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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Paróquias e movimentos, como se podem/devem articular?


Quem está na vida prática das coisas em Igreja católica, por vezes, tem de se revestir de uma arte suficiente para conciliar algum do tradicionalismo/ritualismo das paróquias em contrapoder com alguma outra (pretensa) desinstalação/provocação da maior parte dos movimentos eclesiais.

Numa espécie de declaração de ‘interesses’ fique claro que sou favorável e fomentador da presença dos movimentos – anteriormente ditos apostólicos, mas que devem ser, isso sim, todos católicos – no tecido das paróquias, respeitando a autonomia destas e construindo na vida a chama que fez surgir cada movimento. Desde há mais de quatro décadas que procuro fazer caminhada num determinado movimento eclesial e, tanto quanto tenho procurado, isso não me tem afunilado nele, antes tenho procurado ver e ajudar todos os outros a serem o que devem… 

= «A paróquia é uma certa comunidade de fiéis, constituída estavelmente na Igreja particular, cuja cura pastoral, sob a autoridade do Bispo diocesano, está confiada ao pároco, como a seu pastor próprio» - Código do Direito Canónico, cânone 515 § 1.º. Atendendo a esta definição-descritiva podemos e devemos considerar que tudo quanto aconteça no espaço da paróquia deve ser enquadrado na visão mais ampla de Igreja e no cuidado mais simples daquele que tem a cura pastoral. Por seu turno, no mesmo Código de Direito Canónico se faz a discrição de ‘associação de fiéis’: «na Igreja existem associações, distintas dos institutos de vida consagrada e das sociedades de vida apostólica, nas quais os fiéis quer clérigos quer leigos, quer em conjunto clérigos e leigos, em comum se esforçam por fomentar uma vida mais perfeita, por promover o culto público ou a doutrina cristã, ou outras obras de apostolado, a saber, o trabalho da evangelização, o exercício de obras de piedade ou de caridade, e por informar a ordem temporal com o espírito cristão» (cânone 298, § 1.º).

Diante destas duas citações da lei de referência na Igreja católica podemos e devemos colocar algumas questões sobre a tal articulação serena, sincera e sensata entre a territorialidade da paróquia e a (possível) transversalidade da associação de fiéis, seja ou não movimento. Mesmo que numa imagem tosca não poderemos resumir uma paróquia numa espécie de mesa com várias gavetas sem ligação entre si…

Já foi – felizmente – ultrapassado o tempo em que os leigos tinham de pedir autorização à hierarquia para se reunirem e/ou associarem. Embora para serem eretas as associações precisem de ser reconhecidas pela competente autoridade eclesiástica (CIC cân. 301), aquelas devem respeitar os estatutos devidamente aprovados para o seu reconhecimento.

A título informativo valerá a pena citar, que, no Anuário católico em Portugal, estão registadas oitenta e oito ‘associações, instituições, movimentos e obras’…com expressão de âmbito nacional e, na sua maioria, com implantação em todas as dioceses do país…numas mais do que noutras, mas significativamente abrangentes da realidade social, eclesial… e cultural. 

= Atendendo à dinâmica de cada movimento e/ou associação de fiéis poderá ser questionável como se relacionam estes com as paróquias, dado que, na maior parte dos casos, nestas se poderá verificar mais uma espécie de trabalho pastoral de manutenção e não numa necessária dinamização evangelizadora e/ou missionária. Em muitos casos – desgraçadamente – aqueles/as que participam nos movimentos/associações de fiéis não se sentem tão atraídos ou mesmo acolhidos nas paróquias… como acontece no ‘aconchego’ ou sintonia do seu grupo mais particular. Não será que, muitas vezes, as pessoas se desconhecem ou mesmo se ignoram na fé, que dizem professar ou celebrar? Será que os paroquianos, quando não reagem devidamente às propostas dos responsáveis – tanto do cuidado pastoral, como dos movimentos/associações de fiéis – com isso podem desmotivar quem tenta incentivar à participação? Certas acomodações não revelam mais falta de conversão do que menos boa aceitação?

Numa palavra: paróquias e movimentos/associações de fiéis são como que as duas mãos de um grande louvor divino, onde quem teve (ou tem) a graça de se deixar dinamizar precisa de colocar essa força ao serviço de tanta massa amorfa que povoa as nossas paróquias. Estas não podem ser o reduto de uns tantos que se cristalizaram numa fé ritualista ou um tanto tradicionalista. Renovação de todos, precisa-se, já!           

   

António Sílvio Couto

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