Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Apanhados nas redes da incongruência



Por estes dias temos tido excelentes oportunidades de vermos alguns dos atores políticos a fazerem jus às suas incongruências mínimas e significativas – os extremos do espetro partidários deram-nos bons ‘sinais’ de que não basta dizer, é preciso fazer com lógica e compromisso: de um lado alguém surripiou umas malas em aeroportos e com isso fez negócio mais barato; do lado umas certas (ditas) defensoras dos direitos das trabalhadoras despediram umas tantas que estavam a amamentar… caíram, assim, os moralistas (dos extremos) pelos seus próprios atos.

1. Neste quadro algo cinzento da vida política tivemos sinais concordantes com a incongruência. Embora nem todos sejam frequentadores da religião, aqui se adequa a expressão do rifoneiro popular: ‘bem prega frei Tomás, segui o que ele diz, mas não o que ele faz’. Com efeito, quem desejava moralizar, pelo combate à corrupção a vida social bem depressa deixou cair a máscara mal confecionada e pior colocada. Não que os atos de um lancem a suspeição sobre todos, mas que fica a perceção – termo por estes dias recorrente em tantos episódios – de que algo não corre bem quando alguém – pessoa ou agremiação – se quer tornar moralista e a lição faz ricochete… Embora quase imberbe (sete anos), o partido chegou rapidamente aos mesmos defeitos dos mais antigos.

2. Coisa mais grave, porque injusta, foi a cena do outro extremo: dito de esquerda, defensores dos trabalhadores e combatentes dos patrões, intransigentes na defesa dos direitos dos ditos assalariados, mas que, quando foram investidos em empregadores se converteram em iguais àqueles que contestam e vão atanazando de forma implacável: despediram algumas mulheres-mães que estavam a amamentar…Embora o assunto tenha sido gerido de forma acintosa – entre a negação dos factos e o reconhecimento envergonhado dos mesmos – ficou a sensação de, por vezes, a melhor forma de tentar passar desapercebido é atacar com que possa fazer mossa…

3. De vez em quando certos setores trazem à liça – sobretudo quando lhes convém ou o ambiente se lhes torna adverso – essa fastidiosa expressão da ‘ética republicana’ para tentarem fugir – quais enguias em maré de pesca e grande procura gastronómica – das consequências dos seus atos ou na ânsia de encobrirem os seus erros. Se bem que haja quem pretenda distinguir para confundir ética e moral são a mesma coisa na origem dos termos: ‘ethos’ do grego, ‘mor, moris’ do latim abrangem as questões relacionadas com o comportamento, embora se atenda, na evolução semântica das palavras, a moral com conotações mais do teor pessoal e a ética na vertente mais social e genérica.

4. De que consta a ‘ética republicana’ para ser tão reclamada em tempos de crise? Por que a desejam os que a pretendem manipular? Numa interpretação mais estrita dos conceitos em matéria politica, há quem considere que a república, num estado de direito democrático, proclama o primado da lei e a igualdade de todos os cidadãos perante ela, não aceitando que uns beneficiem de prerrogativas ou de direitos que assentem em razões de hereditariedade familiar ou de títulos nobiliárquicos concedidos pelas mesmas razões.

Numa visão ainda mais restrita os republicanos consideram que acima do mero cumprimento da lei deve prevalecer o interesse público em detrimento do interesse privado, isto é, a dimensão coletiva impõe-se, teoricamente, ao interesse do indivíduo.

5. Tendo em conta esta descrição precisamos de refletir sobre as implicações da tal ‘ética republicana’, exigindo de quem a serve que não se arvore em estar acima de nada nem de ninguém, antes se faça cumpridor da lei, mesmo que em seu prejuízo. Mal vai uma nação se os seus legisladores engendram preceitos que os favorecem. Mal vai um país onde os conotados com o poder usufruem de condições melhoradas e de favorecimento. Mal vai o todo nacional se os pequenos particulares se sobrepõem ao resto. Urge, tomar consciência de quem escolhemos para nos governarem, seja qual for a instância…



António Sílvio Couto


segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Lealdade a quanto obrigarias

 

Por estes dias surgiu nas áreas de comunicação (social ou de fofoquice) a gravação de um treinador de futebol dando instruções e reprimendas aos jogadores seus dirigidos. A linguagem é um tanto simples, num vernáculo onde se ouvem palavras ditas do calão ou mesmo da comunicação direta mais básica. O que foi reproduzido – ou intencionalmente selecionado? – deixou alguns mais ortodoxos (na linguagem e do mundo do futebolês primário) em palpos-de-aranha, tal a ousadia do palestrante. Certos comentadores (ou serão figuras adstritas ao quanto-pior-melhor?) menos afetos ao clube em causa verberaram o dito treinador, enquanto outros como que rejubilaram com o sucedido…

1. Mas há uma questão básica essencial: se aquilo era para o interior do dito balneário, por que saiu para fora daquela forma? Se aquilo só interessava, em princípio, aos visados, por que foi tornado tão público? Haverá, lá pelos recônditos da casa, quem esteja interessado em divulgar o que seria, em boa-fé, de âmbito restrito? Não será este episódio do mundo do futebol – com as suas regras e clichés próprios – uma manifestação de deslealdade mais básica e condenável? Como poderemos entender, neste como em tantas outras situações, casos de deslealdade ou até de cobardia, de traição e de mentira? Será que isto foi engendrado a rogo de forças instruídas para destabilizar?

2. Antes de mais vejamos o significado de ‘lealdade’, enquanto qualidade humana, valor cultural, virtude cívica e, por que não, atitude cristã. Numa espécie de definição descritiva poderemos considerar lealdade como virtude que se desenvolve conscientemente e que implica cumprir com um compromisso ainda que seja perante circunstâncias constantemente em mudança ou adversas. Trata-se de uma obrigação que se tem para com o próximo. Lealdade pode ainda ser entendida como o cumprimento daquilo que exigem as leis da fidelidade e da honra. Um homem de bem deve ser leal a outras pessoas, a organizações (como a empresa para a qual trabalha) e à sua nação. Mas será que a deslealdade se pode equiparar à traição? Em certo sentido esta comporta a violação de um compromisso expresso ou tácito…

3. Sem pretendermos tornar o tema ‘religioso’, vejamos passagens bíblicas onde este tema da lealdade é referido. Nos escritos proféticos: Portanto, volte para o seu Deus, e pratique a lealdade e a justiça; confie sempre no seu Deus (Os 12,6); Mas quem se gloriar, glorie-se nisto: em compreender-me e conhecer-me, pois eu sou o Senhor e ajo com lealdade, com justiça e com retidão sobre a terra, pois é dessas coisas que me agrado”, declara o Senhor (Jr 9,24). Nos escritos sapienciais: Muitos se dizem amigos leais; mas um homem fiel, quem poderá achar? (Pr 20,6); O Senhor se agrada dos que o temem, dos que depositam a sua esperança no seu amor leal (Sl 147,11); Ponha a sua esperança no Senhor, ó Israel, pois no Senhor há amor leal e plena redenção (Sl 130,7). Nos textos do Novo Testamento: nos evangelhos – Pedro declarou: ‘mesmo que seja preciso que eu morra contigo, nunca te negarei’. E todos os outros discípulos disseram o mesmo (Mt 26, 35). Nos escritos paulinos - O que se requer dos administradores é que sejam fiéis (1 Cor 4, 2); Lembre a todos que se sujeitem aos governantes e às autoridades, sejam obedientes, estejam sempre prontos a fazer tudo o que é bom (Tit 3,1). Com a lealdade de Deus contamos sempre… Na convivência humana podemos e devemos tornar essa mesma lealdade sinal, presença e testemunho do trato com os outros.

4. Dá a impressão que as relações humanas – diretas ou indiretas – precisam desta virtude cívica, pois corremos o risco de nos andarmos a enganar com subtilezas, com palmadinhas nas costas ou com elogios desfasados da realidade daquilo que sentimos e que pensamos uns dos outros. Ora, tudo isso gera desconfiança e cria uma sociedade onde a aldrabice, o engano, a adulação e a mentira se podem tornar ‘qualidades’ para vingar nos mais diversos espaços e oportunidades. Quantas vezes nos admiramos de pessoas que mereciam a confiança dos outros e que cai a máscara. Quantas vezes certas simpatias se manifestam mentirosas, enganadas e enganadoras. Quantas vezes teremos de ser leais para connosco mesmos, podendo desconfiar da própria sombra, que sempre exagera nas proporções e nas perceções…



António Sílvio Couto

‘Ricos’: premiados na América e combatidos na Europa?


Numa das muitas observações e comentários no dia de tomada de posse do novo presidente dos EUA, um general costumeiro nas apreciações televisivas disse que os ricos e os que têm ideias de desenvolvimento na América são premiados, mesmo que possam ser relativamente novos, enquanto na Europa os ricos e quem cria riqueza são perseguidos pela desconfiança e mesmo postos de lado sob suspeita. Será isso assim tão simplista? Haverá critérios tão diversos para apreciar quem pode fazer algo pelos outros? Estes tiques de discrepância não custarão caro aos europeus?

1. Desde logo vemos que as sociedades têm escalas de valorização das pessoas e das ideias com grande
diferença. A ser verdade aquela apreciação sobre a capacidade de riqueza, podemos constatar que nos nossos meios – europeus em geral e portugueses em particular – com facilidade é posto sob desconfiança senão em julgamento depreciativo moral e social quem tenha ou mostre sinais de riqueza: com que velocidade se lhe apega a suspeita, desde a mais banal até à mais complexa, criando-se um clima de inveja progressivamente generalizada. Na maior parte dos casos os fatores trabalho e mérito nem sempre são incluídos, pelo contrário são sobrelevadas questões obscuras e possibilidades menos favoráveis à honestidade e ao bom nome dos intervenientes.

2. Deste modo aquilo que se poderiam considerar ‘os melhores’ – pela competência, pelo mérito ou mesmo pelo risco – são varridos para debaixo do tapete da quase-criminalidade. Ora o que vemos, então, é que essas pessoas não sentem incentivo em participar no bem comum, podendo fechar-se no seu casulo de pseudo-ricos e fazerem do seu castelo dourado um refúgio não-proveitoso para os outros. Com efeito, conta-se que, um dia um dos paladinos da nossa revolução de abril foi visitar a Suécia e terá dito aos interlocutores que, em Portugal, estávamos a acabar com os ricos, ao que o outro respondeu: nós, aqui, queremos acabar é com os pobres. Eis uma visão que nos tem matado as aspirações em sermos, mesmo com tantos programas de ajuda ao nosso desenvolvimento, dos últimos na União Europeia: os nossos ‘ricos’ não são ajudados a criarem mais riqueza, pelo contrário, a sanha das taxas fá-los fugir daqui e vão investir onde são mais apreciados e valorizados.

3. Quem não se lembra de um velho chavão abrilino: os ricos que paguem a crise! Mas quem são esses ricos e qual é crise que devem pagar? Não será que o desnível salarial se pode ajustar, mas a mentalidade gastadora fará com que os rendimentos sejam sugados pelo consumo desenfreado? Não estaremos mais centrados no gastar do que no poupar? O despejar dinheiro sobre os problemas – das pessoas, das famílias e das classes sociais – não tem vindo a agravar a consciencialização da nossa incapacidade em gerir em vez de gastar? As políticas de subsidiodependência não serão uma artimanha de quem governa para iludir os pobres e os menos capazes de gerirem os vencimentos muito abaixo dos custos de vida? Por que não se faz uma educação para a poupança em vez da publicidade consumista desenfreada?

4. Da mesma forma que não há interesse em tirar os pobres da sua condição de pobreza e miséria, assim os ‘pensadores’ sociais e políticos não têm interesse em falar a verdade, criando bolhas de contentes com os subsídios e não como trabalhadores dignos e produtivos. Temos andado a adiar a assunção de que somos um país pobre gerido por pessoas sem visão de futuro, mas antes preocupados em terem aduladores que os mantenham no poder a todo o custo. Repare-se nas tricas e intrigas com que nos entretêm: parecemos crianças do jardim-de-infância a fazer de conta que somos grandes, mas só na asneira não-assumida.

5. Se eu fosse rico não investia em Portugal, pois quem dá o pão nem sempre tem a gratidão e o
reconhecimento do esforço em ser útil aos outros e deles merecer algo mais que não seja a contestação
reivindicativa… A mentalidade ainda está ancorada nos patrões e não nos empresários. Mude-se, já!


António Sílvio Couto

Que qualidade de candidatos (políticos e não só)?

 

É assunto que ocupa bastante espaço na comunicação social, das discussões (privadas ou públicas), nos corredores do poder (geral, autárquico ou regional) e nas conjeturas de uns tantos para com outros: os candidatos são credíveis? Merecem ser apreciados ou podem ser descartados pela falta ou insuficiência de qualidade? Até onde irá a ousadia ou a ingenuidade de quem pensa impingir os seus candidatos? Teremos candidatos pela meritocracia ou pela manipulação dos pretendentes e dos potenciais apoiantes? Seja o que vier a acontecer veremos o estado em que está a nossa ainda frágil e continuamente debilitada democracia...

1. Porque é já este ano que devemos atender aos candidatos autárquicos: muitos deles sucedem a longos mandatos de figuras mais ou menos capazes de cativar o interesse dos eleitores. O que vemos emergir são ‘segundas linhas’ para serem votadas, embora possam ter vivido à sombra dos que agora saem e/ou que foram sendo preparadas para assumir as tarefas... Se houve quem preparou a sucessão, outros deixaram correr o tempo e agora podem perder para outro partido o posto em que estiveram investidos.

2. A limitação de mandatos torna-se assim uma forma de revitalizar quem manda, embora nem sempre signifique que tudo começa de novo: múltiplos interesses vegetam em surdina e podem trazer sobressaltos ao desenvolvimento das populações, se não forem acautelados os projetos essenciais nem se andarem ao sabor dos lóbis – sobretudo do cimento – subterrâneos mais ou menos percetíveis... Haver transfugas de município seria (ou será) o pior serviço de quem o protagoniza ou mesmo de quem o patrocina. O campo dos imprescindíveis rebenta pelas costuras e está a ser preciso aumentá-lo tal a desqualificação emergente.

3. Neste campo das autarquias há uma doença atroz: nem sempre os que são colocados no posto tiveram a preparação necessária e suficiente. Com efeito, faltam ‘escolas’ de preparação de cidadãos que não coloquem os interesses pessoais ou de grupo à frente das matérias de desempenho comum, isto é, que sirvam sem se servirem nem de serem os arietes de forças que deambulam nas trevas e que flutuam entre os vários partidos, desde que ganhem protagonismo, visibilidade e, por que não, uns cobres sem controlo das contas vistas... Ainda se admiram da dita corrupção, mas não é ela – segundo dizem – que faz avançar um município e outros ficarem para trás ou mesmo parados no tempo?

4. Pasme-se como está a decorrer o processo pré-eleitoral de candidatos a candidatos às eleições presidenciais de 2026: muitos dos apontados surgem mais como representantes dos partidos, havendo que diga que vai apresentar o ‘seu’ candidato... Ora, neste campo os ditos ou putativos candidatos são de proposta pessoal e não deviam sequer serem representantes de qualquer formação partidária, embora deva ser clara qual a ideologia que servem... A ver pela aragem dos falados estamos mesmo muito mal, pois os que querem não devem e os que deviam não querem...sobretudo para não sentirem a sua vida escrutinada e posto tudo ao sol, mesmo o que seria dispensável. Estamos a bater no fundo não só da vulgaridade mas pior da insalubridade mental e psicológica.

5. Se tivermos em conta outros campos de atividade ou espaços de compromisso humano veremos que os candidatos vão decrescendo em qualidade, não que os anteriores fossem muito melhores, mas nota-se que, em certos lugares, rareia já a seleção tal diminuição dos pretendentes. Cada época, cada sociedade, cada serviço tem os que merece e a julgar por muitos setores – forças de segurança, ministros de culto, justiça e defesa, etc. – o que temos e vemos revela que estamos em profunda crise de valores, de critérios e, sobretudo, de compromisso...É tempo de preparar um tanto melhor o futuro, pois a renovação das estruturas é feita pela qualidade dos intérpretes...

 

António Sílvio Couto

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Crê o que lês – ensina o que crês – vive o que ensinas

 


«Recebe o Evangelho de Cristo, que tens a missão de proclamar. Crê o que lês, ensina o que crês e vive o que ensinas». Esta é a fórmula usada na ordenação do diácono (Pontifical Romano, ‘Ordenação do bispo, dos presbíteros e diáconos’, n.º 210), quando lhe é entregue o livro dos Evangelhos, investindo-o na tarefa de ser anunciador e proclamador da Palavra de Deus como múnus do seu ministério diaconal.

Vem isto a propósito do VI domingo da Palavra de Deus – celebração instituída pelo Papa Francisco – para dar destaque comunitária e dominical da proclamação, vivência e compromisso à luz e com a Palavra de Deus lida, proclamada e celebrada.

1. Se atendermos ao comportamento de boa parte dos ‘nossos’ católicos eles vêm para as celebrações de mãos a abanar, enquanto outros cristãos levam a sua Bíblia para o culto. Qual o significado mais profundo do que exterior destes gestos? Será que isso revela desconexão com a Palavra de Deus usada nas nossas celebrações? Até que ponto vivemos centrados na Palavra lida e proclamada nos ‘nossos’ sacramentos? Será que isto revela alguma ignorância e/ou desinteresse pelas Sagradas Escrituras? Será possível ir introduzindo nas nossas celebrações – sobretudo da missa – a presença nas mãos dos fiéis (eclesiásticos ou não) da normalidade da Bíblia? Seremos capazes de ir semeando este interesse e participação logo desde o tempo da (dita) catequese de infância e adolescência? Há um trabalho a fazer, mas não podemos esperar que seja decretado para fazer…temos de ir ensaiando com pequenos gestos e momentos.

2. Crê o que lês – eis o primeiro desafio: acreditar que Deus nos fala pela Sua Palavra escrita e de longa data posta à nossa disposição: são séculos da revelação de Deus ao povo de Israel e agora na Igreja. Os textos escritos nos setenta e dois livros da Bíblia continuam a ser escritura sagrada, onde Deus nos conduz, corrige, orienta e compromete. Num dos documentos do Concílio Vaticano II sobre a revelação divina ‘Dei Verbum’ faz-se a proclamação solene da centralidade da nossa fé, que tem duas fontes – a Sagrada Escritura e a Tradição. «A sagrada Tradição e a Sagrada Escritura estão ìntimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim. A Sagrada Escritura é a palavra de Deus enquanto foi escrita por inspiração do Espírito Santo; a sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, para que eles, com a luz do Espírito de verdade, a conservem, a exponham e a difundam fielmente na sua pregação; donde resulta assim que a Igreja não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de piedade e reverência» (n.º 9). É isso que cremos, lemos, rezamos e seguimos.

3. Ensina o que crês – nova etapa da presença, acolhimento e serviço à Palavra de Deus. Com que facilidade podemos percecionar quando alguém fala e deixa sair ‘flatus vocis’, isto é, palavras vazias. Bastaria comparar com a convicção dos vendedores de feira, que nos impingem o produto sem dele necessitarmos. Não haverá, em muita pregação, falta de entusiasmo naquilo que se diz e como se diz? É verdade que não se pode exigir a todos a mesma intensidade de comunicação, mas sem chama não se incendia nada nem ninguém. Questões de verborreia podem atrair, mas não convencem!

4. Vive o que ensinas – eis um grande e solene desafio à coerência entre a palavra e a vida, esta pode e deve confirmar aquela. Certamente todos conhecemos o adágio – ‘bem prega frei Tomás, olhai o que ele diz e não o que ele faz’. Mais do que uma frase do rifoneiro popular, importa reconhecer a necessidade da coerência de tudo quanto lhe está adstrito. Hoje como nunca é essencial que todos sejamos dignos de credibilidade mais do que pelas boas intenções pelas obras, que explicarão o que pensamos, dizemos e vivemos.

5. No domingo da Palavra de Deus temos um farol para assim sermos cristãos/católicos credíveis…



António Sílvio Couto

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Que relação entre criminalidade e pobreza?

 

«É um preconceito e é um insulto para milhares de portugueses a mera sugestão de que quem vive em contextos sociais duros e desafiantes tem maior probabilidade de infringir a lei e agredir outros cidadãos e elementos das forças de segurança... Tal sugestão seria não acreditar no funcionamento do elevador social, recordando os tempos em que o número de pessoas em contextos e condições sociais complexas era superior e o número de crimes era menor...Num estado de direito democrático, cada pessoa, cada um de nós, tem de fazer uma escolha».

Estas afirmações foram proferidas pela ministra responsável das forças de segurança no parlamento nacional, aquando de uma audição sobre acontecimentos recentes envolvendo forças daquela área.

1. Não foram necessários muitos minutos para que elementos de outras colorações ideológicas viessem a terreiro contestar aquelas perspetivas enunciadas, lançando como que um labéu sobre os pobres, fazendo como que potenciais criminosos e, pior, como que conectando pobreza com criminalidade e vice-versa. Mas será, assim, tão linear que os pobres são potencialmente criminosos? Não será que muitos destes são exatamente os ricos e cheios de fortunas ganhas na criminalidade? Até onde irá a complacência para com certos mentores da crispação social, económica e ética? Não andaremos à procura de fatores de distração em vez de enfrentarmos as causas tanto da pobreza quanto da criminalidade? Até onde poderemos ir - isso sim - na correlação entre a injustiça como acicate da criminalidade? A justiça não se terá tornado fator de prolongamento da criminalidade quanto é lenta, cara e imoral? Num tempo de superficialidade importa não nos quedarmos por clichés baratos e populistas...

2. A conexão entre liberdade e segurança é por demais simples e incisiva, pois uma e outra não podem ser absolutizadas nem tornadas excluidoras uma da outra: para termos liberdade precisamos de segurança e esta favorece e fomenta aquela. Mal vai um país onde se toma posição por uma sem incluir a outra, pois ambas são necessárias para a harmonia social mais elementar e democrática. Das experiências vistas noutras paragens podemos perceber que liberdade sem segurança cria conflitualidade social e segurança sem liberdade pode resvalar para a ditadura... Dá a impressão que muita gente - dos meios políticos e económicos - não aprendeu nada como outros regimes e em épocas de antanho.

3. Algumas das acusações proferidas em público mais parecem servir agendas subterrâneas do que são propostas de solução desse flagelo imoral que é a pobreza, notando-se que há muitos interesses em mantê-la. Com efeito, tantos concidadãos estão presos pela boca - pelo que lhes dão de comer ou através de subsídios - porque continuam a ser pobres e reproduzem ainda mais pobreza. Há quem nasça pobre e não se torne criminoso e há criminosos que enriqueceram de forma desonesta, não escondendo, na sua ignorância, os sinais de riquezas... Já o referi várias vezes: os pobres alimentam interesses de muita gente, sejam os organismos estatais, sejam as associações e trabalhos (ditos) cívicos e até a organizações eclesiais, desde as mais simples até às complexas... Se tirassem os pobres da agenda política alguns ficariam desempregados e sem saberem fazer nada de útil.


4. Já dizia S. Agostinho: em cada um de nós coexiste o maior santo e o pior criminoso, é uma questão do ambiente onde vivemos. Com efeito, o meio-ambiente faz de nós e em nós muito daquilo que somos e como nos manifestamos em sociedade. Por isso, a tema da criminalidade não pode ser analisado de forma banal nem as consequências daquilo que vivemos e como isso acontece com os outros deixa de ser de somenos importância. Quem não conhece pessoas sérias, leais e honestas em meios quase degradados e, pelo contrário, em situações mais articuladas entre as pessoas se manifestam problemas com gravidade quase criminosa. O ambiente somos nós que o fazemos e este também nos educa segundo os seus valores, critérios e condicionamentos…. Será que são todos (ou minimamente) cristãos?



António Sílvio Couto

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Da Igreja piramidal à Igreja em círculos?

Por vezes, quando se queria falar da vida (interna e exterior) da Igreja usava-se a expressão: ‘Igreja piramidal’ para exprimir o excesso de hierarquização dos serviços entre os católicos, sobretudo alicerçada esta visão numa dimensão mais eclesiástica, decorrente de quem manda de cima-para-baixo.
Ora, atendendo aos momentos mais recentes – em especial no pontificado do Papa Francisco – têm-se vindo a tentar uma outra forma de presença em Igreja: numa atitude circular, isto é, em que todos estão à mesa sem haver, de per si, uma presidência ou algo que a faça entender...

1. Mas será esta a forma – a da postura circular – a mais essencial de lermos, vermos, pensarmos e sentirmos a Igreja católica? Não correremos o risco de estarmos em muitas mesas em círculo e não fazermos comunhão? Não haverá o perigo de estarmos reunidos e em não estarmos unidos? Não se poderá dar o caso de criarmos a sensação de que todos temos a mesma responsabilidade, embora as razões possam ser diferentes? Até onde poderá ir o desafio da sinodalidade na construção da eclesialidade? Já teremos feito o caminho da descoberta dos carismas para que não venhamos a distorcer as causas do tempo piramidal? Até onde podereremos ir na refontalização bíblica à luz da dinâmica do Espírito de Deus nas pessoas e nas comunidades?

2. Confesso que a imagem de vermos mesas em círculo – na aula pontíficia vaticana, nos salões de Fátima ou nas reuniões do clero bracarense – como modelo de gerar a partilha e a discussão tem riscos e podemos andar a correr mais depressa do que as ideias: uma certa ideia ‘democrática’ pode pairar naquelas imagens e não deverá ser essa a dinâmica da Igreja nem na Igreja. Se atendermos aos princípios enunciados na constituição dogmática ‘Lumen gentium’ sobre a Igreja teremos de ir às fontes: a Igreja é e deve manifestar a imagem da Santíssima Trindade – povo de Deus (n.º 2), corpo de Cristo (n.º 3) e templo do Espírito Santo (n.º 4)... num encadeado simples, claro e de compromisso. Somos sim, Igreja peregrina à luz da Trindade!

3. Mais do que dar lições para os outros sinto-me na obrigação de refletir sobre esta ‘nova’ forma de implementar o estar em Igreja, na vocação a que fui chamado. Recordando a recente fórmula de nomeação da função de pároco lá se diz: investido no munus de ensinar, de santificar e de govenar. Estas três dimensões adstritas à função de pároco comportam aspetos que exigem da mesma pessoa capacidade e qualidades para assumir isso que lhe é apresentado como tarefa e que se torna, por vezes, quase incomportável na mesma pessoa e que o possa exercer de forma capaz e com a mesma tenacidade humana. Por vezes as pessoas querem que um padre possa ser, de forma igual e capazmente, um bom pregador e um bom confessor, um bom executor de trabalhos materiais e um bom fomentador da caridade, um bom presidente (litúrgico) e um bom cantor... O chefe da orquestra não terá de tocar todos os instrumentos, mesmo que saiba interpretar as músicas de cada naipe. Por vezes o discernimento vocacional para o ministério sacerdotal precisa de mais capacidade de humildade do que de investimento em autoridade, essa onde se alicerçava a Igreja-piramidal.

4. Devíamos ter iniciado a conjugação da Igreja sinodal pelo aprofundamento da teologia dos carismas e dos ministérios, numa Igreja comunitária e não só funcional, onde cada um exerce sempre e só aqueles dons que podem edificar os outros. Ao juntar as pessoas à volta de uma mesa sem que elas tenham já descoberto e possam ter-lhe sido confirmados pela comunidade os carismas podemos fazer correr riscos e mesmo queimar etapas de reflexão e de vivência da própria sinodalidade. Não é isso que parece ter sido feito? Quisemos que todos – ou a maior parte – dos fiéis entrassem nesta dinâmica sinodal, mas dá a impressão que nos esquecemos de ir mais a fundo no mergulhar das raízes da comunidade primigénia, aí onde o Espírito inspirava e conduzia os irmãos na mesma dinâmica de serviço, de fraternidade e de comunhão.

5. As cadeiras estão postas, como as vamos dispor: em círculo ou em fila? Encontremos a melhor resposta.



António Sílvio Couto

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Perceções a mais ou a menos?


‘Perceção’ é uma palavra que foi entrando no léxico generalizado da comunicação, sobretudo política, mas também social e até económica bem como ideológica. Gerou-se a sensação de que ter a perceção tem a ver com algo que é trazido à superfície – mental e psicológica – mas que ainda não tínhamos percebido que existia ou não era totalmente reconhecido… Estamos, de facto, perante uma nova grelha de leitura da realidade pessoal, social e quase eclesial.

1. Para ilustrar ou exemplificar situações deste fenómeno dito da ‘perceção’ olhemos para o tema da insegurança, o que implicaria o reconhecimento da falta de segurança. Alguns setores sociopolíticos têm trazido à colação estratégica a sua perceção de insegurança, servindo-se de sinais ou de fatores de menos boa segurança. Para isso têm-se servido de uma mentalidade desfavorável aos imigrantes (no todo ou nalguma das partes), fazendo-os fautores de atos e/ou presunções de práticas desviantes naquilo que se poderia relacionar com aspetos de agressividade ou mesmo de violência. Ao ser dada vez e voz a tais promotores destes aspetos desfavoráveis aos não-nacionais poderemos estar a criar uma perceção xenófoba, racista e persecutória daqueles que estão deslocados da sua terra em busca de melhores condições de vida para si e as suas famílias. Desde logo temos de proclamar que esta perceção é falsa na generalidade e pode ser negativa para todos…agora e no futuro.

2. Olhemos, por momentos, para outras situações de perceção que sentimos e que nos podem escapar: a perceção do frio/calor, a perceção de entendermos as coisas numa certa linha de pensamento, a perceção de que seria mais conveniente seguirmos uma certa proposta em desfavor de outras, a subtil perceção de poderíamos ganhar ascendência sobre outrem se nos colocarmos num patamar mais credível…

Sobre a sensação/perceção de frio ou de calor é algo subjetivo e que pode tornar-se suscetível de ser contraditado se as condições interiores se modificarem. Quantas vezes eu posso ter frio e ao meu lado alguém, pelo exercício físico ou mesmo se as qualidades anto-morfológicas forem diferentes das minhas…

De facto, é mais vulgar do que parece ver que certas posições podem dar a sensação de vitória, mas que só no final das contas é que se apura o verdadeiro vencedor… Que o digam os desiludidos pelas sondagens em maré de eleições!

Mesmo que possa parecer abusivo na interpretação há casos em que a colocação na linha de partida dá a impressão de vitória, tenho a perceção de que os resultados desmentem quem assim se iludiu… Será falsa ou melindrosa tal perceção!

3. Dá-me a perceção de que o ‘panteão nacional’ se está a converter num recurso para fazer dele uma espécie de vala-comum das grandes figuras nacionais, isto é, de que a bitola de quem é levado/colocado na Igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, está a ficar bastante lasso… Vejamos quem acolhe e homenageia o ‘panteão nacional’: personalidades homenageadas – Luís de Camões, Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Afonso de Albuquerque, D. Nuno Álvares Pereira e Aristides de Sousa Mendes; personalidades sepultadas: Presidentes da República Manuel de Arriaga, Teófilo Braga, Sidónio Pais e Óscar Carmona; figura política: Humberto Delgado; os escritores Almeida Garrett, Aquilino Ribeiro, Guerra Junqueiro e João de Deus, Sophia de Mello Breyner Andresen e (recentemente) Eça de Queirós; da vida artística – Amália Rodrigues e do desporto – Eusébio da Silva Ferreira.

Talvez não fosse necessário nem recomendável que se retirassem de junto das populações certas figuras e personalidades de referência, lança-as na turbulência da capital, onde nem sempre se valoriza que ali é colocado…Quem ganha com este distanciamento?

4. Isto da perceção é, de facto, muito subjetivo e pode tornar-se nesta vaga de superficialidades reinante, mais um recurso para os inúteis e oportunistas… Ou será que isto é (só) a minha perceção?



António Sílvio Couto

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

O que fizeste do teu batismo?

 

Aquando das JMJ de 1997, em Paris, França, o Papa João Paulo II deixou-nos uma frase tão provocadora quão emblemática: ‘França, filha predileta da Igreja, o que fizestes com o teu batismo’? Por ocasião da celebração da festa do Batismo do Senhor, podemos e devemos refletir sobre esta semente divina que nos foi concedida – em boa parte em tenra idade – e mesmo à mudança de atitude de tantos dos crentes sobre este sacramento da iniciação cristã.

1. Numa leitura histórica do papel da França na dinâmica do cristianismo podemos ver a sua importância atendendo às diversas manifestações de Nossa Senhora – Lourdes, La Sallete e Paris ou ainda as centenas de santos e santas, doutores da Igreja ao mundo, sendo ainda palco de vandalismo às suas igrejas e Notre Dame (que sobreviveu à Revolução francesa e a duas grandes guerras mundiais) teve um incêndio em abril de 2019... Enquanto isso a França de hoje presencia o número de cristãos em redução e ao invés o número de islâmicos vai crescendo e o paganismo alastrando, sobretudo entre os jovens...

2. Atendendo àquilo que João Paulo II disse na França e à França ainda no século passado precisamos de aferir o que devemos mudar na Igreja, como Igreja e para a Igreja, quanto ao sacramento do batismo. Desde logo é questionável que se tenha vindo a afirmar uma tendência de fazer deste sacramento mais um ‘ato social’ do que uma celebração da fé. Por que se há de adiar o batismo de uma criança, se os pais têm um mínimo de fé? Devemos ter em conta que não será preciso que os pais sejam batizados para ser dado o batismo à criança, pois ela recebe essa semente de vida em Deus e pode, se devidamente acompanhada, crescer em ambiente de fé na Igreja. Quem nos diz que será perdida para Deus a semente de fé que lançamos nesse novo cristão?

3. Por vezes as exigências quanto aos padrinhos – em certos lugares (dioceses ou paróquias) requerendo o crisma e até alguma idade quase-adulta – pode sofrer de algum complexo de cristandade, dado que muitos dos padrinhos apresentados não reúnem as condições suficientes para a tarefa que lhes é imputada e, nem por isso, deveríamos não-batizar uma criança...Alguns problemas gerados por causa deste tema tornam-se mais ocasião de conflito do que oportunidade de graça. Quanto mais torcermos as razões, piores ficarão as consequências, atendendo à ignorância de tantos dos nossos fregueses...

4. Pelo facto de muitos dos atuais cristãos/católicos terem sido batizados na condição etária de criança torna-se essencial que haja um tempo de catecumenato – seria de preparação anterior à celebração e agora necessário a posteriori – em que se reflita, aprofunde e consciencialize os efeitos do batismo na nossa vida. Vejamos o que nos diz o Catecismo da Igreja Católica sobre este aspeto: «O fruto do Batismo ou graça batismal é uma realidade rica que inclui: a remissão do pecado original e de todos os pecados pessoais; o renascimento para uma vida nova, pela qual o homem se torna filho adotivo do Pai, membro de Cristo, templo do Espírito Santo. Por esse facto, o batizado é incorporado na Igreja, corpo de Cristo, e tornado participante do sacerdócio de Cristo» (n.º 1279). Será assim mesmo que vivemos e assumimos a graça do batismo? Até onde irá a capacidade de distinguir entre o essencial e o secundário, em tantos que ainda solicitam a receção do batismo?

5. Por ocasião da celebração litúrgica da festa do Batismo do Senhor seria útil e conveniente que fosse facultada – em contexto da fé comunitária – a vivência em ação de graças para todos quantos celebraram o seu batismo ao longo do ano. Não deixa de ser preocupante e de colocar inquietação sobre a diminuição de batismos atualmente. Mesmo em ambiente de festa social – quando deveria ser de fé – o batismo é uma oportunidade de agradecer e de consciencializar esse dom que a Igreja nos deu há mais ou menos tempo...



António Sílvio Couto

sábado, 4 de janeiro de 2025

Atualização do significado dos ‘magos vindos do Oriente’ (*)

 


«Quando se aproxima a festa da Epifânia, colocam-se no Presépio as três figuras dos Reis Magos. Tendo observado a estrela, aqueles sábios e ricos senhores do Oriente puseram-se a caminho rumo a Belém para conhecer Jesus e oferecer-Lhe de presente ouro, incenso e mirra. Estes presentes têm também um significado alegórico: o ouro honra a realeza de Jesus; o incenso, a sua divindade; a mirra, a sua humanidade sagrada que experimentará a morte e a sepultura. (...) Os Magos ensinam que se pode partir de muito longe para chegar a Cristo: são homens ricos, estrangeiros sábios, sedentos de infinito, que saem para uma viagem longa e perigosa e que os leva até Belém (cf. Mt 2, 1-12). À vista do Menino Rei, invade-os uma grande alegria. Não se deixam escandalizar pela pobreza do ambiente; não hesitam em pôr-se de joelhos e adorá-Lo. Diante d’Ele compreendem que Deus, tal como regula com soberana sabedoria o curso dos astros, assim também guia o curso da história, derrubando os poderosos e exaltando os humildes. E de certeza, quando regressaram ao seu país, falaram deste encontro surpreendente com o Messias, inaugurando a viagem do Evangelho entre os gentios» (1).

«1 Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes, chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente. 2 E perguntaram: «Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo.» 3 Ao ouvir tal notícia, o rei Herodes perturbou-se e toda a Jerusalém com ele. 4 E, reunindo todos os sumos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. 5 Eles responderam: «Em Belém da Judeia, pois assim foi escrito pelo profeta: 6 E tu, Belém, terra de Judá, de modo nenhum és a menor entre as principais cidades da Judeia; porque de ti vai sair o Príncipe que há-de apascentar o meu povo de Israel».

7 Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exactas sobre a data em que a estrela lhes tinha aparecido. 8 E, enviando-os a Belém, disse-lhes: «Ide e informai-vos cuidadosamente acerca do menino; e, depois de o encontrardes, vinde comunicar-mo para eu ir também prestar-lhe homenagem.» 9 Depois de ter ouvido o rei, os magos puseram-se a caminho. E a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o menino, parou. 10 Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria; 11 e, entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra. 12 Avisados em sonhos para não voltarem junto de Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho» (Mt 2, 1-12).

Embora seja um texto relacionado com São José, na medida em que nos aparece no evangelho de São Mateus, que tem José por figura central da revelação de Jesus, fixamo-nos nas figuras dos Magos, como simbologia do mundo dos gentios.

* Enquadramento histórico-geográfico – «Tendo Jesus nascido em Belém da Judeia, no tempo do rei Herodes...Chegaram a Jerusalém. «Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?» (vv. 1-2).
Eis as coordenadas desta narrativa: reinava Herodes, quando nasceu Jesus em Belém da Judeia e chegaram a Jerusalém, uns magos vindos do Oriente. Encontramos aqui paralelos, por contraste, que nos podem ajudar a ler este texto: Herodes-Jerusalém; Jesus-Belém... isto é, o rei que tem poder está na cidade, enquanto o novo rei acabado de nascer, com autoridade, numa recôndita povoação da Judeia, cria preocupação ao poder estabelecido. Quem traz a desinstalação vem de fora e incomoda... são os magos vindos do Oriente.
O Herodes aqui referido é «Herodes, o Grande, [que] nasceu cerca de 73 a.C. Filho de Antipater, foi adquirindo cada vez mais poder na Galileia e na Judeia, a partir do ano 47. Político hábil, grande construtor e governador cruel, aliou-se ao partido dos fariseus e aos romanos, de quem recebeu benesses. Morreu no ano 4 a.C., podendo fixar-se o nascimento de Jesus dois anos antes (Lc 1,5; 2,1-2; 3,1-2). Pondo o rei Herodes em relação com Jesus, Mateus salienta o quadro histórico do evento e anuncia o conflito que irá opor o verdadeiro rei e salvador do povo às autoridades» (2).

* Quem eram os ‘magos’? – «Chegaram a Jerusalém uns magos vindos do Oriente» (v. 1 c).
O conceito de ‘mago’ poderá ter diversos sentidos: como membros de uma casta sacerdotal persa; como detentores de um saber e de um poder sobrenaturais; possíveis burlões, no sentido de praticante de magia; astrónomos e estudiosos da astrologia (3).
Porque entram, então, neste contexto bíblico e são referidos os magos por São Mateus e não por São Lucas? Enquanto homens do saber, os magos envolveriam algo que o cristianismo devia ser, desde as suas origens? Nota-se na mensagem dos magos uma abertura ao saber, mesmo que fora dos quadros religiosos do povo de Deus? Os homens de que fala São Mateus não eram apenas astrónomos – estudiosos dos astros, na linha dos ‘cientistas’ babilónicos – mas eram ‘sábios’, pois representavam a dinâmica de ir para além de si próprio que é intrínseca à religião. Eles configuram uma dinâmica que é a busca da verdade, a procura do verdadeiro Deus. No caminho que fazem em busca do ‘rei dos judeus que acaba de nascer’, os magos simbolizam o caminho das religiões para Jesus, bem como a autossuperação da ciência rumo a Ele. Aqueles homens são antecessores, precursores e indagadores que desafiam os homens de todos os tempos a fazerem o mesmo percurso ao encontro de Jesus. Mesmo sem reduzirmos os magos a três, eles manifestam em sumário a universalidade dos reinos, podendo cada um representam os três continentes (África, Ásia e Europa) conhecidos ao tempo. Outros interpretam os possíveis ‘três’ magos ainda como as três idades da vida do homem: juventude, idade adulta e velhice (4)... que convergem sempre para Jesus.

* Significado da ‘estrela’ - «Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-lo (...) E a estrela que tinham visto no Oriente ia adiante deles, até que, chegando ao lugar onde estava o menino, parou. Ao ver a estrela, sentiram imensa alegria» (vv. 2b. 9-10).
Que tipo de estrela era? Existiu mesmo esta estrela?
A ‘estrela no Oriente’ (v. 9) não corresponde aos astros que, segundo os antigos, determinavam o futuro dos heróis. Por desígnio divino, Jesus é indicado aos Magos como o rei messiânico a quem se deve adorar. A expressão traduz um título messiânico (Nm 24,17), que naturalmente foi aplicado a Jesus (2 Pe 1,19). Ora, de que estrela se trata? Os magos viram-na no Oriente. Isso significava que eles estavam (ou estiveram) de atalaia para verem tal ‘estrela’?
Várias hipóteses se têm colocado para explicar esta ‘estrela’ vista (ou avistada) pelos magos no Oriente: poderia ser um fenómeno extraordinário, podendo ser também uma conjugação entre os planetas Júpiter (representava o principal deus babilónico, Marduc) e Saturno (seria, no quadro do zodíaco, o representante cósmico do povo judeu)... desta conjugação poder-se-ia deduzir um acontecimento importante universal: o nascimento, no país de Judá, de um soberano que havia de trazer a salvação... Ora, se andavam à procura de um recém-nascido como ‘rei dos judeus’ seria natural que fossem à procura no palácio do rei (5).
Há quem avente ainda que esta ‘estrela’ poderia ser o designado ‘cometa Halley’, que, segundo dados mais ou menos fiáveis, ter-se-á tornado visível nessa época do nascimento de Jesus... Mas também isto não passa de uma suposição. De facto, este fenómeno é, antes de tudo, algo com incidência teológica e tentar encontrar explicações muito cientifistas poderá distrair do essencial: a estrela é, acima de tudo, Jesus! Não é a estrela que determina o destino do Menino, mas o Menino que guia a estrela...

* Em Jerusalém – «E, reunindo todos os sumos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias. (...) Então Herodes mandou chamar secretamente os magos e pediu-lhes informações exactas sobre a data em que a estrela lhes tinha aparecido» (vv. 4-5.7).
Chegados a Jerusalém, a cidade religiosa e política, os magos vão criar algum burburinho com a pergunta que fazem... estavam todos - políticos e religiosos, povo e dirigentes - tão ocupados consigo mesmos que nem se aperceberam que algo de importante tinha acontecido. «Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?» (v. 2). Não questionam algo de somenos, mas onde tinha nascido o ‘rei dos judeus’. Ora, Herodes que até já tinha matado parentes que o enfrentaram no seu poder, inquieta-se e tenta esclarecer-se.
«Os sumos sacerdotes e escribas, também chamados "doutores da Lei", são os responsáveis pela vida religiosa do povo. Os dois grupos aparecerão reunidos outra vez contra Jesus, quando Ele entrar solenemente em Jerusalém (21,15). Mt associa mais vezes os sumos sacerdotes aos anciãos, para indicar os chefes do povo como responsáveis pelo drama da rejeição de Jesus (26, 3. 47; 27,1)» (6).
Tudo entra em rebuliço e vão consultar as profecias. A citação de Mq 5, 1-2 sublinha a importância não de Jerusalém, mas de Belém, uma modesta aldeia de Judá, ligada às origens da dinastia de David (cf. 1 Sm 16, 1-13). A citação neste contexto viu naquele oráculo o anúncio do nascimento de Jesus em Belém (cf. Lc 2, 4)... que, apesar de parecer insignificante, se tornará numa das principais cidades de Judá, pois dela sairá o ‘pastor de Israel’...à semelhança de David, escolhido enquanto cuidava do rebanho de seu pai!
Tal como no processo da sua paixão também no seu nascimento - referido como ‘rei dos judeus’ e não ‘de Israel’ - Jesus cria alvoroço, ligando as duas pontas do mesmo mistério, o nascimento e a morte (cf. Mt 21,10). Enquanto estão na cidade de Jerusalém, os magos perdem a estrela. Esclarecidos sobre o local onde deveria ter nascido o Menino, eles voltam ao caminho de procura e de andança, embora seduzidos pelas artimanhas de Herodes. Mais do que um lugar geográfico, Belém é uma indicação teológica, que eles confirmarão em breve.

* Adoração do Menino – «E, entrando na casa, viram o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se, adoraram-no; e, abrindo os cofres, ofereceram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra» (v. 11).
São Mateus coloca-nos o Menino e a mãe - não há referência explícita a José - numa ‘casa’ e já não na gruta. Esta foi simplesmente o lugar teológico do despojamento do ‘rei’?
A chegada dos magos junto do Menino gera vários movimentos (interiores e exteriores): prostram-se e adoram-no e ainda abrem os tesouros e oferecem-lhe presentes... Sobretudo temos o reconhecimento da grandeza daquele Menino, que eles vieram em procura, tendo de ultrapassar obstáculos e dificuldades.
Oferecem: ouro, incenso e mirra. Ligados tradicionalmente à Arábia, estes bens significavam as dádivas de todos os povos ao Messias esperado (Sl 72, 10. 11.15; Is 60,6). A Igreja viu nesses dons símbolos da realeza, da divindade e da humanidade sofredora de Cristo (7).

A terminar o texto diz-se que os magos «avisados em sonhos para não voltarem junto de Herodes, regressaram ao seu país por outro caminho» (v. 12). Qual o significado desta mundança de caminho? Poderemos considerer que o verdadeiro encontro com Jesus exige evitar os cmaminhos de Herodes, da hipocrisia e do medo, pois encontrada a Luz, ela faz irradiar a alegria e anunciar a Boa Nova do Menino adorado, contemplado e servido.



1. Cf. Papa Francisco, Carta apostólica ‘Admirabile signum’ sobre o significado e o valor do presépio (2019), n.º 9.

2. Cf. Nota a Mt 2,1 na Bíblia sagrada dos capuchinhos.
3. Cf. Adrian Leske, ‘Mateo’, in William R. Farmer, Comentario Bíblico Internacional, Estella, Editorial Verbo Divino, 2003, p. 1147.
4. Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré - a infância de Jesus, Cascais, Principia, 2012, pp. 82-83.

5. Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré - a infância de Jesus, pp. 83-87.
6. Cf. Nota a Mt 2,4, na Bíblia sagrada dos capuchinhos.
7. Cf. Joseph Ratzinger/Bento XVI, Jesus de Nazaré - a infância de Jesus pp. 90-91.





(*) Texto extraído de António Silvio Couto, Chamados e enviados como testemunhas, Prior Velho, 2023, pp. 67-73.



sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Das previsões à irrequietude

 

Por esta ocasião do ano – final de um e dealbar de outro – surgem imensas propostas de previsão – noutras circunstâncias dizia-se augúrios – do que pode trazer o ‘novo ano’, atendendo aos diversos e costumeiros itens de ‘aúde-dinheiro-amor’ seja qual for o campo, a idade ou mesmo a condições económica… é o tempo do horóscopo nacional….Por outro lado, vemos que diversas pessoas – muitas delas da esfera da Igreja – manifestam uma irrequietude que incomoda, tal a vontade de aparecer, de falar, de estar na crista-da-onda.

1. Naqueles/as que fazem as previsões como que sinto algo que se torna confrangedor, pois parece que são bons a dar lições mas fracos a acertarem nas suas consequências… quantas vezes parecendo roçar a charlatanice e algo que tem a ver com o entretenimento, a diversão e a superficialidade. Se atendermos às previsões apresentadas, na sua maioria, servem-se do esquema do zodíaco para tentarem seduzir os consultores e adular os consultados. Aspetos como as cores dominantes ou o recurso a amuletos, sugestões para as (melhores) escolhas a fazer e tantas outras propostas em razão das apreensões para o bem-estar pessoal a curto e a médio prazo.

2. Não deixou de ser algo nesta linha de previsões de cartomantes e tarólogas – mais ou menos famosas ou principiantes – as leituras que quiseram fazer das palavras da mensagem do Presidente da República: aqui se tentaram ver cifradas algumas insinuações, alfinetadas e sugestões a outros atores políticos: mais do que no passado, a mensagem do PR pareceu uma lição – breve, não teve nem dez minutos – de previsão de mágico habilidoso...agora que está prestes a recolher o material da feira que armou ao longo dos dois mandatos.

3. De repente eis que vemos certas figuras da Igreja católica num frenesim quase doentio: mais do que o fermento na massa como que descobrimos pessoas que pretendem estar em todo o lugar, mesmo que pensem depois de falar e que bem espremido o que dizem pouco ou nada se retenha de suficiente. Num tempo em que a exibição rivaliza com a humildade não tenho visto esta a ser servida na dose correta e necessária. Com efeito, mais do que aparecer é preciso ser fermento eficiente e silencioso, capaz de salgar sem perder o sabor ou tornar-se-á pior que o esterco que corrompe e mata…E o pior que, em muitas dioceses, a irrequietude dos responsáveis parece tornar-se contagiosa de outros.

4. Sobre estas duas questões encontrei uma sugestão interessante que pode aquietar uns e outros. É a designada ‘oração da serenidade’ de um autor americano, tornada pública em meados do século passado.

«Concedei-me, Senhor a serenidade necessária

Para aceitar as coisas que não posso modificar.

Coragem para modificar aquelas que posso

E sabedoria para conhecer a diferença entre elas.

Vivendo um dia de cada vez,

Desfrutando um momento de cada vez,

Aceitando que as dificuldades constituem o caminho à paz,

Aceitando, como Ele aceitou

Este mundo tal como é, e não como eu queria que fosse,

Confiando que Ele acertará tudo

Contanto que eu me entregue à Sua vontade

Para que eu seja razoavelmente feliz nesta vida

E supremamente feliz com Ele eternamente na próxima».

Numa interpretação mais ou menos intensa poderemos encontrar nesta ‘oração da serenidade’ três desafios: à serenidade – aceitar as coisas que não posso mudar; à coragem – superar as dificuldades que podemos; à sabedoria – discernimento para aceitar a situação e enfrentá-la.

É assim que vivemos e queremos estar neste novo ano?



António Sílvio Couto

Injustiças legalizadas?

 


A entrada em funcionamento das portagens não-pagas nalgumas scut’s (portagens sem custos para os utilizadores) criou uma evidente injustiça, pois quem não utiliza essas auto-estradas paga para que outros por lá passem sem terem pagar. O método mais justo, eficiente e eficaz é o do ‘utilizador-pagador’, pois quem usufrui do serviço deve pagá-lo... Tudo o resto soa a demagogia, senão mesmo a populismo barato.

1. Vejamos em que constava o tal serviço ‘scut’. O conceito de portagens ‘scut’ foi introduzido em Portugal em 1997 durante o governo de António Guterres, sendo baseado no modelo das shadow toll (portagens virtuais), o qual já era implementado no Reino Unido desde 1993. O primeiro contrato a ser assinado foi o da Concessão da Beira Interior (em setembro de 1999), através do qual o Estado português entregou aquela concessão à empresa Scutvias por um período de 30 anos. Nesta concessão (tal como nas outras 9 concessões SCUT que viriam a ser criadas), o concessionário privado não só recebeu a responsabilidade de construir novas estradas como também de manter estradas que já existiam. Deste modo, em finais da década de 2000 existiam em Portugal dez concessões financiadas por portagens ‘scut’, cujos contratos haviam sido assinados entre 1999 e 2006.

Entre 2010 e 2016, praticamente todos os contratos de concessões ‘scut’ foram revistos, em parte com o objetivo de diminuir as rendas pagas pelos concedentes aos concessionários. No caso das concessões do Estado, as alterações incluíram não só a mudança total do modelo de concessão (passaram de um regime de portagens ‘scut’ para um regime de disponibilidade) como também a introdução de portagens reais, uma medida que se revelou bastante controversa desde que foi proposta pela primeira vez (em 2002) e que trouxe este modelo de financiamento para a discussão na praça pública.

2. As reivindicações quanto ao não-pagamento de portagem nas ex-scut teve implicações, no início deste ano, nalgumas situações mais reivindicativas. Em causa estão as portagens dos seguintes troços de autoestrada: A4 (transmontana e túnel do Marão); A13 e A13-1 (Pinhal Interior); A22 (Algarve); A23 (Beira Interior); A24 (Interior Norte); A25 (Beiras Litoral e Alta); A28 (Minho nos troços entre Esposende e Antas e entre Neiva e Darque). Com esta discriminação se pretendeu dar, a certas regiões mais no interior do país, a possibilidade de terem melhores condições de deslocação, dado que as alternativas a essas vias estavam em menos boas referências, segundo os reivindicativos.

3. Segundo alguns mentores desta mudança na forma de uso da ‘scut’ pretende-se promover a coesão territorial, aliviando os custos financeiros para os condutores e incentivando o desenvolvimento económico das regiões afetadas. O custo estimado desta política para os cofres do Estado é de cerca de 157 milhões de euros em 2025, podendo atingir 1,5 mil milhões de euros até ao final das concessões, em 2040. Entretanto, a associação dos concessionários (de autoestradas e de pontes com portagens) alertou para o impacto desta medida nos contribuintes, sublinhando que os custos de manutenção e operação das vias serão agora suportados integralmente pelo erário público… Tanto dinheiro a gastar terá os seus custos, nas contas gerais, irremediavelmente!

4. Não será que esta discriminação é quase-cega e que deixa alguém em risco? Por que tem de pagar aquelas ‘scut’ quem lá não passa? Mesmo que se pretenda ajudar quem vive no interior não será com medidas destas à la carte que se irá beneficiar e potenciar certas regiões… Iremos continuar a ter pavimentos nessas ‘scut’ de qualidade mínima, se for o erário público a suportar os custos?

5. A ‘engenharia’ ideológica, que uniu socialistas e extremistas de direita – usando a nomenclatura em uso no léxico partidário – dá a impressão que foi engendrada para servir certas candidaturas autárquicas. Assim sendo, pouco importa quem propõe ou quem votou: os interesses e arranjos de futuro foram pensados agora. Será que serão recompensados, quando forem sufragados?



António Sílvio Couto