Partilha de perspectivas... tanto quanto atualizadas.



terça-feira, 29 de agosto de 2023

O poder das chaves

 

«Jesus confiou a Pedro uma autoridade específica: «Dar-te-ei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus» (Mt 16, 19). O «poder das chaves» designa a autoridade para governar a Casa de Deus, que é a Igreja. Jesus, o «bom Pastor» (Jo 10, 11), confirmou este cargo depois da sua ressurreição: «Apascenta as minhas ovelhas» (Jo 21, 15-17). O poder de «ligar e desligar» significa a autoridade para absolver os pecados, pronunciar juízos doutrinais e tomar decisões disciplinares na Igreja. Jesus confiou esta autoridade à Igreja pelo ministério dos Apóstolos e particularmente pelo de Pedro, o único a quem confiou explicitamente as chaves do Reino» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 553).

- Estamos perante um texto de fundamental importância para nós Igreja católica, não para justificar a autoridade/poder na Igreja, mas para explicar esta mesma autoridade como serviço e como ligação contínua entre Jesus, através de Pedro e nós, hoje, em comunhão de Igreja.

- Vejamos os textos onde se alicerça esta reflexão e que nos serve de tema nos domingos vigésimo primeiro (cf. Mt 16,13-20) e no vigésimo segundo (cf. Mt 16, 21-28) do Ano litúrgico A... portanto este ano.

1) Da questão sobre a identidade (de Jesus) e resposta sobre a missão (de Pedro)
Jesus questiona os discípulos sobre quem diziam que era o ‘Filho do Homem’. Esta figura anunciada em Dn 7,13-14 é colocada em contraste com o Messias, mais esperado pelo povo de Israel como libertador espiritual e com implicações sócio-políticas. As ressonâncias/respostas dos discípulos dão a entender que já tinham percebido que o ‘filho do homem’ já se tinha vindo em João Batista, Elias, Jeremias e nalgum dos profetas.
À pergunta de Jesus - ‘e vós quem dizeis que eu sou?’ responde Simão Pedro - ‘Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo’. Deste modo se associam dois títulos messiânicos de Jesus e já não só na linha espiritual do ‘filho do homem’, mas na abrangência de ‘ungido, cristo’ que contém ‘Messias’, sendo explicitando que é o ‘Filho de Deus vivo’. Afirma-se, assim, a divindade de Jesus.
Por seu turno, o evangelista São Mateus apresenta-nos a resposta de Jesus, numa leitura de alta qualificação para com Simão, ele foi inspirado por Deus para proferir aquela confissão solene da identidade de Jesus: ‘também Eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja’. Deste modo Simão passa a ser Pedro, pedra, fundamento... realçando o lugar de importância de Simão Pedro na responsabilidade dos doze. Como atributos da ‘chefia’ da Igreja Pedro tem a tarefa do ‘poder das chaves’, essas com que se abre ou fecha, liga ou desliga... entre a terra e o Céu e mesmo no exercício desse poder no contexto terreno. Encontramos, assim, a primazia de jurisdição. «No colégio dos Doze, Simão Pedro ocupa o primeiro lugar. Jesus confiou-lhe uma missão única. (...) Cristo, «pedra viva», garante à sua Igreja, edificada sobre Pedro, a vitória sobre os poderes da morte. Pedro, graças à fé que confessou, permanecerá o rochedo inabalável da Igreja. Terá a missão de defender esta fé para que nunca desfaleça e de nela confirmar os seus irmãos» (Catecismo da Igreja Católica, n.º 552).

2) Do anúncio da Paixão ao escândalo de Pedro
Depois desta passagem encontramos no Evangelho de São Mateus o primeiro anúncio da Paixão de Jesus, criando um sério contraste com a passagem anterior, pois se, no trecho que vimos Pedro é exaltado por Jesus, em Mt 16, 21-23 Pedro é declarado maldito, como uma presença de Satanás, inimigo de Jesus. Com efeito, em breves palavras Jesus apresenta o processo da sua paixão-morte-ressurreição: ‘tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos-sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar’.
Ora, Pedro, que anteriormente fora investido entre os seus irmãos como o chefe dos doze, toma Jesus à parte e começou a repreendê-lo, tentando dissuadi-lo deste processo, que Pedro não era capaz de compreender... na sua lógica humana. Então, Jesus, à semelhança de outros momentos de tentação, diz a Pedro: ‘afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens’. Neste momento Pedro passou a ser uma pedra de escândalo também para os seus irmãos.
Como poderemos compreender esta mudança entre ser ‘bendito’ e tornar-se ‘maldito’? Poderá isto ser uma resposta à dificuldade em entender os mistérios de Deus, quando usamos critérios mundanos? Será esta oscilação perante as dificuldades um aceno de discernimento para as debilidades dos cristãos e seus responsáveis em Igreja? à luz desta passagem não andaremos, muitas vezes, a apresnetar um Cristo glorioso que não passou pela cruz?
De facto, a passagem seguinte (Mt 16, 24-28) é a explicitação do caminho de seguimento (discipulado) de Jesus: ‘quem quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me’.



António Sílvio Couto

Sem comentários:

Enviar um comentário