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quarta-feira, 19 de julho de 2023

Dos vendedores de patranhas aos guias espirituais

 

Desde há algum tempo a esta parte temos vindo a assistir à denúncia de certas figuras tidas por mentoras – uma espécie de gurus recauchutados e atualizados às necessidades mais prementes – de proposta de sucesso na vida e nas coisas dos negócios. Como a subtileza dos projetos era bastante audaciosa e quase irrealizável, os ‘enganados’ vão surgindo à luz do dia com medo e alguma vergonha… quase se notando um complexo de culpa à mistura com algum arrependimento atroz. Para alimentar o folhetim nem faltam figuras (ditas) públicas do mundo do futebol e das áreas mais atreitas a fiarem-se em sugestões, que ignoram que só no dicionário é que aparece sucesso antes de trabalho.

1. No escarafunchar de casos temos visto a ser alimentado o role de situações onde a pretensão de sucesso rápido quis encurtar o tempo e a forma de o atingir. Cursos ao desbarato – não pelo preço, pois eram bem caros, mas sob a promessa de ser feito rapidamente – ou sob a condução de alguém tornada suspeita. Regra geral era explorada a faceta de que tudo parecia fácil, se atendessem aos exemplos evocados. Quase num toque de magia eram conseguidos os objetivos mais inquestionáveis, desde que os mentores não fossem colocados em causa. A atender aos métodos utilizados quase só os menos capazes não cumpririam as suas pretensões… O que mais era mostrado era a prossecução das façanhas económicas, essas que levaram a investir muito e, afinal, a colher tão pouco. É confrangedor ver o ar de estupefação de alguns dos vendedores de patranhas, tal a falta de convicção, mas ainda mais assustador constatar a vivência dos enganados, senão de facto ao menos de forma presumida! Feiticeiro, feitiço e enfeitiçados confundem-se…

2. Apesar de tudo estas notícias vieram trazer a público que muitas pessoas desejam enriquecer seja sob que forma for: desde que possa ser de forma rápida até parecem que estão dispostas a investir o certo e o inseguro. Qual a razão deste fascínio pela riqueza com que nos vão ludibriando? A quem interessa vender a pretensão de que se vai entrar na alta esfera do sucesso, quando ainda não se digeriu a incapacidade de enfrentar o erro? Esta onda de exaltação de ‘ser-rico-a-toda-a-prova’ não será mais uma artimanha deste mundo guiado pelo materialismo? Felizmente muitas pessoas não são nem podem ser ricas, pois, se na sua pobreza escondem tanta ambição, o que seria que tivessem poder para esmagar os outros!...

3. Perante muitas das patranhas de pessoas que tentam enganar as outras com competências que não têm ou com recursos inapropriados, torna-se essencial refletir sobre a necessidade de termos e de nos deixarmos conduzir por quem nos possa ajudar a discernir as questões – mais graves e/ou significativas – da nossa vida. A isto se costuma chamar ‘acompanhamento espiritual’, que o Papa Francisco descreve na exortação apostólica ‘Evangelii gaudium’, n.º 171: «Hoje mais do que nunca precisamos de homens e mulheres que conheçam, a partir da sua experiência de acompanhamento, o modo de proceder onde reine a prudência, a capacidade de compreensão, a arte de esperar, a docilidade ao Espírito, para no meio de todos defender as ovelhas a nós confiadas dos lobos que tentam desgarrar o rebanho. Precisamos de nos exercitar na arte de escutar, que é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual. Escutar ajuda-nos a individuar o gesto e a palavra oportunos que nos desinstalam da cómoda condição de espectadores. Só a partir desta escuta respeitosa e compassiva é que se pode encontrar os caminhos para um crescimento genuíno, despertar o desejo do ideal cristão, o anseio de corresponder plenamente ao amor de Deus e o anelo de desenvolver o melhor de quanto Deus semeou na nossa própria vida».

4. Quem faz este serviço em Igreja é servo dos seus irmãos, na linha de grandes fundamentais ‘diretores espirituais’ como Santa Teresa de Jesus e todo o seu método experimentado ao longo dos séculos. Deixem que testemunhe por vivência de graça de Deus aquilo que está em curso no Carmelo de São José, em Fátima, em encontros de padres de várias dioceses ao longo do ano pastoral. Aí se aprende e se partilha algo mais do que tricas pastoris, mas se faz a vivência na tradição carmelitana na Igreja católica. Esses são guias humildes!



António Sílvio Couto

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