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terça-feira, 17 de março de 2015

A ofensa sente-se!


Na complexa simplicidade daquilo que somos, por vezes, vemo-nos confrontados com a necessidade de refletirmos sobre algo que dizemos e que nos marca pela experiência do nosso existir. Com efeito, a ofensa é mais da área da emotividade e não redutivamente da inteligência… embora esta possa vir a ser mais ou menos ferida, sobretudo quando a ofensa vem de alguém a quem podemos estimar…Há quem diga que ‘só me ofende quem eu deixo’… tentando com isso reportar-se a situações que têm mais a ver com quem ofende do que com as ofensas praticadas…

= Há, no entanto, situações e momentos em que pode acontecer de ser viver, dalguma forma ao nível espiritual, o perdão a quem nos possa ter ofendido e não ter sido curado ou liberto, ao nível psicológico e emocional, dos mais variados traumas conscientes ou mesmo inconscientes. Com efeito, há imensos aspetos da nossa personalidade (mais ou menos amadurecida) que precisam de ser detetados no contexto do relacionamento com os outros, mas onde Deus também conta e/ou participa, como o grande Outro, que fundamenta a nossa alteridade e a cuja imagem nos descobrimos, nos entendemos e nos aceitamos. De facto, no tropel de individualismos com que nos confrontamos permanentemente, temos de aprender a discernir as nossas feridas e a detetar as mágoas dos outros…muitas das vezes camufladas, em nós e nos outros, com roupagens religiosas mais ou menos coerentes…ou difusas.

= Com a convocação do próximo Jubileu – o 29.º na história da Igreja católica – a decorrer entre 8 de dezembro deste ano e a solenidade de Cristo Rei do ano que vem, o Papa Francisco referiu: ‘pensei muitas vezes no modo como a Igreja poderia tornar mais evidente a sua missão de ser testemunha da misericórdia. É um caminho que começa com uma conversão espiritual; e temos de fazer esse caminho. Por isso decidi proclamar um jubileu extraordinário que tenha no seu centro a misericórdia de Deus. Será um Ano Santo da misericórdia’.

Mais um gesto profético do Papa Francisco, que nos vem incomodar nas nossas certezas religiosas e nessas outras convicções com que tantas vezes nos tratamos a nós mesmos e com alguma rigidez de doutrina invetivamos os demais…

Esta provocação do Papa Francisco foi, aliás, feita no contexto duma celebração penitencial, no dia do aniversário (segundo) da sua eleição e em que ele mesmo se confessou e atendeu de confissão outros penitentes como ele.

Temos ainda de recolher os mais diversos indícios de que algo estava para acontecer, pois o Papa nos tem vindo a alertar para a cultura da indiferença – a Deus e uns aos outros – bem como para que sejamos dignos de acolher Jesus na Igreja e nas periferias humanas e sociais.

= No contexto ainda da caminhada da Quaresma e também da preparação para o sínodo ordinário – depois do extraordinário do ano passado – da família, durante o mês de outubro, é essencial que não nos fiquemos na espuma dos problemas – com tantos dos nossos contemporâneos se entretêm – nas que sejamos capazes de nos questionarmos a nós mesmos e a quanto em nós precisa de conversão à misericórdia divina e nas relações humanas. Efetivamente, quando nos deixamos tropeçar mais na ofensa do que na misericórdia, já estaremos abertos às condições de a acolher, humildemente? Quando nos nossos ambientes – humanos e sociais, religiosos e culturais – se cultiva mais o ressentimento e a vingança, não estaremos ainda mais necessitados de sermos envolvidos e aconchegados pela misericórdia divina?

Há instituições que, historicamente, são designadas de ‘misericórdias’, mas sê-lo-ão? Ou não serão antes plataformas de interesses e de vaidades?...Infelizmente – até por que sou ‘irmão’ de uma – muita coisa ocorre que desvirtua a identidade! Está na hora de aproveitar o tempo de jubileu… para a conversão pessoal e comunitária.

 

António Sílvio Couto

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