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terça-feira, 22 de agosto de 2023

Peregrinos em fuga…depois das JMJ?

 


Duas semanas após as Jornadas Mundiais da Juventude, decorridas em Portugal, alguns (não se sabe o número exato) dos jovens, que entraram no nosso país e no designado ‘espaço Schengen’, com vistos turísticos, podem usufruir de certas regalias e, porque não, dar azo a outras tantas tropelias…

Ao que parece centenas desses jovens que vieram para as JMJ ainda não terão regressado aos países de origem, não se sabendo ainda se continuam por cá ou se aproveitaram as possibilidades que lhes ofereciam os vistos para divergirem para outras paragens…

1. As autoridades de segurança estão apreensivas sobre a localização destes jovens, que, tendo vindo às JMJ, não se sabe do seu paradeiro: podem estar no nosso país, mas também podem ter saído por essa Europa fora em busca de melhores condições de vida. A avaliar pelas possibilidades que lhes confere o visto obtido, poderão renovar a prorrogação de permanência no espaço Schengen…e irem em busca de emprego, emigrando ou saírem para outros países.

2. Diante destas hipóteses aventadas poder-se-á considerar que as JMJ foram tão-somente um alibi para chegarem à Europa em busca de melhores condições de vida? Os organizadores das JMJ (e as autoridades civis) poderão ser considerados cúmplices de algo que não conseguiram prever? A conjugação de fatores não terá servido de aliciante para que alguns jovens desfavorecidos de África ou da América Latina tenham pensado no seu futuro após as JMJ, em Lisboa?

3. Desde há algumas décadas a Europa tornou-se uma espécie de fascínio de povos-em-vias de desenvolvimento, muitos deles atraídos por um certo sucesso económico – mais virtual do que real – onde os mais aventureiros têm vindo à procura de algo que, embora seduza, nem sempre responde ao essencial. De muitas e variadas formas o ‘mare nostrum’ (mar Mediterrâneo) – de referência cultural e de sucesso noutras épocas – tem-se tornado o cemitério de tanta gente, sob o olhar cínico de muitos europeus. Não fosse a ação atenta, voluntária e audaz de algumas associações (muitas delas sob a tutela da Igreja católica) e teriam sido ainda mais graves as consequências diretas e indiretas. Por isso, vozes inquietas quanto aos resultados da ‘fuga’ de jovens participantes nas JMJ soam como que a hipocrisia, senão mesmo a mentira disfarçada de legalismo…

4. Nós, portugueses, somos de todos os povos europeus aqueles que mais têm de ter o coração aberto à hospitalidade, na medida em que os nossos conterrâneos também foram por esse mundo além em busca de melhores condições de vida para si mesmos e para os vindouros. Os mais de dois milhões de emigrantes lusos espalhados pelos quatro-cantos-da-terra são bem o exemplo da nossa vocação de partida. Se a isso juntarmos cerca de um milhão recebido em território nacional poderemos inferir que a marca da procura/acolhimento está-nos no sangue desde os tempos mais remotos…

5. Nesta época de acentuada (e quase agressiva) mobilidade de pessoas (individuais ou coletivas) e de bens como que temos de estar em contínua aferição aos desafios daquilo que nos traz quem chega à mistura com um diálogo cultural onde cada sabe quem é e vive em abertura àqueles que chegam ou partem. Nesta dinâmica relacional todos temos muito a aprender uns com os outros, sem sobrancerias, mas numa vivência de partilha, de comunhão e de fraternidade.

6. Mais do que ficarmos no refrão de ‘todos, todos, todos’ será preciso que aprendamos a situar-nos no tudo, que é referencial, Deus. Será nele e por ele que o diálogo de culturas, de gerações ou mesmo de expressões religiosas ganha novo e mais intenso sentido: nada fica fora dele e todos podem ser incluídos nele. Quando se corta esta linha de vivência andaremos a tentar enganar com maior ou menor artimanha…até à descoberta dos mais incautos!



António Sílvio Couto

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