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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

O Espírito conduziu Jesus ao deserto…no mundo


Então, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, a fim de ser tentado pelo diabo’.

É com estas palavras de Mt 4,1 que começamos a caminhada (dominical) da Quaresma, contemplando Jesus a ‘ser tentado’ na sua condição humana/terrena.

Na abordagem deste tema recorremos ao significativo livro do papa emérito Bento XVI/Joseph Ratzinger, Jesus de Nazaré (JN), numa edição de 2007, feita em Portugal, pela editora ‘esfera dos livros’, indicando as páginas.

«Contam os evangelhos sinóticos, para nossa surpresa, que a primeira disposição do Espírito O impele para o deserto ‘a fim de ser tentado pelo demónio’. A ação é precedida pelo recolhimento, e este é necessariamente também uma luta interior em prol da sua missão, uma luta contra as deturpações da mesma que se apresentam como suas verdadeiras realizações. É uma descida aos perigos que ameaçam o homem, porque só assim o homem caído pode ser levantado» (JN 56). 

É diante desta profunda e altíssima experiência de Jesus, na sua condição de tentado segundo a carne, que vamos sugerir um breve itinerário de vivência quaresmal, cujo mote principal é dado pelas tentações de Jesus…do deserto até à cruz. Efetivamente, Jesus vive na condução do Espírito Santo, esse que O ungiu como Cristo/Messias, desde o batismo ministrado por João…até ao derramamento último, quando expira na Cruz.  

= Deserto: lugar ou atitude?

«O deserto – imagem oposta do jardim – torna-se o lugar da reconciliação e da salvação» (JN 57), onde cada um dos elementos – as feras e os anjos – têm significado da nova criação iniciada com Jesus e por Jesus. Não deixa, por isso, de ser essencial perceber que o tempo de Quaresma – a que está aliado o número 40 (JN 59-60) – é esse tempo de deserto pela qual temos de passar rumo à Pascoa, tal como o viveram Moisés e Elias, antes de iniciarem o seu ministério, assim como os quarenta anos de peregrinação pelo deserto do povo de Israel para chegar à Terra prometida. 

Um tanto à semelhança das nossas raízes mais profundas, presentes nestes exemplos vetero-testamentários, assim a caminhada quaresmal nos pode e deve levar a viver em atitude de deserto, isto é, de escuta e de oração, de atenção e de humildade, de abertura e de comunhão, fazendo deserto no mundo, concretamente na nossa casa, no trabalho diário, na vida em família, nos locais de diversão ou de compromisso social e político…até mesmo na Igreja. Efetivamente será ao criarmos condições para viver em deserto que as tentações se manifestarão com maior agravo – cf. JN 61-78 – se bem que a vitória será conseguida pela fidelidade ao Espírito Santo em cada um de nós e na Igreja.   

= Como fazer deserto na cidade?

O título de um livro com mais de quatro décadas – Carlos Carreto, ‘Deserto na cidade’ (1978) – poderá servir-nos de mote para que, na Quaresma deste ano, sigamos rumo à Pascoa: ‘cruz – árvore da vida’.

Podemos servir-nos das letras da palavra ‘Cristo’ e lançamos pistas de caminhada em cada semana:

Caminho em vivência de tentação (Mt 4,1-11);

Renúncia enquanto recurso de penitência e de acolhimento da palavra de Deus (Mt 17,1-9);

Itinerário de abertura a Deus, como a samaritana (Jo 4,4-42);

Salvação à luz de Deus, no reconhecimento de Jesus como o cego (Jo 9, 1-41);

Tocados pelo poder de Deus, ajudados pela vivência de Lázaro (Jo 11,1-45);

Oblação de eterna eucaristia…em mistério pascal (Mt 26,14-27,66).

Pela composição dinâmica e progressiva da palavra ‘Cristo’ poderemos, semanalmente, ir crescendo na abertura à Palavra de Deus, numa contínua refontalização do batismo, que há de ser renovado – pessoal e comunitariamente – na grande liturgia da vigília pascal.

Que o Espírito o Senhor nos guie e conduza, preparando a Páscoa e vivendo a dinâmica que dela emerge até à plenitude do Pentecostes.

 

António Sílvio Couto

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