Estender a mão leva a descobrir, antes de tudo a quem o faz, que dentro de nós existe a capacidade de realizar gestos que dão sentido à vida (n.º 5).
 - Estender a mão é um sinal: um sinal que apela imediatamente à proximidade, à solidariedade, ao amor...Todas as mãos estendidas desafiaram o contágio e o medo,  dando consolação (n.º 6).
- Este período que estamos a viver colocou em crise muitas certezas. Sentimo-nos mais pobres e mais vulneráveis, porque experimentamos a sensação da limitação e a restrição da liberdade. (...) As graves crises económicas, financeiras e políticas não cessarão enquanto permitirmos que permaneça em letargo a responsabilidade que cada um deve sentir para com o próximo e toda a pessoa (n.º 7).
- O período da pandemia constrangeu-nos a um isolamento forçado, impedindo-nos até de poder consolar e estar junto de amigos e conhecidos atribulados com a perda dos seus entes queridos. (...) Experimentamos a impossibilidade de estar junto de quem sofre e, ao mesmo tempo, tomamos consciência da fragilidade da nossa existência (n.º 8).
- «Estende a mão ao pobre» faz ressaltar, por contraste, a atitude de quantos conservam as mãos nos bolsos e não se deixam comover pela pobreza, da qual frequentemente são cúmplices também eles. A indiferença e o cinismo são o seu alimento diário. (...) Desenvolveu-se uma globalização da indiferença (n.º 9).
- O objetivo de cada ação nossa só pode ser o amor: tal é o objetivo para onde caminhamos, e nada deve distrair-nos dele. Este amor é partilha, dedicação e serviço, mas começa pela descoberta de que primeiro fomos nós amados e despertados para o amor (n.º 10).

= Diante destes desafios, a vivência do ‘dia mundial dos pobres’ faz-nos propostas simples e sinceras, sobretudo neste contexto de pandemia: 

* Da globalização da indiferença à manifestação da presença – citando a exortação apostólica ‘Evangelii gaudium’ (n.º 54), o Papa Francisco explica qual é a incidência da globalização da indiferença, pois «os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe». Efetivamente, agora que já não nos preocupamos tanto com o embelezamento da face, dado que está tapada pela máscara, será de todo essencial abrirmos mais os olhos – esses que estão à mostra e que devem ver melhor – para enxergarmos as necessidades reais (não as virtuais) dos outros…     

* Aprender a estender a mão ao outro…como irmão – apesar do gesto não recomendado nesta época de pandemia, precisamos de estender a mão numa atitude de acolhimento, de aceitação e de carinho/consolação psicológico e espiritual. Cuidemos mais atentamente, por isso, daqueles que Deus coloca no nosso caminho como companheiros de vida e de caminhada…comunitária.

 

António Sílvio Couto

 

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Como será lido, na História, o ‘covid-19’?


No desenrolar do espetro da História, haverá um tempo que será dedicado a tentar interpretar estes meses – mais intensamente desde março passado – que temos estado a viver com as diversas implicações da pandemia de ‘covid-19’ nos múltiplos países do mundo.

Efetivamente já foi assim noutras situações de epidemia, com perdas de vidas humanas, com casos inesperados e de alcance mais ou menos generalizado. Dizem os entendidos na matéria que há duas formas de equilibrar a demografia: pela guerra ou pela doença. Daquela temos estado livres, particularmente na Europa, de forma generalizada, desde há mais de setenta anos. Por entre laivos de algum desenvolvimento temos conseguido suplantar etapas de doença – muitas delas provenientes como agora do Oriente – e, com muito esforço disso a que chamaram, desde o final da segunda guerra mundial, o ‘Estado social’ (isto é, o estado/governo cuida das pessoas atendendo à saúde, à segurança e ao bem-estar coletivo) tem conseguido ultrapassar as debilidades individuais.

 

= No percurso da história da Humanidade, houve alguns momentos de pandemia mais ou menos significativos. Vejamos algumas das incidências:

- As pandemias ligadas à gripe, com as mais célebres: gripe russa (século XIX), gripe espanhola (surgiu em 1918…com mais de 40 milhões de mortos), gripe asiática (surgiu na China em 1957…atingiu todos os países do mundo em dez meses), gripe de Hong Kong (surgiu na China em 1968);

- Houve ainda oito grandes pandemias ligadas à cólera;

- Tivemos também a peste negra que, na baixa Idade Média, assolou a Europa, vitimando entre um terço (25 milhões) e metade (75 milhões) da população mundial. No século XVI, sobretudo no México, deu-se a pandemia da varíola e do sarampo, com mais de dois milhões de mortos;

- Mais recentemente tivemos a pandemia da sida, que, desde 1982, infetou 60 milhões de pessoas em todo o mundo e vitimou 20 milhões de pessoas. Ébola, zika e dengue continuam a poderem tornar-se novos fenómenos de doenças pandémicas.

- Agora estamos a ser submetidos à prova do ‘covid-19’ com efeitos e consequências ainda não totalmente percetíveis a curto e a médio prazo…Mas os milhões de infetados sobem todos os dias, os internados estão a fazer colapsar os hospitais e os falecidos são enterrados sem haver tempo de fazer o mínimo de luto.

 

= Nos casos ocorridos no passado houve, de alguma forma, uma interpretação mais ou menos religiosa dos acontecimentos, tanto pela sua leitura como pela visão teísta das coisas e, sobretudo, pelo modo como eram entendidos os infortúnios da vida pessoal e coletiva. Casos há que nos ficaram como testemunho de salvaguarda divina – a Deus recorreram nas horas de aflição e por Ele se viram defendidos – perdurando até aos nossos dias. Quando nos reportamos a situações de tempos idos, podemos constatar que se foi desenvolvendo alguma motivação religiosa, tanto na leitura sobre as epidemias, como na forma de interceder junto de Deus quanto aos episódios pandémicos. Quem desconhece que a colocação de nichos, capelas ou igrejas dedicadas a São Sebastião à entrada das principais povoações (ao tempo da invocação) pretendem manifestar que ele seja o ‘protetor contra a fome, a peste e a guerra’? Quem ignora que muitas das grandes obras sociais, que perduram até hoje, surgiram para acudir a tempos de doença mais generalizada?

Ora, excecionando dois momentos mais significativos – a 27 de março pelo Papa Francisco e, anteriormente, a 25 do mesmo mês pelo Cardeal António Marto – não foi tão percetível quanto seria desejável algo que releva-se a dimensão religiosa e mesmo cristã desta incrível situação de pandemia… Com efeito, parece que vivemos, no geral, numa maior certeza para com as nossas forças humanas (sanitárias, científicas, culturais), relegando para o foro privado algo que, afinal, nos atinge a todos indistintamente. Alguns comunicados dos responsáveis eclesiais parecem enfermar de medo e até de submissão mais às forças humanas do que aos apelos diretos e incisivos a Deus. Precisamos de honrar o longo património espiritual de intercessão dos cristãos para com todos os homens/mulheres, seja qual for a religião, a língua ou a cultura…

Este tipo de provações não se vencem sem muita oração, jejum e sacrifício. Entende-se esta linguagem?

 

António Sílvio Couto