Por estes dias tomei
conhecimento duma situação, que tem tanto de surpreendente quanto de
inquietante: uma mãe, juntamente com o pai da criança, foram para as vindimas,
no estrangeiro, deixando a criança, de seis meses, aos cuidados de uma família
amiga da irmã da mãe…mas com quem a criança não tem qualquer convivência… isto
terá a duração de dez dias, conforme decorrer a apanha das uvas e por um preço
que, segundo, pareceu àqueles pais, era aliciador.
Sem pretender agoirar, esta
situação fez-me – desde que tomei conhecimento do ocorrido – pensar sobre
vários aspetos, tendo em conta as variantes de um assunto como este: deixar uma
criança de tenra idade aos cuidados de pessoas com quem não têm relação de
proximidade, indo em busca de uns cobres rápidos e cativadores da atenção…
- Não duvido da afeição
que estas pessoas de acolhimento temporário podem ter por aquela criança… até
porque já são avós. Há um quê de dificuldade em entender o desprendimento desta
mãe que assim parte. Custa-me a perceber as razões totais por muito
interessantes que possam ser ao tomarem tal atitude aqueles pais.
- Há, no entanto, alguns
aspetos que podem ser refletidos por ocasião deste acontecimento. Desde logo
como poderá uma criança, de apenas seis meses, mudar de ‘família’ sem que isso
não venha a poder perturbá-la, agora ou no futuro? Pelo que se vai sabendo do
desenvolvimento psicológico-emotivo da pessoa humana, a estabilidade de
crescimento não deve ser perturbada. Ora, neste caso, terão sido advertidas as
mudanças? Quem esteve em primeiro plano desta decisão: os pais ou a criança?
= Num tempo marcado pela
mobilidade – uma desejada, outra provocada e tanta outra vivida por necessidade
– este episódio da criança deixada com outros (não familiares) pelos pais como
que nos deve fazer questionar sobre o lugar das crianças na vida das pessoas,
sejam eles pais ou outros familiares e mesmo enquanto cidadãos, pois,
desgraçadamente, muitas pessoas preferem os animais – de companhia ou de
recreio – às crianças.
- Sem pretender julgar e
tão pouco condenar aqueles pais, será que esta criança lhes cria obstáculos
para poderem fazer o que querem e por isso a deixam nem que seja por uns
tempos?
- Não sei totalmente se
precisam desse dinheiro que vão ganhar mais rapidamente para equilibrar a vida,
mas uma criança não vale mais do que tantos outros interesses?
- No elenco dos valores,
será que uma criança – sobretudo de tenra idade – não deveria ser o melhor
critério de dedicação duma família?
= Quando os refugiados nos incomodam
Tendo em conta o episódio
exposto, a situação dos milhares de refugiados que nos têm ‘invadido’ nos
tempos mais recentes, coloca-nos numa posição de suficiente vulnerabilidade.
Famílias inteiras fogem – a que preço e com que custo – de condições difíceis
ao nível humano, económico e até religioso.
Neste tema dos
refugiados, como noutros assuntos, continuamos a remandar as consequências sem
irmos às causas. De facto, os refugiados – estes que por agora vemos são os que
têm meios para comprar a fuga – denunciam a falta de cuidado com que olhamos
tantas áreas (lugares e situações) do nosso mundo, mas onde, na maior parte dos
casos, os interesses económicos se sobrepõem às pessoas. Com efeito, os
americanos mexeram no vespeiro do Médio Oriente, tendo em conta os lucros que
podiam usufruir das riquezas de povos e de nações, mas fugiram quando perderam
o controlo dos problemas… e, agora, a Europa desunida vai recebendo os milhares
de deslocados que, por estes dias, a invadem esfomeados e carentes de quase
tudo!
- Será que saberemos dar
a estes novos refugiados mais do que condições materialistas dum certo
bem-estar à nossa maneira? Teremos estofo e qualidade para sermos homens e
mulheres de bem, aprendendo com eles a desinstalação e a procura? Até onde irá
a nossa compaixão mais do que a mera solidariedade?
Como continente, que
sempre se renovou com vagas de invasões, será que a Europa poderá regenerar-se
com novos ideais e desafios para sairmos do comodismo hedonista?
António Sílvio Couto
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