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quinta-feira, 20 de julho de 2023

Corrupção – mal, habilidade ou sucesso?

 

Embora seja assunto recorrente, ainda como que escalda a boca e a mente quando é falado ou pensado: a corrupção. Eis uma espécie de definição-descritiva de ‘corrupção’: genericamente fala-se em corrupção quando uma pessoa, que ocupa uma posição dominante, aceita receber uma vantagem indevida em troca da prestação de um serviço. O crime de corrupção implica a conjugação dos seguintes quatro elementos: uma ação ou omissão; a prática de um ato lícito ou ilícito; a contrapartida de uma vantagem indevida; para o próprio ou para terceiro.

1. Agora que vemos as autoridades judiciais a trazerem este assunto dos calabouços mais fundos, como que poderemos perceber aspetos atinentes ao tema: quais os tipos de corrupção; abrangência da corrupção (pequena, grande, sistémica); causas da corrupção; métodos de corrupção (suborno, peculato, tráfico de influências, nepotismo, clientelismo); combate à corrupção…Esta hidra sócio-cultural tem atingido todos os campos de atividade, embora nalguns deles isso se perceba com tanta acutilância.

2. Chegados a este ponto da situação como que somos todos desafiados a enfrentar este problema, na medida em que ele pode constituir para o futuro próximo a maior ameaça à estabilidade da nossa sociedade e – porque não – o bem-estar de todos. Sempre que alguém tira proveito de algo que era comum em seu favor está a prejudicar a harmonia mínima. Que fascínio seduz quem pensa viver acima das suas posses, em função do emprego que tem, sem que isso não se venha a descobrir? Não será que algo ofusca a capacidade de pensar a quem se julga superior aos outros e que nunca se descobrirá?

3. Qualquer coisa não corre bem – segundo um modelo de valores humanistas – quando um habilidoso tenta enganar os outros, enganando-se a si mesmo, pois, embora possa sobreviver por certo tempo às patranhas que o fizeram enriquecer, não conseguirá fazê-lo todo o tempo ou para sempre. Por que será que as pessoas não se colocam esta questão tão simples e, por vezes, suficientemente, rápida? Os ditos ‘sinais exteriores de riqueza’ – de tantos beneficiados pela corrupção – não deveriam alertar quem fiscaliza e investiga? Até onde irá a onda de chico-espertismo’ com que nos vamos entretendo, sem atalharmos as causas mais do que em combatermos as consequências?

4. Vejamos uma leitura que o Papa Francisco faz na exortação apostólica ‘Evangelii gaudium’ sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual: «Os mecanismos da economia actual promovem uma exacerbação do consumo, mas sabe-se que o consumismo desenfreado, aliado à desigualdade social, é duplamente daninho para o tecido social. Assim, mais cedo ou mais tarde, a desigualdade social gera uma violência que as corridas armamentistas não resolvem nem poderão resolver jamais. Servem apenas para tentar enganar aqueles que reclamam maior segurança, como se hoje não se soubesse que as armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos. Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e pretendem encontrar a solução numa «educação» que os tranquilize e transforme em seres domesticados e inofensivos. Isto torna-se ainda mais irritante, quando os excluídos vêem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente radicada em muitos países – nos seus Governos, empresários e instituições – seja qual for a ideologia política dos governantes» (n.º 60).

5. Está na hora de acordarmos da letargia em que nos têm embalado, pois, para muitos convém continuar neste silêncio cúmplice de olhar para o lado ou de dar a entender que o assunto diz respeito aos outros e não a todos nós. A vermos pelos dados mais recentes do nosso país há mais interessados – desde o governo até aos partidos políticos, passando pelas estruturas económicas e laborais – em disfarçar o problema do que em enfrentá-lo, questionando-nos a sério. Como dizia alguém entre o jocoso e o insinuante: todos têm um preço, bastará cobrir o lanço! A verdade é o melhor remédio…

António Sílvio Couto

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