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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

A tanta velocidade, porquê e para quê?

 


Foi notícia por estes dias um acidente onde se rodava a 221 kms/hora, deixando vítimas: uma mortal e outros vários feridos…numa tarde de chuva, tendo por espaço de desenvolvimento a principal autoestrada do país e ainda provocando um rasto de comoção algo irracional em tantos dos ‘artistas’.

Mais do que encontrar as causas verdadeiras, uma boa parte dos ‘comovidos’ centrou a atenção nas consequências, como se os intervenientes não devessem ser responsabilizados, tantos os vivos como os falecidos. Notou-se, à boa maneira das reações emotivas dos latinos, que, dependendo dos objetivos e dos intervenientes, não se vai ao cerne da questão, iludindo até quem prevarica e quase culpando quem nada tem a ver com o episódio, isto é, a estrada e não quem conduzia o veículo acidentado, bem como os outros atingidos.

 = Nesta época de superficialidade, do volátil, do efémero e mesmo da impressão sem compreensão, este facto fez-me emergir certas interrogações sobre o modo como andamos, mais acelerados pela pressa – tantas vezes sem nexo – do que pela maturação daquilo que somos, como vivemos e para onde caminhamos. Por breves instantes vamos esmiuçar estes itens:

* O que somos? – dá a impressão que somos mais resultado da acumulação de fatores alienatórios do que da soma de vetores assimilados e assumidos com nexo de vida. Recordo uma frase, escrita na caixa do suporte de uma bicicleta, por estes dias: devagar, amigo, que tenho pressa! Sim, a pressa é inimiga da chegada, pois esta pode acontecer quando nos dermos conta de que a abreviamos, queimando etapas… 

* Como vivemos? – no afã de querermos ser eficientes, corremos o risco de não deixarmos maturar as coisas simples e significativas da vida. Recordo essa caraterização de três sinais representativos da pressa nos nossos dias: a aspirina, o micro-ondas e as fraldas para simbolizarem alguns dos momentos da nossa rápida vida. Quando temos dores não temos tempo de as cuidar, toma-se uma aspirina, que alivia por instantes… Não há tempo para cozinhar, compra-se feito e aquece-se… É preferível o descartável, pois não há tempo para lavar…

* Para onde vamos? – para além de alguma desorientação no sentido para onde caminhamos – seria interessante ver como as pessoas titubeiam ao longo do seu dia-a-dia – nota-se que, cada vez mais pessoas, andam sem nexo, tanto na vida moral como nos comportamentos…mais ao sabor da onda do que com um rumo acertado.

 = Um tanto à guisa de provocação ouso colocar alguns pontos para aprofundarmos a nossa capacidade de reflexão neste tempo de pandemia:

+ Descobrir – o sentido da própria existência e também do mundo que nos rodeia. Precisamos de ter tempo de silêncio para escutarmos quem somos, para onde vamos, como nos conduzimos e com quem caminhamos. A família já não é mais a base da educação. A escola – pretensamente acrítica – formata mais do que educa, influencia mais do que ministra conhecimentos, cria mais espírito de manada do que dá critérios de conduta. Mesmo na ‘vida social’ são mais os riscos de ser guiado por matizes de grupo – dizem ‘seguidores’ nas redes sociais – do que pela mobilização de valores. Quem não postar coisas no facebook é considerado fora de moda ou sem ‘amigos’…

+ Procurar – quando se foi perdendo o ‘trabalho’ de pensar, vemos como uma boa parte dos nossos coevos se deixa influenciar por ‘modas’ a roçar o ridículo, se não tivessem sido anacrónicas noutros tempos. Deixo só a vulgarização das calças rotas – aquilo que seria desleixo e manifestação de indigência há anos, agora vê-se em cada canto e como roupagem de cada rasgado.  

+ Conhecer – continua atual o desafio filosófico grego: ‘conhece-te a ti mesmo’. Com efeito, uma razoável maioria das pessoas como que se arrasta pelas vielas da vida, contentando-se com rebuscos de nada e alimentando-se com pilulas preconceituosas. De facto, precisamos de pessoas que cuidam do seu equilíbrio, humano, cultural e espiritual, dando tempo a si mesmas, para que saibam compreender os outros, mesmo nas suas falhas e falhanços…

A velocidade é, verdadeiramente, inimiga da paciência!          

 

António Sílvio Couto

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