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segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Os gatos da noite

 


Por diversas vezes, sobretudo em noites de insónia, me tenho entretido a observar uns três ou quatro gatos – pelo aspeto parecem vadios – a deambular pela rua na área onde moro. Os felinos ora andam em busca de comida, ora se divertem uns com os outros como se jogassem algo que só eles conhecem… de vez em quando também entram em guerrilhas e a parte mais fraca tenta escapar-se da luta.

1. Passar das lições dos animais para o âmbito dos humanos não parece ser difícil, embora possa tornar-se algo delicado, pois estes conseguem ultrapassar em requintes de malvadez o que nos gatos pode envolver um pouco de jocoso. Com efeito, olhemos, desde logo, para a atração da noite com que os humanos trocam as ocupações do dia: particularmente as gerações mais novas fazem dessa alternativa qualquer coisa de sedutor, mesmo que possam vir a pagar, sobretudo na saúde, as consequências de tais opções. Não está em causa julgar, mas tão simplesmente ler agora o que já foi feito no passado…

2. Há dias foi noticiado que, só num fim-de-semana, foram detidas mais de quinhentas pessoas por prevaricações diversas. Claro, que não foi só de noite, mas esta teve um forte contributo para os distúrbios, com diversas infrações ou mesmo anomalias… até de conduta em relação às coisas da estrada. Sem dramatismos, mas com verdade poderemos perceber que a noite nem sempre é boa conselheira, antes se pode tornar-se foco de coisas menos claras – já por sua natureza por ser o escuro da noite – e, sobretudo, de ações atribuladas…

3. Da sabedoria popular colhemos a expressão: ‘de noite todos os gatos são pardos’! Isto é, parecem ter todos a mesma cor, logo nivelando-se pelas razões mais simples e talvez menos boas. É neste aspeto que podemos e devemos investir a nossa reflexão: quanta coisa acontece acoberta pela sombra da noite, esta pode esconder maus intuitos e piores execuções; esta pode criar condições para que se desenvolvam projetos fora da boa convivência social; esta pode desencadear iniciativas de possível delinquência…Numa palavra: a noite, de per si, não é boa nem má, mas, pela ausência da luz, reveste a potencialidade de algo tendencial de mal…

4. Num tempo em que se nota a exaltação da imagem, torna-se acutilante não ter nada a esconder. Isso mesmo podemos ler nas Sagradas Escrituras, numa passagem entre Jesus e Nicodemos, por sinal numa conversa tida de noite: «de facto, quem pratica o mal odeia a Luz e não se aproxima da Luz para que as suas ações não sejam desmascaradas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da Luz, de modo a tornar-se claro que os seus atos são feitos segundo Deus» (Jo 3, 20-21). Talvez seja aqui que deveríamos investir: a luz faz brilhar a verdade, enquanto a noite encobre, muitas vezes, a mentira. Com efeito, a imagem que se pretende dar aos outros pode estar desfocada da verdadeira imagem que temos de nós mesmos e esta poderá nem sempre ser a verdadeira, pois podemos fazer de nós mesmos uma imagem que não corresponde à verdade de si mesmo…

5. Ouvi dizer que os gatos captam as boas ou más energias daqueles que se aproximam, podendo eles aproximarem-se ou afastarem-se conforme são positivas ou negativas, respetivamente. Será isto verdade ou tem algo a ver com a possibilidade de simpatia ou de rejeição quanto aos felinos? Não haverá – mais do que possamos julgar – uma sintonia entre os seres, muito para além dos humanos?

6. Se soubermos aproveitar tudo que vivemos para refletir deixaremos de ser tão superficiais ou banais e – por que não – inconsequentes com tantas coisas que nos acontecem e não são por acaso! À luz do pensamento de Santo Agostinho de Hipona poderemos suspirar – criaste-nos para Vós, Senhor, e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós!



António Sílvio Couto

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