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terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Unidos pelo ódio?


‘Um grupo torna-se sempre mais unido se tiver algo que odiar’.

Esta frase foi proferida por um iraniano, que é professor de psicologia numa universidade americana. Para suportar esta indicação, o professor considera que os responsáveis políticos introduzem, naquilo que dizem e no modo como atuam, conceitos como o medo e a ansiedade para condicionarem as reações e os desafios da sociedade mais aberta…  

= Mas haverá algo de abusivo naquela frase citada, ou, pelo contrário, ela revela mais do que uma mera conjetura na leitura dos acontecimentos? Será que aquela frase pode parecer incentivadora a mais ódio? Por seu turno, poderemos ver naquela frase algo que explique muito daquilo que vemos, sentimos e vivemos… mesmo sem disso nos darmos totalmente conta? Como podemos e devemos interpretar certas manifestações de ódios, onde se espicaçam traços de raça ou de etnia? Não viverá muita gente encapotada à sombra daquela frase, mesmo que teoricamente a contestem?  

= Desde logo ‘ódio’ será útil interpretá-lo como algo de positivo, pois em muito daquilo que colocamos a oposição está mais do que a mera inimizade ou a dimensão de inimigo. Se atendermos à formulação psicológica de ‘ódio’ poderemos encontrá-lo como um inverso de ‘amor’, na medida em que este possa explicar a dedicação mais do que apaixonada por algo ou por alguém, enquanto ‘ódio’ exprime o seu contrário, na linha de desejar mal a alguém.

Naquilo que envolve as pessoas humanas, o ódio exprime-se através dos insultos ou das agressões físicas. A violência tende a ser uma das consequências do ódio… No casos de países e nações é costume incentivar ódio de uns para com outros, levando – como se refere supra – a unir aqueles que poderão concretizar ações de ódio com os outros… nesse caso considerados como inimigos. 

= Atendendo à complexidade do nosso tempo talvez possa ser útil apresentar algumas situações em que ‘um grupo se torna unido, se tiver algo que odiar’. Não será isso que explica uma espécie de fanatismo (quase religioso) de certos grupos desportivos, tenham ou não a designação de claques? Por vezes não acontece de dirimirem-se contendas internas (ou intestinas), polarizando as de fora contra outros que defendem as suas cores com idêntico fervor ou mesmo ódio? Não será que alguma apatia, indiferença ou negligência, que tem vindo a criar episódios sem-sentido, quando outros se apegam a rituais nada abonatórios dos princípios que os norteiam?

Quem não se recorda dos tempos em que os cristãos eram considerados minoria social e eram até odiados pelos que não comungavam da sua fé? Nessas ocasiões – e não são só dum passado longínquo, mas também percorrem muitos locais atualmente – os cristãos uniam-se, não só porque eram perseguidos e mesmo odiados, mas porque estava em causa a sua própria sobrevivência. Vemos já nos textos bíblicos e nas reflexões da patrística essa necessidade de se unirem, não já para odiarem, mas para conseguirem ultrapassar as dificuldades colocadas pelas condicionantes exteriores.

Não será que agora – no nosso tempo e na nossa terra – baixamos a guarda em matéria de vigilância, mas também de unidade. Fomo-nos tornado mais inseridos no meio, mais pela descoloração do que pela afirmação. Se alguém destoa desta onda de boa aceitação – tanto em palavras como em ações – corre o risco de ser facilmente rotulado com fanatismo, fundamentalismo e, mais recentemente, com populismo, isto é, domesticaram o cristianismo e os cristãos com doses de compreensão anódina e de aceitação insípida de princípios, valores e critérios…

Onde está o sabor do sal, que somos? Por onde para a luminosidade proclamada nos evangelhos? Onde está a verticalidade da linguagem do ‘sim, sim; não, não’? Seremos ainda fiáveis para encetarmos a evangelização deste tempo? Daqui a meio século haverá fé nos lugares onde agora a celebramos a meio gás?

Por muito que apelemos a novos métodos de anúncio de Jesus, há um que nunca falha nem estará desatualizado: o testemunho pessoal, o encanto por Cristo e a correção de vida…na sendo do Evangelho!        

   

António Sílvio Couto

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