Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



segunda-feira, 17 de julho de 2023

XL padre

 


Atingida a idade de 40 anos de padre pode ser útil olhar para trás, ver o feito, reconhecer os erros e corrigi-los; aceitar as etapas da caminhada com os avanços e recuos; perceber o essencial, mesmo o aparentemente menos relevante; por fim, atender ao breve futuro...

Vejamos:
- Olhar para trás e ver: nascido numa terra sem grande história, numa família nitidamente pobre e numa época socialmente triste...Cheguei a ir para escola descalço, sem rádio nem televisão em casa, viva-se com o que a terra dava e ao sabor do pouco que bastava, em família aprendi a conjugar os verbos na forma do condicional - se podes compras, se não tens meios, esperas...dívidas o menos possível.
Saído aos dez anos do meio familiar e rural cheguei ao seminário, em Braga, quando a cidade era pequena e ritmada pela clerizia. Entre 1969 e 1983 vivi nessa que marcou a sensibilidade eclesial e culturalmente. Num tempo de transição na Igreja, pelo Concílio Vaticano II, calhou-nos em sorte ser apanhados pela revolução de 1974... Desde essa época senti gosto pelas questões políticas, embora com certo desdém pelas de teor ideológico-partidário. Só a partir dos estudos teológicos comecei a manifestar melhor classificação. Vem desse tempo a iniciação na escrita, na revista Cenáculo, que da leitura exercitei-a, sobretudo, nas férias no remanso natal... não era de cafés e não havia dinheiro para diversões.
Perdi o pai aos dezassete anos e encontrei um movimento de espiritualidade pela mesma ocasião... este deu-me uma leitura da Igreja na linha da refontalização conciliar e na dinâmica pneumatológica emergente.

- Reconhecer e aceitar: ordenado padre nunca me pareceu ir seguir a tarefa de pároco, antes me reduzia a ser escrevinhador de notícias no jornal: foram quase quatro anos, embora me tenha ficado o cheio das rotativas nas narinas. Quase de repente caí em duas paróquias, embora auxiliado por um grupo de caminhada cristã onde estava inserido... por ali vivi até aos catorze anos de padre, quase no final do milénio.
Regressado ao serviço diocesano fui desafiado a prestar serviço fora da diocese... assim cheguei, em 1997, a Sesimbra, só e à procura... não tinha a sequer 40 anos e passei de um certo resguardo para uma espécie de confronto, com a família à distância.
Por sorte ou por graça divina: embora não fosse (nem sou) engraçado, caí em graça, num meio algo desconfiado e um tanto rude. Estava a chegar a ‘expo/98’ e entrei com o barco em andamento. Fui-me aferindo à linguagem marítima e ao espírito assim religioso. Três aspetos marcaram esses anos: o confronto e aprofundamento da cristologia do Senhor das Chagas, as conferências quaresmais em treze edições e, por último, a proposta do ‘curso alpha’. Da vivência do ‘jubileu do ano 2000’ ficaram os azulejos com as estações da via-sacra espalhados pela vila piscatória...

- Perceber o essencial: depois de quase treze anos em Sesimbra, chegou a vez de mudar para a Moita, em 2010. Cerca de três dezenas de quilómetros que fazem a diferença: lá nunca tinha na missa à semana menos de cem pessoas, aqui, se tiver quinze é porque algo aconteceu de diferente; lá bastava uma sugestão havia adesão, aqui, por muito que tente, não há razoável recetividade; lá aprendi com o senhor das Chagas, aqui fui fazendo uma reflexão (teológica e pastoral) com as várias Nossas Senhoras; lá escrevia em vários jornais, aqui tive de inventar um blogue – com cerca de mil trezentos e cinquenta artigos – para exprimir o que penso e desejo comunicar reflexivamente... Aqui há uma coisa que faz gastar tempo e energias: o centro social paroquial.
Como dizia quando aqui cheguei, em agosto de 2010, vim para aprender e tenho aprendido muito...
Tenho-me entretido a escrever, alguns até consideram um exagero, mas se, assim não fosse, talvez já tivesse flipado dos neurónios...

- Atender ao futuro (em breve): a celebração destes 40 anos de padre é como que a antecipação redonda de não saber se chegarei aos 50. Dizem – na linguagem do casamento – que serão as ‘bodas de esmeralda’... como pedra preciosa... numa alusão a algo duradouro, que precisa de estima, de unidade e de sabedoria... para continuar por mais alguns tempos.
Neste sentido gostaria de exprimir breves desejos: que possa continuar fiel a Deus e à Igreja, seja onde for, procurando colocar os dons de Deus a render sem desânimo; viver e levar a viver a entrega a Jesus... que a saúde possa ajudar a prosseguir tudo quanto Deus quiser de mim!



António Sílvio Couto

(17 de julho de 2023)

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